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Jair Bolsonaro afirma ter o apoio das Forças Armadas; Ministério da Defesa
declara ter compromisso com a Constituição
Um dia após o presidente Jair Bolsonaro comparecer
a um novo ato com pautas antidemocráticas, em que disse contar com apoio das
Forças Armadas, o Ministério da Defesa se manifestou reforçando o compromisso
dos militares com a Constituição.
Em nota assinada pelo ministro (e general da reserva) Fernando
Azevedo, a pasta diz que "as Forças Armadas estarão sempre
ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade". O comunicado de
segunda-feira também afirma que "qualquer agressão a profissionais de
imprensa é inaceitável", em repúdio aos ataques violentos a jornalistas e
fotógrafos por manifestantes em frente ao Palácio do Planalto, durante o ato de
apoio a Bolsonaro no domingo.
Para estudiosos das Forças Armadas ouvidos pela BBC
News Brasil, a manifestação do Ministério da Defesa marca um afastamento da
cúpula militar do radicalismo do presidente. Estes analistas, no entanto,
manifestam preocupação com a possibilidade de oficiais de média e baixa patente
aderirem a movimentos autoritários.
Além da agressão a jornalistas — o fotógrafo Dida
Sampaio, do jornal Estado de S.Paulo, chegou a ser derrubado no chão e recebeu
socos e chutes —, o ato de domingo em frente ao Palácio do Planalto foi marcado
por ataques ao Congresso, ao Supremo Tribunal Federal e ao ex-ministro da
Justiça Sergio Moro que se demitiu acusando Bolsonaro de querer intervir na
Polícia Federal.
Em discurso feito na rampa do Palácio do Planalto,
Bolsonaro disse: "Vocês sabem que o povo está conosco. As Forças Armadas,
ao lado da lei, da ordem, da democracia, da liberdade e da verdade, também
estão ao nosso lado. Quanto aos algozes, peço a Deus que não tenhamos problema
esta semana, porque chegamos no limite. Não tem mais conversa".
Duas semanas antes, ele fez manifestação de teor
semelhante em outro ato de caráter autoritário realizado por seus apoiadores em
frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília.
Imagem RONALD GRANT Nota
assinada pelo ministro Fernando Azevedo afirma que "as Forças Armadas
estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade"
Para Antonio Jorge Ramalho da Rocha, professor de
relações internacionais da UnB, com pesquisa nas áreas de segurança
internacional e defesa nacional, "hoje, não há dúvida acerca da unidade de
comando e do compromisso das cúpulas militares com as instituições e valores
democráticos vigentes, embora todos estejamos de acordo em que há muito o que
fazer para melhorar nossas instituições e práticas políticas".
"Mas, com o passar do tempo, não é impossível
o surgimento de divisões internas em relação a esse compromisso das Forças com
o Estado. E esse risco cresce na proporção da participação de oficiais da ativa
no governo", acredita.
O número de militares ocupando cargos civis no
governo federal se aproxima de 3 mil. Em março, eram 2.897 os cedidos por
Exército, Marinha e Aeronáutica para outras áreas, segundo dados do Ministério
da Defesa repassados à BBC News Brasil em março. Eles ocupam desde funções no
terceiro e segundo escalão da administração federal a postos na alta cúpula do
governo, com destaque para três ministérios localizados dentro do Palácio do
Planalto — Casa Civil (general da reserva Braga Netto), Secretaria de Governo
(general da ativa Luiz Eduardo Ramos) e Gabinete de Segurança Institucional
(general da reserva Augusto Heleno).
Relação ambígua
O cientista político Octavio Amorim Neto, professor
da Ebape/FGV, diz que as Forças Armadas estão em uma "situação
extremamente ambígua" dentro da gestão Bolsonaro. Por um lado, não tinham
tanto poder político desde 1985, ano da redemocratização do país após duas
décadas de ditadura militar. Por outro, a cúpula das Forças Armadas tenta
diferenciar o que é a instituição do que é governo, salientando que os
ocupantes dos cargos mais altos já estão na reserva ou se licenciaram da
carreira militar, caso do ministro Ramos.
Imagem SERGIO LIMA/AFP E GETTY
IMAGES Em atos feitos nas últimas semanas, apoiadores de Bolsonaro pedem
intervenção militar
"Essa situação muito turva, ambígua, vai
gerando riscos crescentes de, de repente, um ator individual menor, tomar uma
decisão mais ousada e o processo desandar para uma grande crise política",
acredita.
O professor exemplifica sua tese lembrando da crise
de segurança pública gerada pelo motim de policiais militares no Ceará, em que
o senador Cid Gomes (PDT-CE) chegou a ser baleado quando enfrentou os
grevistas. Na época, analistas da área de segurança pública viram o risco de
alastramento da crise para outros Estados, por causa do fortalecimento político
da categoria policial, grupo muito presente na base eleitoral de Bolsonaro.
"Até o momento, os comandantes das três Forças
(Exército, Aeronáutica e Marinha) que têm dado o tom das Forças Armadas. E se
oficiais intermediários começarem a se manifestar? Aí a questão da integridade
das Forças Armadas vai entrar em risco. Numa situação tão tensa como essa,
alguém pode perder o autocontrole", acrescenta Amorim Neto.
Manifestação das
Forças Armadas não é normal
Também chama atenção na manifestação do Ministério
da Defesa a importância dada ao combate da pandemia de covid-19, doença que já
matou mais de sete mil brasileiros, mas foi chamada de "gripezinha"
por Bolsonaro.
"Enfrentamos uma pandemia de consequências sanitárias
e sociais ainda imprevisíveis, que requer esforço e entendimento de
todos", diz a nota, pregando união em um momento que o presidente tem
entrado em conflito com governadores, Congresso e Judiciário.
No entanto, embora
os dois professores ouvidos pela BBC News Brasil tenham considerado positivo o
teor da nota, ambos destacaram que não é "normal" as
Forças Armadas se manifestarem politicamente em uma democracia.
Imagem REPRODUÇÃO/FACEBOOK Bolsonaro
e apoiadores durante ato no último domingo (3), em Brasília
"A nota é clara e inequívoca. Reafirma o
compromisso das Forças Armadas com a ordem constitucional vigente, o que inclui
o respeito à liberdade de expressão e de imprensa, além da preocupação em dar
uma resposta às crises que a sociedade enfrenta hoje. Não há motivo algum para
duvidar do compromisso da cúpula das Forças com esses valores", afirma
Ramalho da Rocha, da UnB.
"É lamentável, apenas, que o Ministro da
Defesa tenha considerado necessário emitir uma nota oficial com esse teor, a
qual obviamente seria anacrônica em outras circunstâncias. Quando os generais
precisam vir a público para dizer que não apoiariam um golpe é porque existe a
percepção de que essa possibilidade está sendo considerada por atores
políticos", ressalta ele.
Recado também para
Congresso e Judiciário
Por outro lado, a manifestação do Ministério da
Defesa também traz uma sinalização para o Congresso e o Judiciário, acredita
Amorim Neto. Logo no início, após dizer que "as Forças Armadas cumprem a
sua missão Constitucional", o comunicado destaca que "Marinha,
Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que consideram a independência
e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a governabilidade do
País".
Para o professor da FGV, esse trecho está
relacionado com a insatisfação dentro das Forças Armadas com o que é visto como
ações de interferência do Judiciário e do Legislativo no Executivo.
No caso do Congresso, houve uma forte crise no
início do ano envolvendo a disputa pelo controle de parte Orçamento da União,
em que o general Heleno foi gravado sem saber chamando o Parlamento de
chantagista e mandando um "f*da-se" aos congressistas.
Já o STF tem tomado uma série de decisões limitando
a atuação de Bolsonaro, o que alguns juristas veem como um controle de abusos
do presidente, enquanto outros consideram haver excessos por parte de ministros
da Corte.
Imagem ROSINEI COUTINHO/SCO/STF Ministro
do STF, Alexandre de Moraes impediu, por meio de liminar, nomeação do delegado
Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal
As decisões mais recentes que irritaram o
presidente e seus ministros militares foram a liminar do ministro Alexandre de
Moraes que impediu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para chefiar a
Polícia Federal e o veto do ministro Luís Roberto Barroso à expulsão de
diplomatas venezuelanos do Brasil.
Moraes impediu a nomeação de Ramagem devido à
amizade do delegado federal com filhos do presidente, enquanto Barroso
considerou não ser adequado extraditar estrangeiros em meio à pandemia de
coronavírus.
Para Amorim Neto, Bolsonaro usa as Forças Armadas
justamente como uma forma de se proteger da reação dos outros Poderes ao seu
governo. Ele nota que o presidente mantém uma agenda frequente de comparecer a
cerimônias militares, numa rotina muito diferente da de seus antecessores.
Assim como não vê condições hoje para uma ruptura
institucional do presidente com apoio dos militares, o professor da FGV também
não observa no momento perspectiva de uma queda de Bolsonaro por um processo de
impeachment. Por isso, acredita, o país continuará em um cenário de
"grande incerteza e instabilidade".
"E o jogo do Bolsonaro vai continuar sendo o
de envolver as Forças Armadas nas suas manobras políticas, para forçar o
Congresso e o STF a não limitá-lo, não controlá-lo", afirma.
Fontes: Mariana Schreiber e Laís Alegretti
Da BBC News Brasil
*colaborou Matheus Magenta, de Londres