Imagem Mateus Bonomi AGIF
Crimes
de responsabilidade, falsidade ideológica, advocacia administrativa e até
obstrução de Justiça. Estes são alguns dos crimes que, segundo criminalistas
ouvidos pela reportagem, o presidente da República, Jair Bolsonaro,
pode ter cometido, caso comprovadas as acusações de Sérgio Moro, ex-ministro da
Justiça e Segurança Pública.
Uma
investigação já foi requerida pelo procurador-geral da República (PGR), Augusto
Aras, após as declarações do ex-ministro Sergio Moro, que
acusou Bolsonaro de interferência política na Polícia Federal para obter acesso
a informações sigilosas.
O
objetivo é apurar se foram cometidos os crimes de falsidade ideológica, coação
no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de
justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a
honra. Conforme os indícios apontados por Aras, tanto Bolsonaro quanto o
próprio Moro serão alvos do inquérito.
Um
dos autores da peça jurídica do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff diz
que, os fatos apurados sobre a petista eram, "de longe, menos
graves", do que as acusações de Moro contra o atual presidente.
Impeachment
e crime de responsabilidade
A
princípio, advogados ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo elencam crimes de
responsabilidade supostamente cometidos por Bolsonaro. Para Conrado Gontijo,
criminalista, doutor em Direito Penal e Econômico pela USP, "confirmadas
as graves acusações de Moro, Bolsonaro deverá sofrer processo de impeachment,
por ter agido de forma incompatível com a dignidade do cargo".
"Não
bastasse isso, há indicações de que o Presidente Jair Bolsonaro praticou crime
comum, ao assinar decreto com a falsa informação de que a exoneração de Valeixo
teria sido 'a pedido'. Mais uma grave situação, que evidencia a total falta de
capacidade de Bolsonaro ocupar a cadeirante Presidente do país", afirma.
Para
Flávio Henrique Costa Pereira, especialista em Direito Eleitoral, "os
fatos revelados são graves e mostram completo desrespeito à probidade do cargo
do presidente". "Em termos jurídicos, os fatos, comprovados, são
contundentes e configuram crime de responsabilidade a ensejar o impeachment do
presidente. Quando elaborei, juntamente com Janaína Paschoal e Miguel Reale
Junior, o pedido de impeachment de Dilma Rousseff, os fatos eram, de longe,
muito menos graves do que esses."
O
criminalista Guilherme Cremonesi afirma que "a conduta do presidente deixa
muito clara esses crimes de responsabilidade na medida em que ele tenta não só
intervir na nomeação do chefe da PF, mas como, de certa forma, manipular o
trabalho feito pela PF".
"A
par de quaisquer críticas ao juiz e ao ministro, a posição do presidente de
intervir politicamente na Polícia Federal, por conta da preocupação com os
inquéritos em andamento que podem atingir seus filhos, é absolutamente
contrária aos princípios de Sérgio Moro. Mas, mais que isso, ficou explícito em
seu pronunciamento que Bolsonaro poderá responder por crime de responsabilidade
a depender do uso que fará de sua influência nos departamentos de Policia
Federal, incluindo as superintendências estaduais. Entendo que os atos do presidente
em relação à pandemia podem configurar crime e a interferência direta nas
atividades de investigação da Polícia também pode configurar crime de
responsabilidade", avalia Sylvia Urquiza, especialista em Direito Penal.
Obstrução
à Justiça
Em
artigo ao blog, o criminalista Dante D'Aquino afirma que a fala de Moro sobre
eventual interferência política aponta para um "comportamento que pode
configurar o crime de obstrução de justiça, previsto na lei 12.850/2013, em seu
artigo 2º, parágrafo 1º, pois quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a
investigação de infração penal, pratica a conduta proibida pela mencionada
lei".
"Claro,
deverão estar presentes os demais elementos constitutivos do crime, nesse caso,
a existência de um inquérito no STF
que apure a formação de uma organização criminosa, situação que, no entanto,
parece estar preenchida pelo Inquérito 4.781/2019, que tramita no Supremo
Tribunal Federal sob a presidência do Ministro Alexandre de Moraes",
avalia.
O
criminalista Guilherme Cremonesi ainda avalia que Bolsonaro pode ter cometido o
crime "na medida em que ele tenta influenciar o trabalho da PF porque ele
está preocupado com investigações que possam respingar nele próprio ou em sua
família".
"Buscar
aparelhar politicamente a Polícia Federal, para interferir no curso de
investigações, poderá ser responsabilizado criminalmente. A Lei de Organização
Criminosa, por exemplo, prevê pena de reclusão, de 3 a 8 anos, para quem impede
ou, de qualquer forma, embaraça investigação de infração que envolva
organização criminosa", lembra Conrado Gontijo.
Falsidade
Ideológica
No
pronunciamento em que anunciou a saída do governo, o ex-ministro denuncia que a
sua assinatura eletrônica no decreto de exoneração do diretor-geral da PF,
Maurício Valeixo, foi fraudada e diz que não houve exoneração a pedido, como o
documento presidencial publicado mostra.
"Isso
é crime de falsidade ideológica, previsto no artigo 299 do Código Penal. O
texto do artigo diz que é crime 'omitir, em documento público ou particular,
declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração
falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito,
criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante'",
explica a mestre em Direito Penal Jacqueline Valles.
Vera
Chemim, advogada constitucionalista, mestre em Direito Público Administrativo
pela FGV, o caso também configura falsidade ideológica. "É,
definitivamente, um governo voltado acima de tudo ao protecionismo familiar em
detrimento do Estado brasileiro. Retornamos ao velho Império e às antigas políticas
da velha República ao invés de progredirmos politicamente. Trata-se realmente
do retorno da Corte Imperial", analisa.
"Falsidade
ideológica na medida em que o presidente afirma que teria exonerado
diretor-geral da PF a pedido dele próprio, o que não é uma verdade", diz
Guilherme Cremonesi.
Advocacia
administrativa
Caso
as denúncias de Moro sejam confirmadas em investigação, o presidente pode ser
autuado com base no artigo 321 do Código Penal, que prevê até três meses de
prisão para quem "patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado
perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário".
"O
crime de advocacia administrativa fica caracterizado quando Moro afirma que o
presidente queria ter acesso a relatórios de inteligência de investigações da
PF. Esses relatórios não são compartilhados nem com toda a Polícia Federal e
não podem ser acessados por ninguém, nem pelo presidente da República",
diz Jacqueline Valles.
Até
o fechamento deste texto, a reportagem não havia obtido um posicionamento dos
citados.