Queda de ministro não encerra polêmica sobre construção de torre de 107
metros em área de patrimônio histórico em Salvador
A queda do ex-ministro Geddel Vieira Lima
(Secretaria de Governo), acusado de pressionar pela liberação das obras de um
prédio onde comprou apartamento em área histórica de Salvador, não encerrou a
polêmica que gerou a mais recente crise do governo Temer.
Na última sexta-feira (25), a BBC Brasil esteve na
região da obra do edifício La Vue Ladeira da Barra e conversou com
comerciantes, vizinhos e até um dos proprietários de apartamento no local.
Dois dias antes, a juíza substituta Roberta Dias
Nascimento, da 17ª Vara Federal, determinara a paralisação das obras e a
suspensão da venda de outras unidades do imóvel.
O prédio, localizado na ladeira da Barra, área
nobre de Salvador, ganhou destaque nacional depois que o ex-ministro da Cultura
Marcelo Calero atribuiu sua saída da pasta à pressão feita por Geddel para que
intermediasse a liberação das obras pelo Iphan (Instituto do Patrimônio
Artístico e Cultural), órgão vinculado ao MinC.
Geddel adquiriu um apartamento no local, cujas
unidades são estimadas em mais de R$ 2 milhões.
A construção do empreendimento havia sido
inicialmente autorizada pelo Iphan da Bahia, controlado por um aliado de
Geddel. Mas o Iphan nacional, ao qual o órgão estadual está submetido, decidiu
embargá-la por causa dos possíveis impactos em bens históricos da época da
fundação da capital baiana (século 16) e localizados nos arredores do edifício,
como a Igreja de Santo Antônio da Barra e o Forte de São Diogo.
Um deles seria a sombra nos cartões-postais. Os
prédios vizinhos têm, no máximo, dez andares.
Dono de um salão de beleza em frente à obra, Levi
Gonçalves diz que o edifício, caso seja erguido com 30 andares, conforme o
projeto original, será um "elefante branco" que mudará a geografia do
local.
"Aqui era uma das casas mais bonitas da Barra,
com uma história muito antiga, que simplesmente foi vendida e demolida para
construção desse elefante branco, que muda a cara da região", afirmou.
"Modificar a cidade apenas para ricos mostrarem que são ricos não ajuda em
nada."
Para o corretor de imóveis Denis Cerqueira, que
atua na região, a construção, se for erguida legalmente, pode ser "muito
boa" para o bairro. "Valoriza bastante um bairro que já é valorizado.
Você abre um leque para novos moradores e novos investidores."
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caption Obra foi embargada por ação judicial
Moradora do bairro há 20 anos, Sonia Ferrari acha
que o investimento não se justifica. "A Barra sempre foi meu lugar, mas a
Barra não é só dos moradores aqui. Isso aqui está cheio de gente todos os dias.
Esse bairro tem que ser conservado. A solução não é fácil, mas, na minha
opinião, o bairro não comporta essa obra."
Proprietário de uma unidade no La Vue, o urologista
Samuel Juncal disse considerar que Geddel agiu "de boa fé" no caso,
que se tornou um "tsunami" pela repercussão.
"Não tenho nada a ver com isso. Adquiri um
imóvel que aparentemente tinha todas as autorizações, mas agora está
embargado."
A seção baiana do Instituto dos Arquitetos do
Brasil (IAB) entrou com uma ação civil pública contra o Iphan e as construtoras
responsáveis após a liberação inicial da obra.
Manifestação
Para Solange Araújo, presidente do IAB-Bahia, a
construção é "uma falta de respeito à legislação urbanística de
Salvador". "Pode existir um edifício aí, mas ele tem que respeitar os
edifícios históricos que são importantes, preservar a memória da cidade",
opina.
Em nota, a construtora Cosbat e a Porto Ladeira da
Barra Empreendimentos, responsáveis pelo prédio, informaram que as obras e as
vendas estão temporariamente suspensas por determinação judicial, mas que toda
a documentação que autorizou a obra foi emitida pela prefeitura e pelo Iphan da
Bahia.
O atual superintendente do Iphan na Bahia, Bruno
Tavares, disse não ter relação com proprietários e construtores do prédio, e
atribuiu a polêmica a divergências dentro do próprio Iphan.
"A motivação para que tais divergências tenham
acontecido é decorrente de deficiências que a própria instituição possui,
principalmente em razão da inexistência de critérios claros de intervenção ou
normatização regulamentados para os bens tombados e suas respectivas áreas de
entorno, o que ocorre em grande parte dos centros urbanos protegidos pelo Iphan
no Brasil", afirmou.
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caption Manifestações também incluíram operários insatisfeitos com paralisação
da obra
Na última sexta-feira, cerca de 100 manifestantes
contrários à obra fizeram um ato em frente ao prédio em Salvador, que seguiu
até o prédio em que Geddel mora na capital baiana. Levando cartazes com
inscrições como "Calero me representa" e "Geddel tombou", o
grupo era formado grande parte por integrantes de sindicatos e partidos de
esquerda.
No começo da manifestação, um grupo favorável ao
empreendimento, que seria formado por funcionários da obra, levantou cartazes
com os dizeres "Queremos trabalhar" e "Liberem a obra". Em
carro de som, um deles dizia: "Não estamos aqui com interesse político. As
famílias da construção civil querem trabalhar".
O argumento econômico segue a linha do que vem
afirmando Geddel e líderes do PMDB. O presidente nacional do partido, senador
Romero Jucá (RR), disse neste sábado, por exemplo, que o ex-ministro estava
"defendendo a Bahia e Salvador" ao atuar pela liberação da obra.
Diante da intervenção dos funcionários,
manifestantes do lado oposto reagiram aos gritos de "Fora Temer" e
"Parem de enganar o povo". Apesar dos ânimos exaltados, o grupo
favorável a obra acabou deixando o local - mas a polêmica continua.
Image copyright La Vue Ladeira da
Barra Image caption Cada apartamento possui quatro suítes, quatro vagas de
garagem e área de 259 m²
Prédio
Situado em um terreno de 1.625 m², o projeto prevê
uma única torre de 30 andares (107 metros) com vista total para a Baía de Todos
os Santos. De acordo com o projeto original, são 24 apartamentos, um por andar,
distribuídos em 24 andares. A primeira unidade está situada apenas no sexto
pavimento.
Cada apartamento possui quatro suítes, quatro vagas
de garagem e área de 259 m². Já a cobertura chega a 450 m² ─ para efeitos de
comparação, um imóvel da faixa 1 do Minha Casa Minha Vida, do governo federal,
tem 41 m². O preços dos apartamentos variam de R$ 2,5 milhões a R$ 4,7 milhões.
Localizado na Avenida Sete de Setembro, o prédio
conta ainda com piscinas, espaço gourmet, brinquedoteca, salão de recepções,
sala de jogos e academia de ginástica com vista para o mar
Fonte:
BBC Brasil