Quanto mais antibiótico tomamos, mais resistentes as bactérias ficam
Todo ano, pelo menos 700 mil pessoas morrem de
infecções resistentes a medicamentos.
Não é à toa que a Organização Mundial da Saúde
(OMS) descreveu a resistência
aos antibióticos como uma das maiores ameaças globais do século 21.
Mas o que está sendo feito para tentar evitar o que
poderia ser chamado de "apocalipse dos antibióticos"?
Primeiramente, há uma tentativa de reduzir o uso
deste tipo de medicamento, uma vez que, quanto mais antibiótico tomamos, mais
resistentes as bactérias ficam.
O psicólogo Jason Doctor, da Universidade do Sul da
Califórnia, vem desenvolvendo experimentos para verificar se é possível fazer
com que os médicos receitem menos medicamentos.
Ele convenceu mais de 200 médicos a assinar uma
carta dirigida a seus pacientes, assumindo o compromisso de serem mais
rigorosos na hora de prescrever antibióticos. As cartas foram transformadas em
cartazes e coladas nas paredes de seus consultórios.
Os experimentos também adotaram um sistema de
classificação. Os médicos recebiam um e-mail mensal com informações sobre
quantos antibióticos estavam prescrevendo inadequadamente em comparação aos
seus colegas.
Foram criados ainda alertas nos computadores dos
médicos, levando-os a questionar se realmente precisavam prescrever os
antibióticos, e mostrando como poderiam lidar com pacientes insistentes que
exigiam a medicação.
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caption Nos Estados Unidos, experimento fez com que médicos receitassem menos
antibióticos
Quando todas essas abordagens diferentes foram
adotadas juntas, o número de prescrições de antibióticos foi reduzido
drasticamente.
Algumas dessas mudanças estão sendo implementadas
nos Estados Unidos e em outros países. Mas, mesmo que as pessoas façam uso de
antibióticos apenas quando estão precisando de fato, isso não resolveria o
problema. Os seres humanos são um grande mercado para antibióticos, mas há um
ainda maior.
Em 1950, foi descoberto que os antibióticos fazem
os animais crescerem mais rápido. Desde então, fazendeiros de todo o mundo têm
injetado o medicamento em seus animais, mesmo após estudos científicos
comprovarem que a resistência bacteriana poderia passar dos animais para os
seres humanos.
Um país, no entanto, mostrou que é possível
reverter esse cenário.
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caption Resistência bacteriana também é disseminada por meio da cadeia
alimentar
A Holanda tem mais animais por metro quadrado do
que qualquer outro país do planeta e, durante anos, esses animais foram
rotineiramente alimentados com antibióticos. A proibição de dar antibióticos
como promotores do crescimento aos animais surtia pouco efeito, uma vez que os
agricultores usavam a mesma quantidade e apenas os rotulavam de forma
diferente.
Mas, após uma série de danos à saúde, o governo
decidiu repreender os fazendeiros. Em 2009, os agricultores foram avisados que
teriam que reduzir em 20% a quantidade de antibióticos que davam aos seus
animais, num período de dois anos, e em 50%, num prazo de cinco anos.
O veterinário Dik Mevius, especialista em doenças
infecciosas, ajudou os agricultores a elaborar um plano para atingir essas
metas.
Eles criaram um banco de dados, revelando os
agricultores que mais transgrediam a regra, e impediram os fazendeiros de
comprarem antibióticos de diferentes veterinários. Se um veterinário ou
agricultor prescrevesse ou usasse antibiótico desnecessariamente, era multado
ou perdia a licença.
Então, os fazendeiros holandeses entraram no eixo e
pararam de usar tantos antibióticos. Para muitos deles, isso significou mudar a
maneira como criavam seus animais.
"Foi realmente uma revolução", disse
Mevius. "Nós reduzimos em 60% a quantidade de antibióticos usados em
apenas alguns anos", completou.
A maioria dos países está, no entanto, caminhando
na direção oposta. Estima-se que China, Brasil, Rússia, Índia e África do Sul
deverão dobrar seu uso de antibióticos até 2030, o que levará a resistência a se
espalhar. É por isso que cientistas de todo o mundo estão vasculhando oceanos,
florestas tropicais e desertos em busca de novas fontes de antibióticos.
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Será que a saliva do dragão de Komodo pode ajudar a desenvolver um novo tipo de
antibiótico?
Recentemente, pesquisadores foram ao Panamá e
colheram amostras da pele de uma preguiça de três dedos. Outros cientistas têm
procurado novos antibióticos na saliva de dragões de Komodo. Mas ainda é muito
cedo para dizer se esses experimentos serão bem sucedidos.
Comunicação entre bactérias
Há também aqueles que não estão procurando novos
antibióticos, mas estão lutando contra as bactérias. A microbiologista Kim
Hardie, da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, estuda a forma como as
bactérias se comunicam. Sim, as bactérias se comunicam.
Quando uma única bactéria chega aos seus pulmões,
ela se esconde do seu sistema imunológico e dos anticorpos que podem matá-la.
Ela não revela suas armas - suas toxinas -, mas fica ali, esperando.
"Uma vez que a bactéria percebe que é um bom
lugar para se multiplicar, então ela se comunica", explica a cientista.
As bactérias isoladas se relacionam umas com as
outras, até sentirem que estão em número suficiente. Em seguida, se armam e
atacam o sistema imunológico.
"Se você tem um único soldado contra um
castelo, não vai ameaçar o castelo", afirma Hardie.
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Investigar a comunicação entre bactérias pode ser outra forma de resolver o
problema
"Mas, se esperar que o resto do exército
chegue e mostre suas armas ao mesmo tempo, os soldados podem vencer o
castelo."
E se você puder impedir que as bactérias se
comuniquem, fazendo com que, embora você tenha bactérias nocivas em seus
pulmões, elas não consigam se relacionar umas com as outras e assim lançar um
ataque?
Hardie afirma que isso pode ser feito e conta
alguns experimentos em laboratório tiveram bons resultados. A pesquisadora
estima que um antibiótico baseado neste princípio poderia chegar ao mercado em
cerca de dez anos.
Há muitos outros experimentos e projetos em
andamento. O sucesso vai depender, em grande parte, de aprendermos mais sobre
as bactérias.
Como ensina o livro A Arte da Guerra, de Sun
Tzu, é preciso conhecer o inimigo para vencer a batalha. Como podemos evitar o
apocalipse de antibióticos? Aprendendo a enganar as bactérias.
Fonte:
BBC Brasil