EX MINISTRO SERGIO MORO Getty Images
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DIAS APÓS AVISAR que havia aceito convite do então presidente eleito Jair
Bolsonaro para ser ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro
anunciou hoje que está pulando fora do barco do governo.
Como
sempre foi seu hábito, Moro não permitiu que jornalistas o confrontassem com
perguntas embaraçosas. Em vez disso, fez um pronunciamento de quase 50 minutos
em que, retomando a voz pausada e humilde das aparições públicas dos tempos de
juiz federal, tentou vender uma espécie de Sergio Moro 3.0, mirando uma óbvia
candidatura presidencial em 2022.
O
Sergio Moro 3.0 apresentou seu antecessor, o ministro da Justiça, como um
defensor da lei e da independência de órgãos como a Polícia Federal – a
disputa pelo controle da instituição foi o motivo do pedido de demissão que
disse que apresentará ainda nesta sexta-feira a Bolsonaro. Todas as três versões
teriam em comum, na visão do agora presidenciável, “o respeito à lei, ao estado
de direito, à impessoalidade”.
Simplesmente
não é verdade. O Moro 1.0 sugeriu ao Ministério Público Federal uma nota à
imprensa rebatendo o “showzinho” da defesa após um depoimento do então réu
Luiz Inácio Lula da Silva num processo que cabia ao juiz federal julgar com
isenção.
Já
o Moro 2.0 foi um cão de guarda de Bolsonaro de fazer inveja ao filho 02, o
vereador Carlos. Em fevereiro, quando veio à tona que o ministro da Justiça
havia pedido a abertura de um inquérito por crime contra a honra do chefe,
supostamente cometido num cartaz dum festival de punk rock, usei a Lei de
Acesso à Informação para ver quantos pedidos desse tipo haviam sido feitos nos
últimos 25 anos.
Os
dados, enviados pela própria pasta comandada por Moro, indicam que o agora
ex-ministro pediu 12 investigações do tipo em seus 16 meses incompletos no
governo. É mais do que todas as investigações sobre crimes a honra pedidas
pelos ministros da Justiça que serviram a Michel Temer, Dilma Rousseff, Luiz
Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso somadas.
Eis
os números exatos:
Em
português claro, Moro viu mais crimes contra a honra de Bolsonaro em 15 meses
do que uma penca de seus antecessores enxergaram nos 24 anos anteriores contra
quatro ex-presidentes.
Moro
mandou que a PF, que ele defende que seja técnica e
autônoma, investigasse não apenas uns adolescentes punks paraenses, mas
também Lula, um político, por críticas ao chefe Bolsonaro. Sabemos desses
dois casos porque vieram à tona. Os alvos dos demais ainda são desconhecidos,
pois o conteúdo das investigações é sigiloso.
Não
se viu em Moro a mesma firmeza ao tratar de casos embaraçosos para a família
presidencial.
Ou
Moro entendeu mal a noção de lealdade que devia ao chefe, ou não é um
democrata. Dilma Rousseff foi difamada em adesivos repugnantes colados sobre o
tanque de gasolina de carros no auge de sua impopularidade. Temer foi chamado
de vampiro durante toda a carreira política. Lula, acusado de ter amputado o
próprio dedo de propósito para não mais precisar trabalhar e de beber demais.
Fernando Henrique era xingado quase que diariamente de fascista em protestos de
gente inflamada – e, hoje percebemos, também mal informada sobre o
real significado do termo. Não consta que nenhuma dessas agressões tenha gerado
inquéritos por “crime contra a honra”.
Não
se viu em Moro a mesma firmeza ao tratar de casos embaraçosos para a família
presidencial. Ele deixou de fora da lista de criminosos mais procurados do
país o miliciano Adriano da Nóbrega,
amigo dos Bolsonaro, envolvido nas rachadinhas de Flavio, o filho 01, e possivelmente envolvido no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Nóbrega
foi executado em seguida pela polícia baiana, levando ao túmulo seus segredos
sobre a família Bolsonaro. Moro nunca comentou o caso.
Moro
também mandou que sua Polícia Federal investigasse o porteiro do
condomínio em que vivem Jair e Carlos Bolsonaro por ter dito a autoridades
cariocas que Élcio Queiroz, motorista do carro usado para matar Marielle e
Anderson, foi a casa do presidente no dia do crime. A investigação determinada
pelo então ministro teve como alvo exclusivo o porteiro, e não todo o caso, que
permanece nebuloso até hoje. Moro agiu para preservar o chefe.
Hoje,
em seu depoimento de despedida, Moro falou que Bolsonaro queria no comando da
PF alguém a quem “pudesse ligar, colher
informações, relatórios de inteligência”. “E realmente não é o papel da
Polícia Federal prestar esse tipo de informações”, asseverou, com ares de Rui
Barbosa.
Também
não é papel dela perseguir críticos do presidente da República. Nem é papel de
um juiz federal, como ele já foi, coordenar o trabalho dos acusadores ou
oferecer informalmente aos procuradores provas contra um réu. Moro fez e mandou
fazer tudo isso.
O
seu desembarque do bolsonarismo, enfraquece ainda mais o governo. Moro foi
durante 16 meses o fiador de um presidente que flerta abertamente com um
autogolpe.
A
advogada Rosângela Wolff Moro, a quem o agora ex-ministro confiou o papel de
porta-voz deste os tempos da magistratura, certa vez disse ver o marido e
Bolsonaro como uma coisa só. A história dificilmente deixará de fazer o mesmo.
Fonte: Rafael Moro
Martins/TI Brasil