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Como
os líderes religiosos estão avaliando esse momento de pandemia? Ouvimos sete
deles, que falam que essa época ensina a valorizar o que há de mais
imprescindível: o amor e a solidariedade. Abaixo, estão depoimentos de Dom
Odilo Scherer, do rabino Michel Schlesinger e do lama Segyu Choepel Rinpoche,
entre outros.
1. Dom Odilo Pedro
Scherer, cardeal-Arcebispo de São Paulo
‘A pandemia nos dá a ocasião de revermos prioridades’
“As reflexões feitas em nome da Igreja
Católica são numerosas e aquelas do papa Francisco são as mais expressivas e
representativas. Ele fala pela Igreja Católica como um todo.
Pessoalmente,
vivo como a maioria das pessoas a apreensão diante dos riscos de contágio com o
vírus e me preocupo com a saúde de todo o povo. Faço votos e rezo para que os
pesquisadores e cientistas encontrem o quanto antes uma vacina para a prevenção
contra o vírus e uma medicação eficaz para combater os efeitos dessa virose.
Enquanto isso não acontece, uno minha voz à das autoridades sanitárias que
recomendam medidas e comportamentos que ajudem a evitar o contágio.
Em
relação às ações da própria Igreja, nós suspendemos temporariamente as
celebrações da liturgia católica e outros encontros e reuniões das nossas
comunidades e paróquias, para evitar aglomerações e o risco do contágio.
Mantemos uma rede de organizações de ajuda solidária às pessoas doentes ou necessitadas
de alimento e outras ajudas, como aos pobres, de maneira geral.
Nossa
preocupação também é alimentar a fé religiosa das pessoas, pois ela tem grande
importância nessas horas difíceis. Quando experimentamos e reconhecemos nosso
limite, nós damos espaço para que Deus possa agir em nós e através de nós. A fé
religiosa não é mera resignação diante dos fatos e situações, mas uma luz que
dá um sentido mais profundo às realidades que vivemos.
A
pandemia do coronavírus nos traz muitos questionamentos. Antes de tudo, devemos
reconhecer que, apesar de todos os recursos de segurança pessoal e coletiva que
possamos ter (dinheiro, poder, boa organização econômica e social), continuamos
frágeis e expostos a riscos imprevisíveis e, aparentemente, insignificantes,
como no caso de um vírus. Isso nos deve levar a ser humildes e a renunciar a
qualquer delírio de onipotência ou superioridade.
Penso
que a pandemia nos dá a ocasião de revermos valores e prioridades na vida e
nossas atitudes diante desses valores e prioridades. A vida e a saúde, a
família, cada pessoa e a companhia das pessoas, a sensibilidade diante do
sofrimento alheio e a solidariedade, o afeto, o amor gratuito e a ternura, a
natureza, nossa ‘casa comum’, a arte e a cultura, como construção de nosso convívio…
Todos esses valores ajudam a expressar o melhor que trazemos dentro de nós:
nossa humanidade.
Imagem Gaspar Moura
Por
outro lado, a pandemia nos obriga a rever os modos de vida muito acelerados que
levamos, arrastados por uma economia que visa ao acúmulo mais que à satisfação
das necessidades básicas. A pandemia oferece uma boa ocasião para refletirmos
juntos sobre questões cruciais que movem imensas somas de dinheiro e, ao mesmo
tempo, causam imensos sofrimentos pelo mundo: as guerras, as ideologias que
semeiam o ódio e a divisão, o consumo desenfreado e o acúmulo de riquezas, que
colocam em risco até mesmo a sustentabilidade da vida no nosso planeta. Existe
algo de muito errado em tudo isso!
Em
vez de investir em armamentos, bens supérfluos e consumo de vaidades, por que
não investir mais em saúde, educação, moradia, saneamento básico e bem-estar
essencial para todos? Por que não sentar em torno de uma mesa e tomar decisões
eficazes para erradicar doenças endêmicas, miséria e fome, que ainda existem e
matam milhões de pessoas no mundo a cada ano? Por que duvidar em fazer isso,
quando existem os recursos para fazê-lo?
Como
vamos sair dessa pandemia? Antes de tudo, espero sairmos vivos e com muitas
lições aprendidas. E que essas lições não sejam logo esquecidas. Sinceramente,
espero sairmos mais solidários e atenciosos uns com os outros; mais humildes e
gratos por tantos bens da natureza e da cultura, que temos à nossa disposição.
E que também saiamos com a fé religiosa reencontrada, ou renovada.”
2. Roberto
Watanabe, presidente da Federação Espírita do Estado de SP
‘Que possamos refletir sobre o que nos traz paz’
“Periodicamente
a Terra vivencia grandes desafios, sejam os provocados pelo homem ou aqueles
que independem de nossa vontade, como as epidemias e os flagelos naturais. E
que sem dúvida trazem muita dor. Pandemias como esta, deste momento, revelam a
fragilidade do homem diante da própria natureza, servem de doloroso auxílio
para o despertar consciencial e o consequente exercício da solidariedade, da
oração, da busca de Deus e da revisão de nossa escala de valores.
Diante
da nossa impotência, temporária, no controle e combate deste vírus, façamos o
possível para ser úteis na construção de uma atmosfera psíquica mais saudável
no planeta, utilizando os recursos poderosos da prece, que nos coloca em
sintonia com Deus e nos proporciona sustentação, coragem e esperança, orarmos
pelos nossos irmãos que partem para a Pátria Espiritual e seus familiares,
pelas equipes médicas e pesquisadores que se empenham na busca de soluções para
este inimigo invisível, valorizarmos a convivência fraterna dentro do lar, o
exercício dos bons pensamentos, da confiança de que tudo está sob absoluto
controle de Deus e das Leis Divinas e da certeza de dias melhores, que sempre
chegam.
Que
saibamos aproveitar o momento para rever nossos conceitos sobre a vida, sobre
as pessoas, auxiliar nossos irmãos em necessidade, dentro de nossas
possibilidades, respeitando as orientações da ciência e das autoridades
sanitárias, ter contato com bons livros e atividades que nos estimulem na
elevação de nossos pensamentos, enfim, refletir sobre aquilo que realmente é
perene e que nos traz a tão almejada paz.”
3. Michel
Schlesinger, rabino da Congregação Israelita Paulista e representante da
Confederação Israelita do Brasil para o diálogo inter-religioso
‘Único caminho para superar essa crise é darmos as mãos
uns aos outros’
“Vivemos
um momento de inflexão, muito especial, repleto de desafios e com oportunidades
proporcionais a esses desafios. Minha esperança como religioso é que possamos
identificar as oportunidades que existem em meio a esses desafios e nos
fortalecermos como indivíduo e como sociedade. Se existe uma coisa que o
coronavírus ensinou de forma inequívoca é que estamos todos no mesmo barco. O
coronavírus não escolheu nacionalidade, idioma, religião, cor de pele,
preferência sexual. O coronavírus ameaça a todos da mesma forma. Isso significa
que a solução também deverá ser coletiva e a partir da cooperação entre todos.
Não existe outro caminho para superar essa crise que não seja darmos as mãos
uns aos outros e fazermos juntos essa travessia.
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Falo
de travessia porque estamos justamente na festa da nossa travessia do Mar
Vermelho, o Pessach, quando os judeus lembram o momento de terem saído do Egito
e da escravidão, atravessado o Mar Vermelho e conquistado a liberdade. Penso
que essa liberdade ainda não é absoluta. A liberdade absoluta só vai acontecer
quando ela for para todo mundo, universal, para todos os homens e mulheres.
Os
que se sentem mais livres estão equivocados. Eles precisam olhar para trás e
ver que a travessia ainda não foi realizada por todos e estender a mão para que
todos possam fazer essa travessia. E o coronavírus acentua esse sentimento de
que estamos todos no mesmo barco, de que somos afetados da mesma forma e que,
portanto, temos de buscar coletivamente uma solução.
Se
apenas esse aprendizado for conquistado, já vejo uma enorme evolução. Quando
olho por uma perspectiva histórica mais recente, depois da Segunda Guerra
Mundial, quando seis milhões de judeus e tantos outros milhões de não judeus
foram assassinados, o mundo parecia ter aprendido alguma lição. Foi criada a
Organização das Nações Unidas, foi feita a Declaração Universal dos Direitos do
Homem.
Havia
um sentimento de que nossos destinos estão interligados e que nós temos de
cooperar e trabalhar em conjunto. Nos últimos anos, eu identifico um retrocesso
nesse processo. Voltou a existir no mundo um discurso ultranacionalista e
xenófobo, e o coronavírus é a oportunidade de interrompermos esse processo e
voltarmos a entender o quanto somos parte da mesma raça, que é a raça humana,
antes de qualquer coisa – antes de religião, de nacionalidade -, e como humanos
temos de defender uns aos outros, respeitar uns aos outros, e temos de ver na
nossa diversidade a oportunidade de aprendizado e crescimento.”
4. Pastor Marcos
Botelho, da Igreja Presbiteriana Comunidade da Vila
‘Aproveite o momento para olhar para onde estamos
caminhando’
“A
pandemia é um tempo para a humanidade dar dois passos para trás e repensar
atitudes em relação ao consumismo desenfreado, à religião e à família. É uma
oportunidade para olharmos para a sociedade doentia em que vivemos e para onde
estamos caminhando. Também para os pais e as mães darem mais atenção aos filhos
e para os cônjuges estarem mais juntos.
Do
ponto de vista bíblico, Deus não perde o controle de nada. Mas isso não quer
dizer que Ele mandou fazer a pandemia. É uma consequência do que a gente está fazendo
na natureza nos últimos anos. As coisas erradas vão ter consequências, o que a
gente planta, a gente colhe. Porém, Deus ensinou os filhos a serem corajosos e
a enfrentarem as situações.
É
uma chance para agirmos de forma diferente, mas isso não significa que
realmente as pessoas vão mudar. Muitas vezes, os seres humanos não aprendem:
estamos vendo por aí lutas por máscaras e respiradores, que evidenciam o
egoísmo. Mas há sempre a opção também de agir pensando no próximo, com amor e
solidariedade.
É
um momento em que Deus nos colocou para pensar obrigatoriamente. É hora de
mudar. O que você quer da sua vida? É um xeque-mate.
Não
se isole. Fique em casa, mas não isole a alma. Aproveite o momento para olhar
para sua casa, para a família, para a sociedade e para onde estamos
encaminhando.”
5. Ali Zoghbi,
vice-presidente da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil
‘Essa doença uniformizou a diferença de classe: todos
estamos sofrendo’
“Neste
momento devemos agir para preservar a vida, porque ela é essencial e
prioritária. O Islã é uma religião que acredita e aceita a ciência, e sempre a
teve como um suporte e um sinal da misericórdia divina.
A
visão do Islã é de que Deus é onisciente: nenhuma folha cai de uma árvore sem a
ciência do Criador. Acreditamos no livre-arbítrio, e também que a sociedade
cria suas próprias armadilhas no decorrer da história. Como muçulmano, entendo
que nós somos responsáveis por esse tipo de epidemia que está nos assolando,
por conta da maneira como estamos lidando com o alimento, com o meio ambiente,
com uma série de fatores da nossa trajetória.
Entendemos
essa pandemia com súplicas de que esse momento, tão difícil e delicado, que tem
provocado mortes de seres humanos, possa ser um prenúncio de uma sociedade mais
adequada, mais harmoniosa e mais justa no futuro. A pandemia vem no sentido de
demonstrar que os caminhos que estão sendo adotados estão provocando sofrimento
e morte e, portanto, precisam ser revistos.
Em
tudo na história, quando estamos no meio do processo, não conseguimos fazer uma
avaliação precisa, nem do que está acontecendo nem do que está por vir. O tempo
vai mostrar para nós com mais clareza quais serão os resultados. Imagino que
nada será como antes. Teremos reflexões muito profundas em diversos setores,
desde o sistema econômico até o de relacionamento humano. Essa doença
praticamente uniformizou a diferença de classe: todos somos seres humanos que
estão sofrendo com a situação.
A
pandemia demonstrou o quanto somos insignificantes, é uma lição de humildade.
Existe uma arrogância do ser humano em entender que talvez ele poderia
suplantar as coisas da natureza e suplantar um pequeno vírus como esse. Mas
essa doença deixou os seres humanos de joelhos.”
6. Lama Segyu
Choepel Rinpoche, brasileiro, fundador da Fundação Juniper, centro de
meditação
localizado na Califórnia, nos Estados Unidos
‘Momento atual é uma tragédia e também uma chance para
transformação interior’
“O
mundo está passando por uma transformação e existe muita dor pela perda. É um
momento em que a morte está na nossa casa, está na nossa visão o tempo todo. É
uma tragédia, sim, mas também uma grande oportunidade para transformação
interior.
Um
dos ensinamentos do Budismo é que a morte é certa: todos nós vamos morrer, só
não sabemos quando. E a morte chega sem aviso. Muitas pessoas vivem como se
nunca pensassem que fossem morrer, e morrem como se nunca tivessem vivido.
Quando a morte chegar e eu tiver um minuto ou um segundo para fazer um panorama
da minha vida, como é que eu vivi? Como é que foi minha vivência? A vida em
certo ponto é respirar, comer, beber, defecar e urinar. Mas a vivência depende
da mente.
A
vida tem problemas, eles estão aí. Ela é como se fosse uma bolha d’água: a
morte chega sem aviso em uma situação como essa que estamos vivendo. Mas como
eu reajo a esses problemas? Como eu posso aproveitar esse momento para
fortalecer meu pensamento e para mudar os meus padrões internos negativos em
padrões que sejam de felicidade, alegria e bem-estar? É por isso que nesta hora
é preciso ter um sistema que me conduz a ter uma paz interior, uma serenidade
interior, uma harmonia interior. Isso vai ajudar nesses momentos difíceis.
É
como diz um provérbio budista: ‘A felicidade e o sofrimento dependem da nossa
mente e da nossa interpretação. Eles não vêm de fora, nem tampouco dos outros.
Toda felicidade e todo sofrimento são criados por nós mesmos, pela nossa
própria mente’. Já parou para pensar por que tanta gente tem ojeriza a barata?
Muitas pessoas dizem que é nojento, mas quantos animais são nojentos e a gente
gosta? Então de onde vem o nojento, da barata ou da cabeça? A barata pode
remeter a enfermidades por causa de onde ela anda, mas não é preciso ter pânico
dela. A barata não é o problema, o problema é meu estado mental: a barata
simplesmente é um gatilho para esse estado mental que eu tenho.
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A
pandemia nos alerta que precisamos trabalhar nossa mente para situações como
essa. Esse vírus não tem uma explicação, tudo acontece, as coisas estão aí. Tem
muita teoria em volta disso, mas é uma coisa que acontece no mundo como muitas
outras coisas já aconteceram. Perdemos muito tempo criando histórias. Não gosto
de dogmas. É um grande momento para a humanidade porque afetou a todos: não é
só um país, é o planeta Terra. O mundo todo está afetado e condicionado ao
tratamento dessa enfermidade. Se a humanidade encarar esses dois meses em casa
não como sacrifício mas como oportunidade de crescimento, acredito que muitas
pessoas vão mudar. Não sei se será uma medicina mental para todos, mas acredito
que muitas pessoas vão começar a ter uma visão melhor da própria vivência.
É
o momento ideal para essa transformação, porque as pessoas estão em reclusão,
não têm para onde ir, não há desculpas. Estou em casa há sete semanas aqui na
Califórnia, nos Estados Unidos. Para mim é normal ficar recluso, porque eu faço
muito retiro. Aqui está lindo, não tem barulho de carro, os passarinhos estão
falando melhor. Isso não é maravilhoso? A humanidade poderia aproveitar esse
tempo de silêncio não só como um silêncio externo, mas como um silêncio
interior. Desse silêncio interior você vai trazer mais amor, mais carinho, mais
tranquilidade e mais compaixão para você e para os outros.
Quatro
meditações são importantes para as pessoas aproveitarem neste momento: a de
acalmar a mente, a de pensamentos positivos, a de cura (fortalecimento do sistema imunológico), e a de compaixão (comigo e com
os demais). Toda as sextas-feiras, às 19 horas, estou tornando disponíveis
meditações online para os brasileiros, transmitindo também mensagens.”
7. Pai Guimarães de Ogum, diretor da
Associação Brasileira dos Templos de Umbanda e Candomblé (Abratu).
‘Espiritualmente,
é um momento de recolhimento para acolhimento’
“A humanidade sempre vai colher os
resultados das suas escolhas. Não tem sagrado e fé que mude aquilo que é uma
escolha da humanidade. A humanidade não respeita a natureza, não toma os
cuidados necessários e não respeita limites. As escolhas do homem fazem com que
de tempos em tempos vivenciemos essa realidade de tristeza e perda de vida.
Não há explicação teológica. É um
castigo, mas não é proveniente de Deus, é um castigo da própria conduta que o
homem escolheu. É até contraditório Deus, que me abençoa e quer o melhor para
mim, resolver castigar pessoas no planeta e punir a humanidade na figura de
pessoas inocentes.
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Que esse momento possa servir de
aprendizado, para que a gente aprenda a cuidar de si e do próximo. A pandemia
já está deixando uma mensagem: as pessoas estão ficando mais próximas da
família, estão sentindo falta umas das outras e sendo solidárias. Que possamos
manter tudo isso quando a doença acabar, e que não precisemos mais de uma
pandemia para ser solidário, ser amigo e se preocupar.
Talvez a humanidade aprenda a
valorizar coisas a que não está atenta mais. Talvez haja a reflexão de que
existe algo maior e mais valioso que o materialismo.
É uma situação oportuna para quem
está em família, para cada um dentro da sua fé fazer uma oração, para as
pessoas conversarem. Espiritualmente, é um momento de recolhimento para
acolhimento, para se aproximar dos parentes. Perdeu-se o costume do almoço em
família. As pessoas estão interiorizadas em seus mundos e em suas
interligações. Tem muito filho que não conhece a história do próprio pai.
Não podemos perder a crença de que o
ser humano quer evoluir. Precisamos dar um jeito de ficar em casa e cuidar da
família. Vamos nos amar. E para amar não precisa estar próximo, tem de
respeitar.”
Fonte: Estadão
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