Por:
Camilla Veras
Imagem BRUNO KELLY/REUTERS Mantido
o nível atual de isolamento social, volume total de infectados pela covid-19
pode passar de 3 milhões e o de mortos, de 393 mil, diz o estudo
No
ritmo atual de evolução da pandemia de covid-19 no Brasil, o volume de unidades
de terapia intensiva (UTIs) disponíveis no país não seria suficiente para
atender a demanda a partir da semana do dia 21 de abril.
Essa
é a projeção de um modelo matemático criado por um grupo de seis pesquisadores
das áreas de Física e Medicina ligados às universidades federais de Alagoas e
do Rio Grande do Norte, à Santa Casa de Maceió, ao Centro de Testagem e
Acolhimento de HIV/AIDS de Itaberaba (BA) e à Escola Superior de Ciências da
Saúde, em Brasília.
O estudo, publicado no dia 3 de abril, foi submetido
a publicação internacional e é preliminar, ou seja, ainda não foi avaliado por
pares — mas mostrou aderência aos dados reais pelo menos até o último dia 15 de
abril: a evolução do números de mortos divulgados pelo Ministério da Saúde (um
indicador com menor subnotificação do que o volume total de casos e, por isso,
mais confiável) tem sido consistente com as previsões apontadas pela equipe e
usadas como base para o cálculo da utilização dos leitos de UTI nos hospitais.
Imagem DIVULGAÇÃO Gráfico
elaborado pelo físico Askery Canabarro mostra evolução dos dados reais e do
modelo até 15 de abril
O
trabalho leva em consideração ainda as medidas de distanciamento social
atualmente vigentes — a chamada "quarentena voluntária" —, seu
impacto na redução da transmissão da doença e o percentual médio de infectados
que precisam ser internados nas unidades de terapia intensiva por apresentarem
quadros mais graves de infecção nos pulmões.
País
ainda não tem dados nacionais sobre ocupação de UTIs
Na
última terça-feira (14/04), o Ministério da Saúde informou que estabelecimentos
de saúde públicos e privados nos 26 Estados e Distrito Federal passariam a ter
de registrar em um sistema unificado as internações hospitalares dos casos
suspeitos e confirmados de coronavírus.
O
"censo hospitalar", segundo a pasta, servirá para avaliar o consumo
dos leitos da rede assistencial e a média de permanência dos usuários. O
primeiro balanço deve sair na próxima semana.
Até
então, o país não tem um dado nacional consolidado sobre a utilização dos
leitos de UTI. Os números têm sido divulgados de forma desordenada pelos
Estados — alguns com atualizações diárias e outros com notificações esporádicas
e incompletas sobre as taxas de ocupação.
Em
São Paulo, que concentra o maior número de mortos e infectados, o primeiro
hospital atingiu nesta quarta (15/04) 100% de ocupação de leitos de UTI, o
Instituto de Infectologia Emilio Ribas, como informou o secretário estadual da
Saúde, José Henrique Germann, em coletiva de imprensa.
Os
dados da plataforma da secretaria abastecidos pelos hospitais no Estado não
estão disponíveis para consulta. No último dia 14, contudo, a pasta informou
que quatro hospitais tinham mais de 70% da capacidade utilizada: Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (77%), Hospital Municipal do Tatuapé
(77%), Conjunto Hospitalar do Mandaqui (76%) e Santa Casa de São Paulo (71%).
Imagem OSCAR DEL POZO/AFP Disponibilidade de UTIs tem sido
gargalo em diversos países afetados pela covid-19
Como os dados nacionais sobre o uso de leitos de
UTI ainda não estão disponíveis, o grupo de pesquisadores utilizou como
parâmetro inicial uma pesquisa da
Agência Nacional de Saúde Suplementar de 2013 com o grau de utilização médio
desses leitos no país e, em paralelo, os dados disponíveis no Datasus com
a capacidade instalada na rede pública e privada no país.
São
cerca de 60 mil leitos — esse total contabiliza, entretanto, unidades que não
estão disponíveis para tratamento de covid-19, como UTIs neonatal, o que foi
levado em conta pelos pesquisadores.
A
partir das premissas, o modelo aponta uma saturação do sistema por volta do dia
21 de abril. O físico Askery Canabarro, um dos autores do estudo, ressalta que
o resultado reflete um dado consolidado para o país e não quer dizer, por isso,
que todas as UTIs estarão ocupadas necessariamente nesta data.
De
um lado, a distribuição dos leitos pelo território nacional é desigual — 26% do
total, ou 15,7 mil, estão em São Paulo. De outro, a evolução da doença tem
afetado algumas áreas mais do que outras.
"Há
Estados mais ou menos vulneráveis", ele destaca.
A intenção dos pesquisadores era avaliar se as
medidas tomadas até o momento para tentar evitar o colapso do sistema de saúde
eram suficientes, à semelhança do que fizeram pesquisadores do Imperial College
London, que apresentaram em meados de março um modelo
matemático que levou o Reino Unido a mudar sua estratégia contra a pandemia.
"A
gente já fez muito, mas infelizmente precisamos fazer mais", avalia
Canabarro, que acaba de concluir o pós-doutorado em Física.
O
Amazonas, que assistiu a um aumento vertiginoso no número de mortes pela doença
na última semana, é hoje o ente da federação em que o sistema de saúde está
mais próximo da falência. O prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB),
chegou a afirmar na semana passada que a capital não tinha mais como atender a
demanda.
O
Estado registra o maior coeficiente de incidência de covid-19 por habitante,
seguido por Amapá, Distrito Federal, São Paulo, Ceará e Rio de Janeiro. Nos
seis, o indicador está pelo menos 50% acima da média nacional — parâmetro
utilizado pelo Ministério da Saúde para classificar a situação como estado de
emergência.
Imagem SILVIO
AVILA/AFP Estima-se que entre 5% e 15% dos infectados evoluam para casos
mais graves - desse total, uma parcela precisa de internação em UTIs
Mais
de 3 milhões de infectados
As
projeções do modelo desenvolvido pelo grupo de pesquisadores apontam para um
número total de infectados de 3,15 milhões, com 393 mil mortos em um período
que não está predeterminado, mas que, segundo o pesquisador, se concentraria em
alguns meses.
Ele ressalta, entretanto, que esse é o cenário de
"inércia", caso as medidas atuais não sejam endurecidas — e que leva
em conta dados compilados pelo Google sobre o deslocamento
das pessoas em diferentes cidades, apontando uma taxa de isolamento média de
50%.
Canabarro
acredita, entretanto, que o Brasil pode repetir a trajetória de outros países:
à medida que o volume de mortos crescer, as regiões mais afetadas farão
quarentenas mais restritivas, que diminuirão a incidência da doença e, por
consequência, o número de mortos.
Os
pesquisadores também fizeram projeções para cenários alternativos para avaliar
a efetividade das medidas tomadas até agora. Caso não houvesse qualquer tipo de
restrição de deslocamento, por exemplo, o número total de infectados seria de
30,47 milhões, com 1,45 milhão de mortos.
Em
um cenário de isolamento vertical como aquele defendido pelo presidente Jair
Bolsonaro, com distanciamento social apenas daqueles com mais de 60 anos,
seriam cerca de 26 milhões de infectados e 723 mil mortos.
Fonte
: BBC Brasil