Por:
Vitor Tavares
Imagem FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL O Enem foi
mantido para novembro, mesmo diante da crise do coronavírus
Filha de agricultores, a estudante
Érica Senna, de 18 anos, sonha em ser economista.
Foi por pouco que ela não conseguiu
entrar no curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal Rural de
Pernambuco (UFRPE), no ano passado.
Para 2020, a jovem pernambucana já
tinha tudo planejado: aulas em cursinhos preparatórios e horas diárias de
estudo em casa.
"Comecei o ano achando que esse
era o meu ano. Mas aí, infelizmente, veio o coronavírus e atrapalhou
tudo".
No sítio onde Érica mora com os pais,
na zona rural de Vitória de Santo Antão (PE), a internet praticamente não
chega. Não há estrutura para a instalação de redes de banda larga e a internet
móvel é instável.
Durante a semana, ela ia, quando
achava carona, ao centro da cidade, a mais de 10 quilômetros de distância, onde
podia ter aulas presenciais, tirar dúvidas e usar a internet. Mas agora, por
causa das restrições impostas pelo coronavírus, ela não vai mais às aulas e nem
consegue acompanhar o conteúdo ensinado via videoaulas, disponibilizadas pelos
cursos.
Érica tem de se virar com livros e
apostilas que tem em casa.
Com o Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem) mantido para os dias 1 e 8 de novembro, estudantes estão preocupados em
como se manter produtivos e preparados paras provas, sem contar com aulas
presenciais.
Dados
de 2018 divulgados pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) apontam
que 33% dos lares brasileiros não tinham
acesso à internet.
Muitos estudantes, como Érica, temem
que a falta de estrutura em suas casas e de material de qualidade possam
atrapalhar nos resultados do fim do ano, devido ao "tempo perdido".
Em nota, o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela
aplicação do Enem, afirmou que "está buscando garantir a execução adequada
[do Enem], não apenas para cumprir com seu dever institucional, mas,
principalmente, para não prejudicar mais ainda a sociedade brasileira".
O instituto informou ainda que cada
sugestão de instituições e associações "será avaliada e discutida, sempre
buscando o que seja melhor para a educação brasileira".
Imagem ARQUIVO PESSOAL A estudante Érica Senna, de 18
anos, não tem internet em casa no sítio onde vive, no interior de Pernambuco
'Processo
desigual'
Oficialmente, o estudante Vinicius
Pereira, de 18 anos, está de férias da escola estadual que frequenta em
Ribeirão Preto (SP) desde o início do isolamento social imposto pelo novo
coronavírus. Porém, o tempo de "recesso" não o impede de seguir
angustiado com as provas do fim do ano.
"A gente sente que está saindo
com um passo atrás, porque os alunos de escolas particulares já têm plataformas
de estudos mesmo antes da crise. Para a gente, vai ser tudo muito novo, não
sabemos como vai funcionar, se todos terão acesso", conta.
As aulas na rede estadual de São
Paulo estão suspensas desde o dia 23 de março. A partir de 22 de abril, com a
volta, o governo paulista vai disponibilizar aulas ao vivo ministradas pelos
professores da rede, acessadas via aplicativo e pela TV. Professores e alunos
poderão acessar o conteúdo sem custo de internet, devido a uma parceria com as
operadoras.
Mesmo com as alternativas oferecidas
por alguns Estados, profissionais que têm contato com esses estudantes relatam
o medo pela "concorrência desleal". Fundador do projeto Salvaguarda,
que atua no suporte a estudantes de mais de 40 escolas da rede estadual do Rio
e São Paulo, Vinícius de Andrade acredita que, sem adiar datas, o processo se
torna ainda mais desigual.
"Essa transição para o ensino à
distância é mais fácil nas escolas particulares. Para as públicas, o cenário é
mais caótico", opina.
Para quem não encontra condições
ideais em casa, o cenário fica ainda mais difícil.
Diferentemente de muitos colegas, a
estudante Thaís Reis, de 18 anos, não tem acesso à internet em casa, em Confins
(MG), na Grande Belo Horizonte.
A conexão foi cortada há 6 meses,
após o pai caminhoneiro não ter mais condições de bancar o contrato. Thaís quer
ser fisioterapeuta e diz que estava levando o ano "a sério".
"A gente fica em desvantagem
agora, sem recursos para poder se preparar", conta.
Para não ficar parada, Thaís segue
estudando com apostilas distribuídas na escola. Uma vez por semana, a jovem
mineira vai até a casa da avó, no centro de Confins, onde consegue ter acesso
ao wi-fi, para baixar conteúdo.
Dicas de quem já estudou em casa
Dicas de quem já estudou em casa
Imagem ARQUIVO PESSOAL Sem estrutura em casa, Thaís
(direita) vê desvantagem para a preparação para o Enem. Nayara (esquerda) passou
no vestibular baixando conteúdo no celular.
Após terminar o ensino médio, em
2015, Nayara Régis passou dois anos sem estudar para cuidar da filha
recém-nascida.
Quando resolveu ir atrás de uma
universidade, dois anos depois, já não tinha mais estrutura da rede estadual de
ensino de Araguatins (TO) e precisou estudar em casa com os poucos recursos que
tinha.
"Nem internet em casa eu tinha,
só um celular. Quando eu estava em algum local que tinha internet, eu baixava
vários conteúdos em PDF e vídeos", relembra a jovem, hoje com 25 anos.
A determinação deu certo e ela foi
aprovada no curso de letras da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins).
Hoje aluna do quinto semestre, Nayara
aconselha os estudantes a aproveitarem todos os momentos com acesso a internet
e baixar "tudo que der", até a capacidade máxima do telefone.
Para a organização, a tocantinense
diz que é importante conhecer bem o edital do vestibular e fazer um cronograma
para estudar todos os assuntos.
Os
conselhos também são reforçados por Vinícius de Andrade. Com a pandemia do
coronavírus, ele criou uma "força-tarefa" para apoiar alunos e
ex-alunos da rede pública, com monitoria nas disciplinas, aulas de redação,
planos de estudo e escolha profissional, tudo via grupos de WhatsApp. O contato
é pelo telefone 16-99390-7355 ou pela página no Facebook do projeto
Salvaguarda.
Morador da periferia de Ribeirão
Preto, Andrade estudou dois anos em casa até conseguir uma vaga no curso de
Economia Empresarial na USP, em 2015. Na época, também não tinha internet em
casa e dependia das redes dos vizinhos que conseguia na rua.
Andrade apresenta algumas soluções na
hora de buscar conteúdo na web. "Tem que saber procurar", alerta
Entre os pontos, ele destaca: ficar
atento aos comentários positivos, número de visualizações e o tempo dos vídeos,
além de analisar outros conteúdos postados pelos canais.
Andrade também orienta conhecer bem o
edital e como funciona a prova. O treinamento com questões de provas anteriores
é fundamental. "Pra quem não tem internet, não é fácil. Mas aconselho
tirar prints e baixar provas antigas quando der. Anote todas as dúvidas em um
papel, para tirá-las depois, quando tudo voltar ao normal", diz.