Por:Fernando Duarte
Imagem GETTY IMAGES A crise gerada pela covid-19 aumentou
a tensão entre os EUA e a China
As relações entre
vários países foram prejudicadas com a pandemia de coronavírus. As tensões se concentram em questões como
a disponibilidade de medicamentos e equipamentos médicos, além de críticas
sobre como cada país tem combatido a propagação da doença.
Os atritos entre autoridades
brasileiras e a China foram notícia nas últimas semanas,
mas não são os únicos.
A Espanha, por exemplo, é um dos países mais
afetados pela pandemia de coronavírus
e precisa desesperadamente de equipamento médico, especialmente nas regiões
mais afetadas pelos casos mais graves da covid-19.
Porém, os esforços para obter suprimentos foram
dificultados por uma disputa com o governo turco, já que o embarque de centenas
de respiradores comprados por entidades de saúde de três regiões espanholas foi
retido pela Turquia, por onde o carregamento precisaria passar.
A mídia espanhola citou fontes locais que descrevem
as situações como "roubo". Depois de quase uma semana de idas e
vindas, o ministério das Relações Exteriores da Espanha conseguiu garantir o
embarque.
Mas o episódio é outro exemplo de como a covid-19
está alimentando tensões diplomáticas em todo o mundo.
Por que tantas
tensões estão surgindo?
Imagem GETTY IMAGES Os hospitais da Espanha ficaram
esperando por
respiradores confiscados temporariamente
pelas autoridades turcas
As brigas entre Estados Unidos e China também estão
no centro das atenções, especialmente com incidentes como a ameaça do
presidente dos EUA, Donald Trump, de
congelar fundos para a Organização Mundial da Saúde (OMS) sob o argumento de
que a instituição é "chinacêntrica".
Mas pontos de conflito surgiram em outros lugares.
E nem sempre envolvendo a China, que enfrenta acusações de subnotificação dos
números de infecções.
"Em teoria, deveríamos ter visto nações se
unindo em um momento em que todos estamos travando a mesma batalha", disse
Sophia Gaston, cientista política do Instituto de Questões Globais da London
School of Economics (Escola de Economia de Londres).
"Na prática, essa crise obrigou os países a se
fecharem, se preocuparem com seus próprios problemas, com mais concorrência do
que cooperação".
Um exemplo é uma disputa dentro das nações da União
Europeia (UE).
Imagem GETTY O
primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte, não ficou impressionado com a
resposta da UE aos problemas da Itália
Quando os casos de covid-19 dispararam na Itália, o
país pediu aos vizinhos assistência com equipamentos e suprimentos médicos.
Tanto a Alemanha quanto a França, no entanto, proíbem a exportação desses
produtos.
"Certamente, este não é um bom sinal de
solidariedade europeia", escreveu Maurizio Massari, embaixador da Itália
em Bruxelas, no site Politico.
Os italianos também não ficaram impressionados com
outro cabo de guerra com Berlim. A Alemanha é um dos países que se opõe a uma
proposta de uma espécie de "vaquinha" colaborativa entre os países da
União Europeia para ajudar os que estão mais afetados pela pandemia.
A diplomacia das
máscaras
Os Países Baixos, a Áustria e a Finlândia também se
opuseram publicamente ao plano, enquanto Espanha, França, Bélgica, Grécia,
Irlanda, Portugal, Eslovênia e Luxemburgo apoiaram a criação dessa espécie de
fundo coletivo. Isso mostrou ainda mais divisões dentro dos países da UE.
A Itália também é um estudo de caso sobre o que os especialistas
descrevem como a "diplomacia das máscaras" da China: depois de
controlar o coronavírus dentro de suas próprias fronteiras, Pequim inundou
vários países de vários continentes com todo tipo de ajuda para combater a
doença — entre os destinatários, a Rússia.
Roma recebeu doações de suprimentos médicos, kits
de testes e até uma força-tarefa de médicos chineses que foram considerados
heróis. De fato, a hashtag #grazieCina (obrigada China, em italiano) é uma
tendência nas mídias sociais italianas.
Gesu Antonio Baez, diretor executivo da Pax Tecum,
empresa de consultoria com sede em Londres, especializada em questões
diplomáticas e de desenvolvimento internacional, diz que o país está explorando
um vácuo deixado pelos Estados Unidos no cenário global — e que foi exacerbado
por Donald Trump com seu lema "América em Primeiro Lugar", com o qual
conquistou a presidência em 2016.
De qualquer forma, a
posição de Washington está longe de ser conciliatória: além das brigas com a
China, Trump deixou as autoridades alemãs enfurecidas quando tentou
garantir direitos exclusivos para uma vacina contra
a covid-19 desenvolvida por uma empresa médica alemã.
Imagem GETTY IMAGES A Índia recebeu críticas de Trump pela
decisão de proibir a exportação de um medicamento que está sendo testado para
covid-19
Mais recentemente, o presidente ameaçou a Índia de
retaliação por sua decisão de proibir a exportação do medicamento antimalária hidroxicloroquina,
que está sendo testado como tratamento para a covid-19, mas cuja eficácia ainda
não foi comprovada.
"Os EUA não atuaram (como potência
diplomática) durante esta crise e a China agora tem uma oportunidade de
preencher essa lacuna", explicou Baez.
A "diplomacia das máscaras" não é um
processo tranquilo, como o Brasil mostrou.
A percepção de que a China não conseguiu lidar com
o primeiro surto de covid-19 com rapidez suficiente também levou ao
ressentimento internacional, de acordo com Sophia Gaston.
Brigas entre o
Brasil e a China
Gaston citou relatórios das agências de inteligência
americanas que acusam a China de esconder as infecções e mortes no país.
Autoridades britânicas também questionaram os dados oficiais chineses.
"A China tem estado sob escrutínio ao mesmo
tempo em que iniciou esse enorme exercício de relações públicas. Haverá uma
reação enorme quanto mais soubermos sobre seus números", acrescentou
Gaston.
GETTY IMAGES As coisas têm sido muito menos
cordiais entre Brasil e China desde que os presidentes Xi Jinping e Bolsonaro
se conheceram em novembro
As relações entre o
Brasil e a China também sofreram, com vários aliados do presidente Jair
Bolsonaro entrando em brigas com a potência asiática através de postagens nas
redes sociais, em que tentavam emplacar o uso da expressão "vírus chinês".
No incidente mais recente, o ministro da Educação,
Abraham Weintraub, irritou as autoridades chinesas com um tweet em que escrevia
palavras errado que seus colegas asiáticos consideraram racista.
"Tais declarações são absurdas e desprezíveis
e têm forte tom racista", dizia um tweet da Embaixada da China em
Brasília.
A China é o maior parceiro comercial do Brasil —
compra 80% da soja do país, por exemplo — e as autoridades de saúde brasileiras
já estavam lutando para obter ventiladores e suprimentos de saúde da China
antes da intervenção do Weintraub.
Alimentando tensões
pré-existentes
"Este caso mostra por que a diplomacia é
necessária mais do que nunca", diz Gesu. "Os países precisam avaliar
a situação e lidar com o medo da forma adequada".
Mas o vírus também está derramando gasolina no fogo
de disputas pré-existentes. Entre elas a entre a Colômbia e a Venezuela.
As autoridades colombianas não reconhecem o regime
do presidente venezuelano Nicolas Maduro como legítimo, e os dois países
vizinhos estão em desacordo após uma forte movimentação de migrantes
venezuelanos na fronteira.
A briga mais recente ocorreu em 1º de abril e foi
motivada pela oferta de Maduro de duas máquinas de testes de covid-19 para o
presidente colombiano, Ivan Duque.
Nos dias anteriores, houve relatos da mídia de que
a única máquina de diagnóstico da Colômbia havia quebrado temporariamente.
A oferta foi recebida em silêncio pelo escritório
de Duque, para grande aborrecimento de autoridades da Venezuela, como a
vice-presidente Delcy Rodriguez.
Imagem HANDOUT Maduro ofereceu duas máquinas de teste de
covid-19 para o presidente colombiano, Ivan Duque
"O governo de Ivan Duque rejeitou as duas
máquinas doadas pelo presidente Maduro. É mais uma demonstração do desprezo de
Duque pela vida e saúde do povo colombiano", ela tuitou.
Em uma entrevista de rádio transmitida em 7 de
abril, Duque disse que as máquinas "não eram compatíveis com o tipo de
testes, o tipo de reagentes, nem o material usado na Colômbia".
No Oriente Médio, Catar e Egito discordaram sobre o
destino de cidadãos egípcios presos no Catar.
As autoridades do Catar, que estão lidando com o
maior número de casos registrados de covid-19 nos países do Golfo, disseram à
rede de televisão Al Jazeera que as autoridades egípcias se recusaram a aceitar
um vôo com trabalhadores migrantes fretado pelo emirado.
O Egito faz parte de um grupo de nações árabes que,
desde 2017, cortaram todos os laços diplomáticos com Doha por alegações de que
seu regime apoia grupos extremistas.
Imagem GETTY IMAGES O Catar tem o maior número de casos
registrados de covid-19 entre os países do Golfo
Mais razões para
discussões do que máscaras e bloqueios
Mas as tensões são causadas por mais do que
máscaras ou bloqueios.
Em 18 de março, vazou um relatório da União
Europeia acusando os meios de comunicação influenciados pela Rússia de espalhar
notícias falsas sobre a covid-19 no Ocidente. Um porta-voz do governo russo
chamou as acusações de "infundadas".
Se as divisões parecem aumentar, alguns
especialistas também identificam situações positivas em meio à pandemia.
Annalisa Prizzon, do instituto de pesquisas
Overseas Development, diz que a crise está oferecendo oportunidades para uma
maior cooperação.
"A crise está mostrando que os países
desenvolvidos nem sempre são os 'especialistas'", disse Prizzon.
Imagem GETTY IMAGES China doou suprimentos médicos para
países de todo o mundo
"A maneira como a China compartilhou
conhecimento com a Itália para mitigar o impacto do
surto é, novamente, um exemplo oportuno e visível".
Mas Sophia Gaston ainda acha que mais
cooperação é necessária.
"É uma oportunidade perdida,
especialmente para os países ocidentais em tempos de crescente populismo e
nacionalismo", diz. "Este deve ser um momento para demonstrar o poder
da cooperação".
"Em vez disso, muitas
estratégias estão piorando as relações entre os países", conclui.
Fonte:
BBC Brasil