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MARCELO CASAL/AGENCIA BRASIL A defesa do uso precoce da cloroquina e da
hidroxicloroquina por Bolsonaro contraria o protocolo atual do Ministério da
Saúde
O
Brasil submeterá quase 6.000 pessoas a estudos científicos com o objetivo de
determinar se a cloroquina é útil no combate à covid-19, doença causada pelo
novo coronavírus.
Até
o momento, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) autorizou 12
estudos com a substância em no país.
As
primeiras pesquisas com o remédio só trarão resultados no fim de maio, segundo
contaram à BBC News Brasil os cientistas responsáveis por alguns dos
experimentos. Em outros casos, os resultados não chegarão antes de dois ou três
meses.
Assim
como os demais estudos sobre o novo coronavírus no país, as pesquisas com a
cloroquina e a hidroxicloroquina se concentram no Estado de São Paulo, unidade
da federação com o maior número de pessoas afetadas pela doença até agora.
Desde
o começo da epidemia no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vem
defendendo o uso da substância no tratamento dos infectados pelo vírus
SARS-CoV-2. O presidente chegou a dizer que a substância estava sendo empregada
com sucesso "em tudo quanto é lugar". Mas ainda não há nenhum estudo
conclusivo sobre a eficácia do medicamento ao redor do mundo.
Em
seu último pronunciamento em rede nacional, no dia 8/4, Bolsonaro disse que
o medicamento podia ser usado "desde a fase inicial" da doença — o
mandatário mencionou o caso do médico cardiologista Roberto Kalil Filho, que
usou a droga em seu tratamento ao contrair o vírus.
"Há
pouco conversei com o doutor Roberto Kalil. Cumprimentei-o pela honestidade e
compromisso com o juramento de Hipócrates, ao assumir que não só usou a
hidroxicloroquina bem como a ministrou para dezenas de pacientes. Todos estão
salvos. Disse-me mais. Que mesmo não tendo finalizado o protocolo de testes,
ministrou o medicamento agora para não se arrepender no futuro", disse
Bolsonaro, na ocasião.
A
defesa do uso precoce da cloroquina e da hidroxicloroquina contraria o
protocolo atual do Ministério da Saúde, segundo o qual estas drogas devem ser
ministrada apenas a pacientes críticos. A divergência em relação à droga foi um
dos principais motivos para a queda do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta.
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REPRODUÇÃO/CONEP Até o momento, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
(Conep) autorizou 12 estudos com a substância cloroquina em todo o país
A
cloroquina é um medicamento utilizado no Brasil desde os anos 1950. É indicada
para o tratamento de várias doenças, como artrite reumatóide, lúpus e malária.
A hidroxicloroquina é a versão mais "moderna" da droga, com efeitos
colaterais mais leves.
Estas
drogas vêm sendo usadas de forma experimental no Brasil e em outros países,
apesar de não existirem testes clínicos suficientes para garantir que sejam
eficazes ou seguras no tratamento da Covid-19.
Os
efeitos colaterais podem incluir arritmia cardíaca e possíveis danos à visão e
à audição. Por isso, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) recomenda que
sejam usadas com muito cuidado, pois podem ser letais em algumas
circunstâncias.
Até
esta segunda-feira (20), o Brasil somava 40,5 mil casos confirmados de infecção
pelo novo coronavírus. A doença já tinha custado as vidas de 2.845 brasileiros,
segundo a contagem do Ministério da Saúde.
Quais
são as pesquisas com a cloroquina
Os
12 estudos já autorizados com a hidroxicloroquina e o difosfato de cloroquina
(nome técnico da versão mais antiga da droga) fazem parte de um conjunto maior
de pesquisas relacionadas ao novo coronavírus.
O último
boletim da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) menciona 112
estudos sobre o vírus aprovados até as 21h da última quinta-feira (16).
Destes,
24 são ensaios clínicos, que somam 12.508 pacientes. Além da cloroquina, também
há dois ensaios com a nitazoxanida (comercializada como o vermífugo Annita);
com corticoides, e até com a transfusão de plasma sanguíneo de pacientes
convalescentes da Covid-19.
Tanto
a cloroquina quanto a hidroxicloroquina estão sendo testadas. Há também testes
com a cloroquina associada à azitromicina, um antibiótico usado geralmente
contra infecções bacterianas. A maioria das pesquisas acontece em São Paulo,
mas há também estudos em curso em Manaus (AM) e em Fortaleza (CE).
Parte
dos estudos emprega técnicas como grupos de controle (quando uma parte dos
participantes recebe o medicamento e a outra, não); e randomização (quando os participantes
dos dois grupos são definidos de forma aleatória). Alguns outros não usam estas
técnicas — e são chamadas de estudos observacionais.
Imagem REUTERS Atendimento
de emergência em paciente com covid-19 em Porto Alegre; Fiocruz recomenda que
cloroquina seja usada com cautela, por causa dos efeitos colaterais
A
randomização e o uso de grupos de controle são alguns dos requisitos para
atestar a validade de uma droga no tratamento de uma doença.
Um
dos principais estudos em curso com a substância é o conduzido pelo Hospital
Alemão Oswaldo Cruz (HAOC), sediado em São Paulo (SP). Os primeiros pacientes
começaram a ser incluídos no estudo no fim da semana passada, de acordo com os
responsáveis. Ao todo, serão 1,300 pacientes de Covid-19, que não foram
hospitalizados.
"A
eficácia e segurança (de uma droga) só podem ser confirmadas se você faz o
estudo comparativo, o estudo clínico randomizado. Vários países estão conduzindo
(testes deste tipo)", diz à BBC News Brasil Álvaro Avezum, diretor do
Centro Internacional de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e um dos
responsáveis pelo estudo.
"Se
eu trato 100 pacientes com a hidroxicloroquina, mas não comparo com pacientes
que não foram tratados, não posso falar em eficácia e segurança. Quando eu pego
e trato um número de pacientes, posso descrever o que aconteceu, mas não posso
falar que tem eficácia. No nosso estudo, 650 vão tomar a hidroxicloroquina; e
650 não vão tomar."
"O
que vamos tentar demonstrar é se a hidroxicloroquina é útil e eficaz para
evitar que o paciente se hospitalize", afirma ele.
Embora
seja coordenado pelo HAOC, o estudo faz parte do esforço de uma coalizão de
oito instituições, que inclui os hospitais Sírio-Libanês, Albert Einstein,
Hospital do Coração (HCor), Beneficência Portuguesa, Hospital Moinhos de Vento
(de Porto Alegre), e outros.
O
HAOC convidou 100 hospitais, distribuídos por 50 cidades de 14 Estados
brasileiros, para incluir pacientes de Covid-19 no estudo. Os resultados devem
começar a chegar dentro de dois a três meses, segundo Avezum.
Além
da pesquisa coordenada pelo HAOC, hospitais da coalizão coordenam outros dois
estudos clínicos com a hidroxicloroquina. O mais adiantado deles é chefiado
pelo Hospital Albert Einstein e incluirá 400 participantes.
Um
segundo estudo será coordenado pelo Hospital Sírio-Libanês, com 630 pacientes.
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REUTERS "A eficácia e segurança (de uma droga) só podem ser confirmadas se
você faz o estudo comparativo, o estudo clínico randomizado"
Estes
dois últimos são apoiados pelo laboratório farmacêutico EMS — além dos
medicamentos, a empresa fez uma doação de R$ 1 milhão para apoiar os estudos,
segundo contou à BBC News Brasil o médico Roberto Amazonas, diretor
médico-científico do laboratório. A EMS é uma das empresas que produz a
cloroquina no Brasil.
Ao
contrário do estudo coordenado pelo HAOC, estes dois últimos são focados no
tratamento de pacientes da Covid-19 em estado grave. O mais adiantado deles
deve apresentar resultados já no fim de maio, segundo Roberto Amazonas.
A
indústria farmacêutica está financiando outros estudos relacionados à Covid-19:
o laboratório Aché está bancando estudos com corticoides, coordenados pelo
Hospital Albert Einstein.
Apesar
do grande número de pesquisas em curso, os próprios médicos que atuam nos
estudos ressaltam que é preciso cautela: não há garantias que um protocolo para
tratamento da doença estará disponível nas próximas semanas.
"Ciência
é uma coisa muito complexa. E ciência apressada por uma pandemia é ainda mais
imprevisível. O que a gente tem, não só no Brasil como no mundo inteiro, é
muita opinião. Muito achismo. E o achismo não funciona com pacientes", diz
o médico Luciano Cesar Azevedo, superintendente de ensino do Hospital
Sírio-Libanês.
"'Eu
acho que tal remédio funciona, porque eu dei para três pacientes e os três
melhoraram'. Como você pode ter certeza que foi o remédio que você deu que
causou a melhora? Eles podem ter melhorado porque a imensa maioria dos
pacientes com covid-19 melhora. Com remédio, sem remédio ou apesar do
remédio", diz ele.
Azevedo
coordenará um dos estudos da coalizão de hospitais, que investigará o uso do
corticoide dexametasona em pacientes da Covid-19.
Como
funciona a aprovação das pesquisas
Desde
o fim de janeiro, todos os projetos de pesquisa relacionados à covid-19 e que
envolvem pacientes humanos estão sendo analisados pela Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa, a Conep. A comissão é ligada ao Conselho Nacional de Saúde
(CNS), e é integrada por professores universitários e cientistas.
Desde
o início da pandemia, os integrantes da comissão têm se reunido de forma remota
todos os dias para analisar os projetos -- inclusive aos domingos e feriados,
segundo conta o coordenador do grupo, o médico Jorge Alves
Venâncio.
"O
foco da Conep é a proteção de quem participa das pesquisas. (...) Muito
frequentemente, quando uma pessoa é convidada a participar de uma pesquisa, ela
está numa situação muito fragilizada. Você imagina uma pessoa que acabou de
receber um diagnóstico de câncer e é convidada a participar de uma pesquisa: a
última coisa que ela vai se preocupar é se os direitos dela estão sendo
respeitados, tudo certinho", diz ele.
"Ela
está brigando pela vida. E é justamente por causa disso que no mundo inteiro
existem sistemas destinados a proteger quem está participando de
pesquisas", diz.
Quando
um projeto de pesquisa chega à comissão, é remetido a um grupo de cerca de 80
técnicos do Ministério da Saúde que analisam a proposta e preparam um parecer
preliminar.
O
texto é então enviado a um dos pouco mais de 50 cientistas que formam a
comissão — este prepara um relatório e submete a alguns de seus pares em um
pequeno grupo chamado "câmara". É a câmara que dá o veredito final
sobre o pedido de pesquisa.
Morte
de pacientes com alta dosagem
Um
dos estudos aprovados pela Conep com a cloroquina se encerrou com a morte de 11
pacientes em Manaus — o grupo estava tomando doses mais altas do antimalárico,
e faleceram até o sexto dia de tratamento com o remédio.
Segundo
Venâncio, a comissão não tinha como prever este resultado, e o projeto da
equipe de Manaus seguia os critérios técnicos adequados.
"Eles
interromperam foi um braço da pesquisa, não o estudo inteiro. O braço que foi
interrompido era o que tinha uma concentração maior (da droga). A cloroquina
sabidamente provoca arritmia cardíaca e uma série de outros problemas também",
disse.
"Essa
questão de pesar risco e benefício, que é a coisa básica nessa tarefa de
proteção aos participantes, muitas vezes é uma coisa delicada. Não é uma coisa
simples e matemática, porque você tem que procurar o máximo de benefício para
um dado risco. E tem uma zona cinzenta, na fronteira", comenta ele.
"Esse
braço que foi suspenso, a minha impressão é que caiu nessa zona cinzenta. E
eles fizeram a suspensão (do estudo) com rapidez. Nos comunicaram imediatamente
e tudo mais. E estão continuando a pesquisa só com o braço que envolve uma dose
menor", disse.
André
Shalders / BBC Brasil