quinta-feira, 26 de março de 2020

Preocupada com economia, Itália ignorou quarentena antes de se tornar epicentro do coronavírus .



Premier mudou estratégia quando mortes começaram a subir; só depois de duas semanas de confinamento o ritmo de crescimento de novos casos começou a diminuir
RIO — Há um mês, quando o país registrava 17 mortos, o governo italiano decidiu mudar a estratégia contra o novo coronavírus para proteger a economia. À época, o país contava com 650 infectados, a maioria nas regiões da Lombardia e Vêneto, motores econômicos da Itália, e o primeiro-ministro Giuseppe Conte contestou as normas locais de fechamento de escolas, o que, segundo ele, “contribuía para gerar o caos”.

Na Lombardia, os bares que haviam sido fechados por precaução foram reabertos dois dias depois. Quando as mortes começaram a subir exponencialmente, e Conte tentou reverter sua estratégia decretando quarentena obrigatória, já era tarde demais: na semana passada o país se tornou o epicentro da pandemia na Europa, e hoje conta com mais de 7.500 mortes, o dobro do registrado na China.
Apenas nos últimos três dias, depois de duas semanas da quarentena obrigatória iniciada em 9 de março, o número de novos casos da doença começou a crescer a um ritmo menor, abaixo de 10% de novos casos por dia. Isso acontece porque o novo coranavírus pode ficar incubado por 14 dias antes de se manifestar.
Nesta quarta-feira, o primeiro-ministro italiano pediu que todos os países sejam rigorosos na luta contra a Covid-19.
— Ninguém pode aceitar, muito menos a Itália que está fazendo grandes sacrifícios para combater o vírus, que outros países não entendam essa necessidade de máxima atenção preventiva — afirmou Conte, durante pronunciamento no Palácio do Montecitorio, sede da Câmara dos Deputados da Itália. — Agora é a hora da responsabilidade.
Por dentro de um hospital na Itália, país onde mortes por coronavírus passam de 6 mil.


Foto: ALBERTO PIZZOLI / AFP
Médicos em equipamentos de proteção cuidam dos pacientes na nova unidade de terapia intensiva Covid 3, para casos da Covid-19, no hospital Casal Palocco, perto de Roma, durante quarentena do país, num esforço para frear a propagação da pandemia.
A Itália, o país mais atingido pelo novo coronavírus, aumentou em 64% o número de leitos disponíveis nos serviços de terapia intensiva. Anúncio foi feito nesta terça-feira pelas autoridades do país.
Segundo a comissão de luta contra a Covid-19, "os leitos de terapia intensiva na Itália passaram de 5.343 para 8.370". Ao mesmo tempo, país confiscou quase 2 mil respiradores com destino à Grécia para os pacientes afetados pelo novo coronavírus.
Um cartaz colado no elevador sinaliza: "Pare! Zona vermelha, passagem de pacientes infectados", dentro da nova unidade de terapia intensiva Covid 3, no hospital Casal Palocco, perto de Roma.
 Itália é o país mais afetado do mundo pelo novo coronavírus, com 6 mil vítimas fatais.

Médicos cuidam de um paciente gravemente doentes pelo coronavírus no hospital Casal Palocco, perto de Roma, na Itália. País anunciou que aumentou em 64% o número de leitos disponíveis nos serviços de terapia intensiva.
                                                               Foto: ALBERTO PIZZOLI / AFP
Equipe médica analisa exames de um paciente internado na nova UTI Covid 3, no hospital Casal Palocco.
Analistas avaliam que, além do grande número de idosos, um dos aspectos que explica a rápida difusão do coronavírus no país, e que inevitavelmente contribuiu para o alto índice de mortes, é a dificuldade dos italianos de respeitar a quarentena, o que foi muito discutido nos últimos dias. Agora, para conter o avanço da doença, o governo de Conte vem usando métodos cada vez mais restritivos e autorizou, na segunda-feira, o uso de drones para monitorar os deslocamentos dos cidadãos em todo o território.

— Como se trata de um vírus muito contagioso, esse modo de vida se transforma em um problema. Muitos jovens estão infectados, não apresentam sintoma, pensam que estão bem e continuam a infectar outras pessoas, tornando-se um perigo para a faixa de risco. Por isso é importante respeitar a quarentena — afirmou o médico Antonio Montegrandi, especializado em doenças infectivas.

O prefeito de Bérgamo, cidade mais afetada pelo vírus, reconheceu nesta quarta-feira que o jogo entre Atalanta e Valência, pela Champions League, foi um dos principais focos de contágio. A partida aconteceu na cidade de Milão, também no Norte do país, por conta de exigências da Uefa.

'Io resto a casa'
— Naquela época, não sabíamos o que estava acontecendo. O primeiro paciente na Itália foi em 23 de fevereiro. Se o vírus já estava circulando, os 40 mil torcedores que foram ao estádio San Siro foram infectados. Muitos assistiram ao jogo em grupos e houve muitos contatos naquela noite. O vírus passou de um para o outro — disse Giorgio Gori.

O decreto da quarentena — intitulado “io resto a casa” (eu fico em casa) — começou a vigorar no dia 9 de março, suspendendo aulas, missas, funerais e competições esportivas, além de fechar comércios e estipular regras de circulação. Dois dias depois, o governo baixou novas regras, determinando o fechamento de bares e restaurantes. Agora estão abertos apenas serviços como supermercados, farmácias e tabacarias, que funcionam em horário restrito e com número limitado de clientes.
Também nesta quarta-feira, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, voltou a reforçar que os governos devem "pedir às pessoas que fiquem em casa".

— Pedir às pessoas que fiquem em casa e diminuir a movimentação da população é ganhar tempo, e reduzir a pressão sobre os sistemas de saúde. Sozinhas, essas medidas não vão extinguir epidemias. Pedimos que todos os países usem este tempo para atacar o vírus — acrescentou. —  Os países precisam expandir, treinar e mobilizar suas equipes de saúde pública, assim como implementar sistemas para encontrar todos os casos suspeitos e ampliar os testes.
Fonte: O Globo