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Pedro
Henrique relata que teve de responder sobre seu signo durante entrevista para
um estágio
O designer Pedro Henrique, de 23
anos, ficou surpreso com uma pergunta feita durante uma entrevista de estágio
em uma loja do Rio de Janeiro, há três anos.
"Fui entrevistado pelo próprio
dono. Ele me fez muitas perguntas profissionais, sobre minha experiência na
área e sobre a minha universidade. Mas depois ele começou a fazer perguntas
mais pessoais e quis saber qual era o meu signo", diz o jovem, que é de leão.
A pergunta astrológica durante uma
entrevista profissional causou ainda mais estranheza a Pedro horas depois,
quando ele relatou o fato para outras pessoas. "Um amigo me contou que uma
conhecida dele fez estágio nessa loja e disse que o dono perguntava sobre os
signos das pessoas porque ele não contratava ninguém de touro", diz Pedro
à BBC News Brasil.
Na internet há inúmeros relatos de
pessoas que afirmam terem sido perguntadas sobre signos durante entrevistas de
emprego. Elas não sabem a importância que os entrevistadores deram às
informações astrológicas para escolher quem chamariam para a vaga disponível.
Porém, acreditam que o signo possa ter sido levado em consideração.
O fato causa indignação em
especialistas em Recursos Humanos (RH), que dizem que o signo não pode ser
considerado de forma alguma um critério para a contratação de um trabalhador.
Meritocracia
x Determinismo astrológico
"Seja um profissional de
recursos humanos ou o proprietário de um estabelecimento, considerar um signo
ao avaliar um trabalhador é absolutamente errado. É completamente inadequado.
Isso fere a meritocracia. Entra em uma espécie de determinismo astrológico",
assevera o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador em
Comportamento Organizacional, Marco Tulio Zanini.
Profissionais da astrologia, a área
que estuda os signos do zodíaco, também criticam o fato. "A avaliação de
uma pessoa para uma vaga de emprego deve ser baseada em entrevistas e provas.
Devem ser levados em consideração, principalmente, experiência profissional e
testes psicológicos que venham a avaliar a habilidade emocional e psíquica do
indivíduo", diz a astróloga Paula Belluomini, diretora da Sociedade
Internacional para Pesquisa Astrológica (em inglês, "International Society
for Astrological Research").
As astrólogas entrevistadas pela BBC
News Brasil, no entanto, defendem que há situações em que os signos poderiam
ser usados no processo seletivo para uma vaga de trabalho. Mas afirmam que tal
informação não deve ser de total relevância na decisão final e precisa estar
aliada a outros fatores relacionados ao desempenho profissional do candidato.
Acredita-se que a astrologia nasceu
há, aproximadamente, quatro mil anos, durante a Babilônia. Ela surgiu a partir
da análise dos ciclos dos astros e das fases da lua, que foram divididos em 12
unidades, hoje conhecidas como os signos do zodíaco. Na época, era usada para
auxiliar a política e a agricultura.
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Astróloga
Bárbara Abramo estuda sobre signos há mais de 30 anos e critica pessoas que excluem candidatos a vagas
por esse
critério
Na Babilônia, ganhou status de ministério. Porém, se o astrólogo errasse um prognóstico, poderia
ser degolado. Por séculos, astrologia e política andaram de mãos dadas.
"A astrologia se baseia no que
os gregos chamavam de 'katarché', ou seja, o que estava no início, nos
primórdios. A ideia é que a configuração dos astros num momento de nascimento
de algo ou alguém guarda as informações sobre seu desenvolvimento ulterior no
tempo. Por isso, a nossa obsessão com horários e minutos em que algo começa,
seja lá o que for", explica a astróloga Bárbara Abramo, que desde os anos
1970 estuda sobre os signos.
Segundo a astrologia, os signos estão
atrelados a, ao menos, 10 diferentes astros (entre eles Sol, Lua, Mercúrio,
Vênus e Marte). A partir desses elementos, tendo como base o dia e horário de
nascimento de alguém, são feitas análises como o ascendente (que aponta o signo
que estava ascendendo a leste na hora e local do nascimento) e a Lua (em que
signo a lua estava quando a pessoa nasceu).
A partir das informações obtidas por
meio de uma análise astrológica, é elaborado o mapa astral de alguém — um
gráfico com base no minuto exato em que uma pessoa veio ao mundo.
'Amor,
arte e astrologia'
Popularmente, os signos costumam ser
usados para atribuir características às pessoas, como o modo como elas se
comportam e a forma como conduzem suas vidas. Para os profissionais da área,
porém, somente um estudo individualizado, com base no mapa astrológico, pode
fazer um retrato sobre alguém. "Tomar somente os signos como resposta é
tomar a parte pelo todo", diz Abramo.
Há quem considere a astrologia uma
"pseudociência". Ela não é classificada como ciência, no sentido
positivista, porque não se pode reproduzir experimento controlado em
laboratório. Para Abramo, porém, isso não reduz a importância do tema, pois ela
afirma que se trata de um corpo de conhecimento que tem como base o saber
acumulado. "O amor ou a arte, por exemplo, também não são ciências",
justifica.
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Estudos
sobre signos tiveram início há mais de 4 mil anos e sempre tiveram impacto na
sociedade, apontam pesquisas sobre o tema
Apesar de ser menosprezada por
muitos, a astrologia é considerada fundamental por outros. Em décadas passadas,
era comum ver diversas revistas e outras publicações sobre o tema. Os jornais
sempre costumaram reservar uma seção para tratar do assunto.
Estudiosos sobre o tema, ouvidos pela
BBC News Brasil, afirmam que a astrologia passou a ser muito mais estudada e
abordada nos últimos anos. Eles consideram que houve um incremento
significativo no interesse pelo tema, principalmente, entre a geração millenials
(nascidos entre os anos 1980 e meados de 1990).
"A facilidade de obter
informações via internet democratizou o acesso ao tema. Essa geração fala mais
de um idioma e, por isso, escolas de astrologia e associações internacionais
flertam com o público brasileiro", diz a astróloga e psicoterapeuta
Deborah Jean Worthington, presidente da Central Nacional de Astrologia (CNA).
'Mapa
astral na entrevista de emprego'
O aumento no interesse sobre a
astrologia culminou no uso do tema em diferentes situações, como em algumas
entrevistas de emprego. "Fui a uma entrevista com meu currículo impresso
em mãos. Quando fui chamada para conversar com o dono da empresa, ele viu a
minha data de nascimento e começou a fazer ali mesmo o meu mapa astral. Ele
perguntou meu signo, ascendente e lua. Achei uma atitude nada razoável",
relata a designer Juliana*, de 34 anos.
Juliana conta que achou a situação
engraçada. "Foi algo excêntrico. Eu adoro signos e astrologia, mas de uma
forma divertida. Nunca deixaria de trabalhar ou me relacionar com alguém por
conta disso. Inclusive, o meu namorado é de capricórnio, que tem uma péssima
fama de coração gelado. E ele é um amor", afirma a designer.
Ela, que é de libra, não foi chamada
para a vaga. Porém, acredita que o signo não tenha tido impacto na decisão.
"Penso que não fui contratada porque quando falamos sobre valores, entendi
que ele não tinha muito orçamento para aquilo que eu tinha proposto. Não acho
que o signo influenciou porque um amigo que trabalhava na empresa me disse que
o dono dela gosta de librianos."
No caso de Pedro Henrique, a
entrevista terminou em contratação. "Fiquei uma semana por lá como
estagiário, mas decidi sair. A empresa não era exatamente o que eu
queria", relata o jovem.
Assim como Juliana e Pedro, nas redes
sociais há inúmeros comentários sobre pessoas que dizem ter tido que revelar
seus signos na busca por emprego. "Fiz uma entrevista e perguntaram meu
signo e a hora em que nasci para fazer meu mapa astral. Como sou de gêmeos, com
ascendente em aquário, não fui contratada", escreveu uma jovem.
"Participei de uma entrevista de
emprego para um serviço de saúde, coisa séria, e o entrevistador perguntou meu
signo", relatou uma jovem nas redes sociais. "Fiz uma entrevista em uma
corretora, preenchi uma ficha e uma das perguntas era sobre o signo. A
entrevistadora me disse que não contratam escorpianos", disse uma mulher.
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Questionar
sobre signos em entrevistas de emprego pode ser considerado ilegal, esclareceu
um advogado
Os constantes relatos de pessoas
questionadas sobre signos em entrevistas de emprego preocupam profissionais da
área de recrutamento.
O professor da FGV Zanini afirma que
os pontos para a avaliação de um trabalhador devem ser claros. "Um
candidato precisa saber os critérios para a seleção de uma vaga e isso não pode
envolver informações consideradas místicas", declara.
"As informações astrológicas
dependem da fé de quem as estuda e levá-las em consideração abre espaço para
uma subjetividade absurda. Um mapa astral não consegue prever comportamentos e
atitudes de alguém no ambiente de trabalho", afirma Zanini.
Já os astrólogos criticam,
principalmente, o fato de que as abordagens sobre signos em entrevistas de
emprego costumam ser feitas por pessoas consideradas leigas, que têm pouco
conhecimento sobre o tema. "Uma pergunta aleatória como 'qual o seu
signo?', quanto mais feita por alguém que não é astrólogo, está sujeita a ser
interpretada de forma tendenciosa, pois tenta constatar informação relevante sobre
um indivíduo somente baseada em seu signo solar e dá margem a discriminação sem
embasamento ou análise adequada", afirma Paula Belluomini.
"Entrevistadores curiosos e
amadores, ignorantes da arte astrológica, fazendo isso deve ser crime, ou
puramente uma quase oficialização de discriminação contra pessoas. Eu entraria
com um mandado judicial exigindo explicações", diz Abramo.
O advogado Pedro Chicarino,
especialista em Direito do Trabalho, afirma que abordar determinadas questões
pessoais durante um processo seletivo, como os signos, pode caracterizar uma
conduta discriminatória. "Muitos entrevistadores se aprofundam em assuntos
pessoais, não relacionados à vaga. Mas questões relativas a estado civil,
doenças, gravidez, remédio que consome, posicionamento político, signo, entre
outras, podem caracterizar discriminação", afirma Chicarino.
Chicarino diz que para que uma
conduta seja considerada discriminatória, é preciso analisar o contexto que
motivou o fato de a pessoa ter sido tratada com diferença. "Não havendo
justificativa para embasar a diferenciação, seja em razão da necessidade do
negócio ou da exigência profissional genuína, a conduta pode ser caracterizada
como discriminatória", diz.
A CLT (Consolidação das Leis
Trabalhistas) afirma que é proibida discriminação por motivo de "sexo,
origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação
profissional, idade, entre outros".
Os signos não são especificados na
CLT, mas Chicarino afirma que eles podem se enquadrar na regra, dependendo da
situação, por se tratar de uma questão pessoal, que não têm relação com a vaga.
Ele diz que um candidato pode fazer uma denúncia ao Ministério do Trabalho,
caso entenda que perdeu uma vaga por causa do seu signo. "Esse tipo de
conduta precisa ser denunciada e coibida", afirma Chicarino.
A
astrologia e o trabalho
Há empresas que recorrem a astrólogos
para que possam fazer a avaliação de um candidato. Desta forma, os signos
passam a fazer parte da análise para uma vaga. Nesses casos, segundo as
astrólogas consultadas pela reportagem, a análise é feita de uma forma
considerada mais profissional e uma pessoa não é excluída de uma vaga por conta
de seu signo. O fato, porém, é criticado por especialistas em recrutamentos.
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REGIANE MANCINI/
STUDIO DULLA
Astróloga
e psicoterapeuta Deborah Jean Worthington, presidente da Central Nacional de
Astrologia (CNA), critica as perguntas sobre signos em entrevista de emprego
"Os astrólogos profissionais
podem contribuir com avaliações sérias, baseadas no mapa de candidatos em sua
totalidade, onde a aptidão seria o foco. O envolvimento de um astrólogo
profissional pode garantir que as avaliações sejam feitas de forma justa e imparcial,
acompanhadas de entrevistas para acessar os pontos fortes do candidato",
afirma Belluomini. "Há muito mais a ser analisado, além do signo",
completa.
Deborah Worthington conta que
participou como astróloga em alguns processos seletivos. "Minha bagagem
profissional (como terapeuta) no mundo corporativo e meu treinamento em
astrologia me habilitavam para esse trabalho", diz.
Ela relata que recebia uma descrição
do cargo e os dados de nascimento das pessoas. "Esses candidatos sabiam
que esse seria um dos critérios de avaliação, mas não o único, e autorizavam
formalmente a sua aplicação", diz.
"Meu papel era, com perfil do
cargo em mente, traçar um perfil do candidato, indicando pontos fortes e
fracos, desafios e oportunidades. Importante destacar que era feita a análise
de todo o mapa e não apenas do signo solar ou ascendente", afirma
Worthington.
Marco Tulio Zanini diz que pode haver
casos em astrólogos sejam chamados para auxiliar no andamento de uma empresa.
"Isso é uma decisão pessoal do empresário e ele pode procurar a astrologia
como medida para ajudar na gestão de seus negócios", pontua o professor da
FGV. No entanto, ele afirma que a astrologia não deve, em nenhuma hipótese,
estar entre os critérios de decisão sobre a contratação de um funcionário.
"Nem mesmo com a ajuda de um astrólogo", assevera.
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Marco
Tulio Zanini, professor da FGV, afirma que signos não podem ser levados em
consideração em nenhum momento em entrevistas de emprego
As astrólogas ouvidas pela
reportagem, porém, afirmam que a área pode ser trabalhada de forma correta
durante uma entrevista, caso seja aplicada com critérios adequados e por um
especialista no assunto. "Quando há uma pessoa que estude sobre astrologia,
é uma avaliação completamente diferente de um curioso, que vai julgar o
candidato somente pelo signo solar dela. Uma avaliação de um astrólogo treinado
pode esclarecer e ajudar na escolha do candidato, sim", diz Abramo.
"O problema não é usar a
astrologia como uma técnica auxiliar para avaliar um candidato. O problema é
usar um detalhe da astrologia, por parte de um amador ou curioso, para definir
se a pessoa vai ou não obter a vaga", defende Abramo. "A astrologia
pode ser uma forma de apoio. Mas ela deve ser somada a outras ferramentas para
a avaliação de um candidato", declara Worthington.
O psicólogo José Mauro Nunes,
professor de recursos humanos na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj)
e consultor organizacional em empresas, ressalta que o tema é polêmico. Porém,
ele argumenta que não há experimentos, do ponto de vista científico, que
atestem que a astrologia funciona para definir as características de uma
pessoa.
"Não há nada que assegure que a
previsão astrológica do perfil de uma pessoa vai impactar no desempenho dela no
trabalho. Uma coisa é recrutar com bases e métodos científicos. Outra coisa é
usar esse tipo de conhecimento, que tem popularidade, para algo sério como uma
entrevista de emprego. Astrologia não é um método científico", declara.
"Na psicologia há métodos
científicos, baseados em estudos, para avaliar um candidato. Mesmo assim, a
gente revê os perfis das pessoas e há discussões sobre esses métodos. Então,
imagina avaliar por um mapa astral? Independente do modo, é muito perigoso usar
o signo para definir um candidato", diz Nunes.