imagem Luis Calçada & Olga Cucciati/ESO |
O Hyperion tem uma massa mais de um milhão de
bilhões de vezes maior que a do Sol
Uma equipe internacional de astrônomos anunciou
nesta quarta-feira a descoberta da maior estrutura já encontrada no espaço, um
superaglomerado ancestral de galáxias com massa de mais de um milhão de bilhões
de vezes a do Sol. Hyperion, como foi batizada, é a maior estrutura já vista
nos primeiros 5 bilhões de anos do Universo.
Para compreender isto, precisamos lembrar que há um
consenso no meio astronômico de que o Big Bang, ou seja, a explosão fundamental
que deu origem ao Universo, ocorreu entre 13,3 bilhões e 13,9 bilhões de anos
atrás.
Quando os cientistas miram telescópios para os
confins do espaço, eles estão sempre observando o passado - afinal, a luz viaja
a uma velocidade de 300 mil quilômetros por segundo e, ao olhar para o céu, o
que se vê é a luz emitida pelos astros, sempre com algum grau de
"delay".
Por exemplo: a luz do nosso Sol, que está
"perto" - em termos astronômicos -, chega a nós com um atraso de 8
minutos, que é o tempo que a luz demora para percorrer a distância.
No caso de Hyperion, ela está tão distante que a
imagem obtida pelos cientistas é um retrato de mais de 11 bilhões de anos atrás
- calcula-se que o superaglomerado ancestral de galáxias seja de quando o
Universo era um jovem de 2,3 bilhões de anos.
Hyperion recebeu este nome por causa de suas
dimensões colossoais em referência a um dos titãs da mitologia grega. Em
português, é também chamado de Hiperião, Hipérion ou Hiperíon.
A descoberta
Catorze instituição científicas europeias,
americanas e asiáticas fizeram parte da pesquisa que culminou na descoberta. Os
trabalhos foram liderados pela astrônoma Olga Cucciati, do Instituto Nacional
de Astrofísica de Bolonha, Itália, e pelo astrofísico Brian Lemaux, da
Universidade da Califórnia.
Eles utilizaram um instrumento chamado VIMOS, do
Very Large Telescope do Observatório de Paranal, localizado em uma montanha de
2.635 metros de altura em pleno deserto do Atacama, no norte do Chile.
imagem G.Gillet/ESO |
Observatório de Paranal, localizado no deserto do
Atacama, norte do Chile
O Very Large Telescope é o maior telescópio em
funcionamento do mundo. Seu espelho principal tem 8,2 metros de diâmetro. Ele é
operado pelo European Southern Observatory (ESO), de um centro
técnico-científico que fica em Munique, na Alemanha.
"Nosso levantamento teve como alvo cerca de 10
mil galáxias do início do Universo, para observações com o VIMOS. Esse
instrumento é capaz de observar a luz visível de várias centenas de galáxias
simultaneamente e dispersar essa luz em suas diferentes cores como um prisma,
de modo que possamos estudar a intensidade da luz em cada cor", explicou à
BBC News Brasil o astrofísico Lemaux.
A descoberta empolga os estudiosos do espaço porque
permite compreender melhor os primeiros bilhões de anos pós-Big Bang.
"Como estruturas tão grandes e complexas nunca
haviam sido verificadas antes a tais distâncias, não estava claro se o Universo
era capaz de criar estruturas assim tão cedo em sua história", diz Lemaux.
"Como é uma distância em que a gravidade teve
pouco tempo para agir - afinal, estamos falando de apenas 2 bilhões de anos do
início do Universo -, ver uma estrutura deste tipo com toda a sua complexidade
é algo muito surpreendente."
"Normalmente, estruturas desse tipo são
conhecidos a distâncias mais recentes, indicando que o Universo precisou de
muito mais tempo para evoluir e construir coisas tão grandes", completa
Cucciati. "Foi uma surpresa ver que algo evoluiu assim quando o Universo
era relativamente jovem."
Lemaux ressaltou que a quantidade de massa do
Hyperion também é algo impressionante. "Ao somar todas as galáxias e
inferir a quantidade de matéria escura dentro de Hyperion - sendo esta última a
matéria que não podemos ver e que apenas age gravitacionalmente - descobrimos
que a sua massa já estava próxima da dos superaglomerados atuais de
galáxias", compara.
"Um dos objetivos de nossa pesquisa é agora
usar Hyperion e outras estruturas semelhantes para confrontar teorias de como a
estrutura da teia cósmica, nome dado à estrutura de grande escala do universo,
se forma e evolui", comenta o cientista.
Para
entender a 'teia cósmica'
Sendo um conceito relativamente novo, a teia
cósmica seria uma rede formada por todas as galáxias existentes, composta por
invisíveis filamentos. De acordo com essa ideia, essas conexões formam a maior
parte da matéria sideral.
Já os superaglomerados foram descobertos pela
primeira vez em 1953. Trata-se de um conjunto gigantesco de galáxias - o que,
segundo os cientistas, comprova que a distribuição delas no espaço não ocorre
de forma uniforme.
A maior parte da comunidade astronômica hoje
concorda que as galáxias estão agrupadas em conjuntos de cerca de 50 e
aglomeradas em grupos de milhares.
Os superaglomerados são, portanto, conjuntos
impressionantemente maiores.
O Very Large Telescope é o maior telescópio em
funcionamento do mundo
Como olhar para eles é olhar para o passado, os
cientistas acreditam que Hyperion "é uma estrutura que provavelmente está
destinada a se tornar das maiores e mais massivas do universo atualmente",
define Lemaux.
"Em outras palavras, sistemas como ele
semearam as maiores coleções de galáxias que podemos ver hoje nas proximidades
da Terra, como o superaglomerado de Virgem, uma imensa estrutura que contém,
entre muitos outros, o Grupo Local, o lar de nossa Via Láctea."
Mapeamento
Graças ao instrumento VIMOS, os cientistas
conseguiram fazer uma mapeamento tridimensional de Hyperion. A equipe
descobriu, por exemplo, que a estrutura tem pelo menos sete regiões de alta
densidade, conectadas por filamentos de galáxias. E ele aparenta ser diferente
dos superaglomerados mais próximos da Terra.
"Enquanto os mais próximos tendem a ter uma
distribuição de massa mais concentrada, com características estruturais claras,
Hyperion tem a massa distribuída de maneira muito mais uniforme, em uma série
de bolhas conectadas, povoadas por associações de galáxias", afirma o
astrofísico.
Os pesquisadores apontam que essa diferença se dá
justamente porque os superaglomerados mais velhos tiveram bilhões e bilhões de
anos para que a gravidade agisse, aproximando a matéria e, assim, criando
regiões mais densas. Se este raciocínio estiver certo, Hyperion deve evoluir da
mesma forma.
"Compreendê-lo e entender como ele se compara
a estruturas semelhantes pode nos fornecer insights sobre como o Universo se
desenvolveu no passado e evoluirá para o futuro", diz Cucciati.
"Desenterrar este titã cósmico ajuda a
descobrir a história dessas estruturas de larga escala."
Ele conta que os cientistas também identificaram um
grande reservatório de gás hidrogênio difuso "e relativamente frio" e
uma região que parece conter sinais de um aglomerado de galáxias em formação.
"Essa imensa atividade e diversidade tem sido
prevista a partir de alguns modelos de formação de galáxias e estruturas",
comenta. "Mas, com Hyperion, é a primeira vez que conseguimos vê-la em um
sistema."
"Embora o destino de toda estrutura seja incerto,
estamos desenvolvendo modelos para prever a evolução das galáxias",
acrescenta. "Nossa esperança é, no futuro, que tais conexões nos permitam
entender como as galáxias crescem, amadurecem e, eventualmente, chegam ao fim
de suas vidas."
Fonte:
BBC Brasil