imagem Getty
Images
Ao mesmo tempo em que o Brasil assiste à criação de
movimentos que defendem a renovação política e ao surgimento de escolas de formação
de novas lideranças, as principais previsões para as eleições
de 2018 não são de grandes mudanças.
Na lista de pré-candidatos ao Palácio do Planalto,
por exemplo, há pouca novidade: dois ex-presidentes da República, cinco
ex-ministros, além de nomes que já estiveram no Congresso, foram governadores
ou pelo menos se candidataram a algum cargo em eleições passadas.
No caso do Congresso, se seguir a tendência das
eleições passadas, o índice de renovação também não tende a ser muito alto. Dos
513 deputados eleitos em 2014, 290 - mais de 54% - já faziam parte da
legislatura anterior. Além disso, a grande maioria dos eleitos que não eram
deputados federais no mandato anterior já tinha trabalhado com política
ocupando cargos eletivos ou nomeados no Legislativo ou no Executivo, em alguma
das três esferas.
Mas afinal, por que é tão difícil renovar a
política no Brasil?
A forma como o sistema e as regras estão
estruturados, dizem especialistas, tendem a beneficiar quem já faz política e
dificultar a entrada dos novatos.
"As estruturas dos partidos são completamente
engessadas, hierárquicas e prontas para eleger certas figuras e talvez para
trazer um (único) novo nome", afirma a cientista social e antropóloga
Rosana Pinheiro-Machado, professora da Universidade Federal de Santa Maria,
dizendo ser otimista em relação às novas gerações e formas distintas de candidaturas
que estão aparecendo.
Já para o cientista político e professor do Insper
Carlos Melo, "algum grau de renovação sempre tem".
"A questão é se vai ser significativa para
renovar a cara do sistema", observa Melo, que não aposta numa mudança
significativa de imediato, mas acredita que o país está vivendo um processo de
transformação da política - os resultados, contudo, só poderão ser mensurados,
segundo ele, talvez daqui a quatro ou oito anos.
A BBC News Brasil ouviu especialistas e jovens que
dizem querer mudar a política para apontar as principais dificuldades de mudar
a cara e as práticas do sistema político no país. Cinco foram as razões mais
citadas para explicar por que isso é tão difícil:
1. Estrutura
dos partidos políticos
Como candidaturas avulsas ou independentes não são
permitidas no Brasil, para disputar uma eleição é obrigatório estar filiado a
um partido político pelo menos seis meses antes do pleito.
Apesar de ser relativamente fácil se associar a um
partido, as siglas tendem a dar mais oportunidades e a serem mais receptivas
aos novatos que são potenciais puxadores de votos, como artistas ou atletas.
"É muito difícil você entrar num partido se
não for para trabalhar dentro de uma lógica muito pré-determinada. Muitas vezes
a lógica é perpetuar o partido e os mesmos poderes, as mesmas redes. Geralmente
redes masculinas, com algumas exceções é claro, mas redes de homens
brancos", afirma Pinheiro-Machado.
A professora diz que ainda é muito raro que
partidos invistam em candidaturas femininas, em especial de mulheres negras.
imagem Fernando Podolski/Getty Jovens, em sua maioria integrantes de
movimentos e coletivos, que se filiam a partidos tentam ganhar espaço e ter voz
Alguns partidos estão abrindo as portas para
candidatos de movimentos políticos nascidos nos últimos anos, como Agora!,
RenovaBR, Movimento Brasil Livre (MBL) e Livres. Mas isso não significa que os
mais jovens vão ter voz e força nessas legendas.
Por isso, Pedro Duarte, vice-presidente da
juventude do PSDB, defende que mais jovens se filiem a partidos tradicionais e
que participem de forma mais ativa da vida partidária na tentativa de abrir
espaço para caras novas em organizações onde a estrutura de poder está
consolidada e há pouca alternância no comando.
2.
Financiamento de campanha
Além de não terem as portas abertas, diz Carlos
Melo, os partidos se transformaram em importantes financiadores de campanha e
tendem a patrocinar quem já está no poder.
Desde 2014, quando o Supremo Tribunal Federal
proibiu a doação de empresas para partidos e candidatos, o financiamento
eleitoral ficou restrito às contribuições de pessoas físicas - que podem doar
até 10% da renda declarada no ano anterior à eleição - e ao fundo partidário,
que é de R$ 888,7 milhões neste ano.
imagem Getty Images Além de doação de pessoa
física, campanha de 2018 vai ser financiada pelos fundos eleitoral e partidário
No ano passado, deputados e senadores aprovaram o
fundão eleitoral no valor de R$ 1,7 bilhão. Tanto os recursos do fundo
partidário quanto os do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, nome
oficial do fundão eleitoral, têm seu destino decidido pelos partidos.
"Esses recursos tendem a ser distribuídos pela
cúpula dos partidos e a fortalecer quem já está no poder", afirma Melo,
salientando que nem sempre os partidos são transparentes e democráticos.
Apesar de a minirreforma partidária aprovada no ano
passado ter estabelecido um teto para os gastos de campanha, disputar uma
eleição de forma competitiva ainda é considerado caro.
"Acho que os partidos são muito pouco
dispostos a financiar novos candidatos", completa Rosana Pinheiro-Machado.
3. Força dos
que já têm mandatos
Tanto Pinheiro-Machado quanto Melo apontam que, na
lógica de privilegiar quem já está no poder, o sistema político dá especial atenção
aos donos de mandatos ou de cargos que conseguem usar a máquina pública.
"Imagina um jovem que vai disputar com alguém
que já tem sede física, assessores e rede de relacionamento com prefeitos,
vereadores", diz o professor, salientando a condição de desvantagem dos
que não têm "um aparelho" funcionando a seu favor.
imagem Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasi Donos
de mandato saem em vantagem na disputa eleitoral
Melo afirma ainda que são poucos os partidos que
têm líderes carismáticos como Lula ou "chefões" como Valdemar da
Costa Neto (PR) e Roberto Jefferson (PTB), que conseguem se manter fortes em
suas respectivas legendas mesmo sem mandato.
Ainda assim, Pinheiro-Machado diz que, apesar de
ser difícil, é possível romper com esse sistema.
"Sou otimista em relação às novas gerações e
às novas formas de candidaturas que estão começando a se colocar na jogada; de
pessoas que vieram dos novíssimos movimentos até de candidaturas ativistas, e
mesmo de grupos mais ao centro e à direita", diz.
"Há grupos que estão pensando também em amplas
redes de renovação política e de formação de lideranças muito voltadas para
questões técnicas."
imagem Fernando Podolski/Getty A professora Rosana
Pinheiro-Machado está otimista com as candidaturas de pessoas de movimentos e
de ativistas
4. Tom do
discurso político
Apesar das dificuldades impostas pelo sistema, os
novatos também podem acabar criando dificuldades para si mesmos. Jovens ou
neófitos na política nem sempre conseguem fugir do discurso tradicional e impor
um tom realmente novo.
Os especialistas, no entanto, são otimistas sobre a
nova geração. Para Carlos Melo, há pessoas propondo novos tipos de organização
mais horizontal e coletiva. E, principalmente, com um discurso que não
desqualifica seus opositores. "Um novo jeito de fazer política está
germinando de alguma forma", diz.
Pinheiro-Machado acha que os mais jovens com menos
de 20 anos já conseguem fugir do discurso convencional porque fazem parte de
"uma geração completamente avessa ao sistema político".
Ela admite, no entanto, que esta turma ainda deve
demorar a assumir o poder. Enquanto isso, muitos dos que dizem querer mudar a
política a partir das eleições de 2018 "falam mais do mesmo".
5.
Disposição do eleitor
imagem Getty Images Para o professor Carlos Melo,
na ausência do novo, o eleitor prefere votar branco ou nulo
A aparente pequena disposição do eleitor em mudar o
sistema também é citada pelos pesquisadores como um dos fatores que dificulta
essa renovação. Tamanha insatisfação com a política tem refletido no índice
significativo de eleitores que prefere votar em ninguém.
Votos brancos e nulos crescem a cada pesquisa de intenção
de votos e, segundo o Datafolha, atingiram neste mês patamares recordes. A
depender do cenário, o número de pessoas que declara votar branco ou nulo varia
de 17% a 28% na pesquisa Datafolha de junho, feita com mais de 2 mil pessoas em
174 municípios.
"São votos de protesto, de negação da
política. A fase em que a gente está é de um mau humor terrível", avalia
Carlos Melo.
Como, então, mudar a política?
A BBC News Brasil perguntou a jovens que dizem
querer mudar a política como pretendem renovar o sistema. A maioria defendeu
uma mudança completa de pessoas, práticas e ideias.
Há, contudo, posições contraditórias em relação os
novos movimentos.
Para João Francisco Maria, da Rede e do movimento
Agora!, o momento é de transição. "O sistema velho está morrendo, os
partidos vão morrer. Mas a gente tem que ocupar esses espaços, hackear a
política, ocupar as instituições políticas, ocupar os partidos, ocupar o
Parlamento para, dentro dele, ir ajudando para fazer essa transição e a
construção do novo."
Já Felipe Rigoni, do Movimento Acredito e do
Instituto RenovaBR, diz ser "impossível fazer política sem partido
político". Ele acredita que movimentos de renovação politica que estão
aparecendo tendem a se integrar com as legendas tradicionais.
É com a participação dos movimentos, afirma Rigoni,
que os partidos vão se renovar e "tornar-se o que devem ser: o elo entre o
cidadão e o governo".
Por sua vez, Camila Moreno, do diretório nacional
do PT, é crítica a muitos dos movimentos que pregam a renovação. "Acho que
muitos desses novos movimentos estão ligados à política tradicional. Eles são a
ideia da velha política num novo corpo", diz. Ela acredita em mudança
porque acha que os jovens "não estão satisfeitos com o que já foi
conquistado".
imagem Escola Comum/Reprodução Facebook Alunos da
primeira turma da Escola Comum, que pretende formar lideranças políticas em São
Paulo
Para o vice-presidente do PSDB, Pedro Duarte,
"não é uma tarefa fácil, e ninguém nunca disse que seria fácil".
"Certamente há uma resistência da velha guarda, mas a gente não pode fazer
um discurso muito simples, muito bobo dos novos contra os velhos. Existe muita
gente boa que é considerada da velha guarda", avalia.
Para Fábio Osterman, do Movimento Livres, "não
existe um só caminho". "Acho que a gente precisa ter esforços
concatenados da sociedade civil com a sociedade política."
"Está cada vez mais claro que a gente precisa
ter uma mudança geracional, que essa velha guarda que está no poder tem feito o
possível para barrar. A gente precisa de uma nova geração de políticos que
acreditem a politica serve para servir o cidadão, e não se servir do
cidadão", opina Osterman.
Há quem, em vez de se lançar na política, aposte na
formação de novos nomes. A professora Rosana Pinheiro-Machado faz parte do
grupo que criou a Escola Comum, que capacita jovens lideranças de áreas
periféricas com aulas aos sábados, em São Paulo.
"O que a gente não quer é formar aquele
estudante de movimento estudantil que repete as mesmas coisas como mesmo tom de
voz. A gente quer formar políticos de raiz, voltados para as comunidades
locais, mas que saibam pensar de forma intelectual e livre", explica.
Fonte:
BBC Brasil