Marina Silva disputará sua terceira eleição presidencial este ano |
Foto: José Cruz/Ag. Brasil
Em meio a um sentimento de "terra
arrasada" na política pós-Lava Jato, Marina Silva (Rede) volta à disputa
presidencial pela terceira vez com a esperança de que seu currículo limpo e o
discurso antipolarização agora funcionem para levá-la ao Palácio do Planalto.
Sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na
disputa - cenário mais provável hoje devido à condenação por corrupção e
lavagem de dinheiro em segunda instância -, Marina chega a aparecer com 16% de
intenções de voto na pesquisa Datafolha, empatada tecnicamente na liderança da
corrida com o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-JR), que tem 20%.
O bom desempenho, no entanto, não tem se refletido
em apoio dos demais partidos e dos políticos - o que tende a complicar seu
trajeto até Brasília. Pré-candidata da Rede Sustentabilidade, ela caminha para
disputar sua terceira eleição presidencial seguida em uma legenda menor do que
nas anteriores (PV em 2010 e PSB em 2014).
Para piorar, nas últimas semanas a sigla encolheu
ainda mais com a saída de dois deputados federais, Alessandro Molon (RJ) e
Aliel Machado (PR), que foram para o PSB. O fato é especialmente negativo
porque o tempo de TV durante a campanha e o montante de recursos públicos para
cada legenda são calculados de acordo com a bancada na Câmara dos Deputados.
Marina
(esq.) e o deputado Molon, quando ele ingressou na Rede, em 2015 | Foto: José
Cruz/Ag. Brasil
A perda deixou a Rede com apenas três parlamentares
e pode acabar excluindo Marina dos debates presidenciais, já que o convite é
obrigatório apenas a partidos ou coligações com ao menos cinco representantes
do Congresso.
Entenda melhor como esses e outros fatores
fragilizam sua candidatura - e como sua campanha pretende propor uma
"aliança com a sociedade" para driblá-los.
Liderança
forte, mas com dificuldade de articulação
Aliados próximos a Marina, ex-integrantes da Rede e
cientistas políticos ouvidos pela BBC Brasil são unânimes em apontar que uma
das suas forças é sua biografia e passado limpo, sem escândalos de corrupção.
A pré-candidata vem de uma comunidade pobre de
seringueiros no interior do Acre. Na adolescência, conciliou os estudos com o
trabalho de empregada doméstica em Rio Branco. Depois de se engajar no
sindicalismo rural, chegou a senadora pelo PT e ministra do Meio Ambiente no
governo Lula.
Porta-voz nacional da Rede (ao lado de Marina), Zé
Gustavo acredita que essa trajetória, assim como o reconhecimento internacional
que Marina conquistou, serão ativos importantes na disputa eleitoral. A
campanha, diz, também deverá dar destaque a suas realizações no comando do
ministério (2003-2008).
"É interessante explorar um pouco mais sua
gestão. Houve expansão das áreas de preservação permanente, combate à corrupção
no Ibama, ao tráfico de madeira ilegal. Ela tem uma capacidade de ação muito
grande e, por alguns preconceitos, isso não é demonstrado. Ela mesma fala pouco
sobre isso, precisa falar mais", defendeu.
Para outras pessoas, porém, isso não parece
suficiente para vencer uma eleição presidencial - é preciso alianças e uma
estrutura partidária mais robusta, dizem, o que Marina não foi capaz de
construir.
Persistem críticas como as apontadas publicamente
por Alfredo Sirkis, um dos idealizadores da Rede, ao deixar o grupo em 2013:
Marina tem um "processo decisório caótico", "reage mal a
opiniões discordantes" e se cercou de um "séquito incondicional"
de seguidores que mais atrapalha do que ajuda.
As críticas de ex-integrantes da sigla se dirigem
aos principais nomes da comissão executiva do partido: além de Zé Gustavo,
Bazileu Margarido, Carlos Painel e Heloísa Helena.
"Marina é uma líder nata, tem uma grande
expressão, basta ver seu desempenho nas últimas campanhas. Agora, dentro de uma
estratégia de discussão de país, não basta a liderança, é preciso ter um
aparato que dê sustentação para isso e que faça isso chegar aos
eleitores", afirma o deputado Aliel Machado, um dos que acaba de deixar o
partido.
"Marina é maior do que a Rede, mas ao longo
desse tempo eu vi que a Rede tem que ser maior do que Marina, inclusive para
sustentar Marina. E isso não aconteceu", lamenta.
Marina não conseguiu consolidar a
Rede como partido, diz Aliel Machado | Foto: Luis Macedo/Ag. Câmara
Zé Gustavo rebate as críticas e diz que elas vêm de
pessoas que perderam discussões internas e não aceitaram a decisão da maioria,
como no caso do apoio ao impeachment de Dilma Rousseff, definido, segundo ele,
após votação em que 60% concordou com essa posição. Ele diz que Marina é
"muito aberta" e que isso que permitiu sua aproximação em 2011,
quando a procurou após ficar admirado com a sua primeira campanha.
Aliança com
a 'sociedade' compensa partidos?
Um exemplo citado pelos críticos para ilustrar a
inabilidade do partido liderado por Marina foi a negociação com o PSB para uma
possível aliança nacional em 2018. Enquanto tentava atrair o apoio dos
socialistas em novembro passado, a Rede decidiu sair dos governos do PSB no
Distrito Federal e em Pernambuco.
Segundo Zé Gustavo, "era impossível" para
a Rede manter as alianças estaduais porque o PT entrou no governo de Pernambuco
e o PSDB no da capital federal. "Não é uma falta de habilidade, mas talvez
uma outra forma de ver a política em que o elo nacional não toma todas as
decisões. Nacionalmente, temos muito respeito pelo PSB. Não saímos criando
caso, não foi uma ruptura", afirmou.
Ele diz que a Rede segue em conversas para
possíveis alianças com PV, PPS e PSB, mas não quis comentar a possibilidade de
Marina ser vice do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa. Os peessebistas
aguardarão até o início de abril uma resposta de Barbosa sobre a candidatura.
Se quiser concorrer, Joaquim
Barbosa tem até abril para se filiar a um partido | foto: Agência Brasil
Na cúpula do PSB, uma aliança com Marina Silva é
vista como um dos cenários menos prováveis para a eleição deste ano - o último
encontro entre a líder da Rede e o presidente do PSB, Carlos Siqueira, foi em
dezembro passado.
Para tentar compensar a fragilidade na política
partidária, os dirigentes da Rede repetem o discurso de Marina nas últimas
eleições: "Nossa diretriz é fazer aliança com a sociedade", diz a
ex-vereadora do PSDB no Rio Andrea Gouvêa Vieira, que coordenará a campanha da
pré-candidata.
Questionada sobre por que a antiga estratégia
funcionaria agora, Vieira destacou o novo cenário pós-Lava Jato. "Depois
das eleições de 2014 ficaram mais explícitos os mecanismos de corrupção que
estavam entronizados nos dois partidos (PT e PSDB) que foram para o segundo
turno. Agora vamos ter uma eleição em que essa mentira não vai mais
existir", argumentou.
Molon disputou a prefeitura do Rio pela Rede em 2016, mas agora vai para
o PSB | foto: Câmara dos Deputados
A Rede está em contato com movimentos da sociedade
civil recém-criados - já estabeleceu aliança para lançar candidatos do Agora!,
entre eles o ex-juiz federal Marlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha
Limpa, que vai disputar o governo do Tocantins. A sigla ainda conversa com
Acredito, Brasil21 e Frente Favela Brasil.
O cientista político Carlos Melo, professor do
Insper, acredita no entanto que essa estratégia deve ser insuficiente para
atrair votos suficientes para sua eleição. Além da falta de estrutura
partidária nacional dificultar a campanha, ele acredita que hoje, após o
impeachment de Dilma, o eleitor estará mais atento à capacidade do candidato
governar caso eleito.
"E ela não consegue ter nem cinco
parlamentares, ou por incapacidade ou por excesso de virtude, o que na política
também é um defeito", observa.
Sem
dinheiro, sem tempo de TV e, talvez, sem debate?
A bancada reduzida de parlamentares da Rede
significa também que o partido terá tempo reduzido de propaganda na TV e uma
fatia pequena dos recursos públicos que financiarão as campanhas - ambos são
distribuídos em proporção ao número de deputados federais das siglas.
Carlos Siqueira, do PSB, é cético
em relação a uma aliança com Marina | foto: PSB / Divulgação
Antes mesmo da saída de Aliel Machado e Molon, a
Rede teria apenas 12 segundos no bloco de 12 minutos e meio da propaganda
eleitoral, segundo levantamento de dezembro do jornal Folha de S.Paulo. Para
efeito de comparação, Lula ou outro candidato do PT teria um minuto e 35
segundos, e Geraldo Alckmin (PSDB) teria um minuto e 18 segundos.
A estratégia será buscar doações por meio de
crowdfunding (vaquinha online) e usar as redes sociais para divulgar as
propostas de Marina e combater informações falsas contra a candidata. Em
janeiro, a Rede lançou também um cadastro online para voluntários, que podem se
oferecer para colaborar na elaboração do programa de governo, buscando doações
ou mesmo produzindo memes ou poesias.
Uma das estratégias usadas nas últimas campanhas
que será repetida é a criação de "Casas de Marina", comitês nas
residências dos simpatizantes. "É uma forma das pessoas se sentiram parte
da campanha", explica Zé Gustavo.
Quanto aos debates, os aliados de Marina acreditam
que sua projeção vai garantir convites, mesmo que não sejam obrigatórios. O
maior problema, no entanto, são os candidatos da Rede a governos estaduais e ao
Senado serem excluídos dos debates locais, reduzindo a visibilidade da campanha
de Marina nacionalmente. Por isso o partido ainda tenta atrair mais dois
parlamentares até o fim da janela de troca partidária, em 7 de abril.
Em sua primeira disputa nacional, a legenda quer
lançar ao menos um candidato majoritário por Estado e tem a meta de eleger 18
deputados federais.
Nem centro,
nem esquerda, nem direita?
A indefinição ideológica é apontada como outro
problema da candidatura de Marina Silva, que se diz "nem de direita, nem
de esquerda, nem de centro".
Em 2014, Marina concorreu pelo PSB de Eduardo
Campos (dir.). Tinha o apoio do PPS e de cinco partidos pequenos | Foto: Wilson
Dias/Ag. Brasil
Em sua plataforma de campanha, ela traz propostas
de diferentes espectros políticos, sob o argumento de que busca reunir o que há
de melhor nos diferentes campos.
"É uma bricolagem, tenta juntar discurso mais
neoliberal, ou seja pró-mercado, com um Estado com preocupação social. Na
tentativa de agregar tudo ela pode perder muitos votos", acredita Maria do
Socorro Braga, coordenadora do Núcleo de Estudo dos Partidos Políticos
Latino-americanos da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
Para ela, Marina acabou reduzindo seu apoio na
esquerda ao escolher Aécio Neves no segundo turno contra Dilma em 2014 e,
depois, ao ficar a favor do impeachment. Por outro lado, pondera, o espectro da
direita e do centro já está "congestionado" com outros candidatos,
como Bolsonaro, Geraldo Alckmin (PSDB) e Rodrigo Maia (DEM).
Braga ressalta, porém, que fragmentação da disputa,
com muitos candidatos, pode permitir que Marina chegue ao segundo turno mesmo
que não tenha uma votação tão expressiva - aí, suas chances de vitória vão
depender do grau de rejeição ao outro candidato. Em 2014, Marina ficou com 21%
dos votos no primeiro turno, atrás de Aécio (33,5%) e Dilma (41,6%).
Zé Gustavo contesta que a plataforma de Marina não
seja clara e lista as diretrizes principais: "Brasil socialmente justo,
economicamente equilibrado, ambientalmente sustentável, politicamente
democrático e culturalmente diverso. Isso passa por reforma do Estado,
distribuição de renda, responsabilidade social", explica.
"É um progressismo que é difícil de
explicar", reconhece Andrea Vieira. "Mas podemos traduzir como um
movimento progressista da sustentabilidade", resumiu.
Fonte:
BBC Brasil