Getty Images Trem-bala fazia
muito barulho ao sair dos túneis, o que era problema em zonas habitadas
Quando o trem-bala japonês atingiu uma velocidade
de cerca de 270 km/h, a empresa responsável pelo sistema de transporte se viu
diante de um problema.
Toda vez que o trem saía de um túnel, fazia um
barulho tão alto que podia ser ouvido a 400 metros de distância.
O veículo comprimia o ar dentro do túnel de tal
forma que, quando saía, produzia uma explosão sonora - problema considerável
para as áreas residenciais próximas.
Mas, para a sorte da Japan Railway West (JR West),
empresa responsável pelo sistema de transporte, um de seus engenheiros tinha um
hobby que seria crucial para resolver a questão.
Getty Images Trens comprimiam ar
dentro do túnel de tal forma que provocavam explosão sonora ao sair
O engenheiro Eiji Nakatsu, ávido observador de
pássaros, encontrou uma solução inspirada no voo do martim-pescador.
Nakatsu também corrigiu outros aspectos do projeto
com base nas penas de uma coruja e no abdômen de um pinguim.
O trem modificado pelo engenheiro foi inaugurado em
1997 e, para comemorar o 20º aniversário de seu célebre design, Nakatsu
participa de uma rodada de palestras em universidades dos Estados Unidos,
lembrando a importância de observar e aprender com a natureza.
'Sem
espirrar água'
A Shinkansen, rede ferroviária de alta velocidade
do Japão, tem sido há décadas uma prioridade para o governo.
A primeira linha (Tokaido Shinkansen), que liga a
capital Tóquio e a cidade de Osaka, foi inaugurada para os Jogos Olímpicos de
1964. Com cerca de 515 quilômetros, estima-se que ela tenha transportado mais
de 4 bilhões de passageiros até 2010.
O sistema ferroviário no Japão é usado atualmente
por cerca de 64 milhões de pessoas todos os dias.
Getty Images Nakatsu observou que
quando o martim-pescador mergulhava, quase não espirrava água
Resolver o problema da explosão sonora era crucial
para a Japan Railway West. E, para solucionar a questão, Nakatsu se baseou em
suas próprias observações.
O engenheiro lembrava que quando o pássaro
martim-pescador mergulhava em alta velocidade, saindo do ar, um fluido de pouca
resistência, para outro 800 vezes mais denso, a água, quase não espirrava líquido.
O segredo está na forma aerodinâmica do seu bico.
Getty Images Parte dianteira do
trem-bala é inspirada no bico do martim-pescador
Nakatsu projetou vários protótipos da parte
dianteira do trem que foram testados em seu laboratório. E o protótipo que fez
menos barulho foi justamente aquele que se parecia com o bico de um
martim-pescador.
Corujas e
pinguins
Outro fator que contribuía para o ruído era o
pantógrafo ferroviário, mecanismo articulado na parte superior do trem que
transmite energia elétrica.
O ar que passava pelo pantógrafo era deslocado,
formando os chamados vórtices de Karman, padrões em redemoinho gerados quando
uma camada de fluido é separada ao passar por um objeto, causando turbulência.
Getty Images Penas dentadas da
coruja permitem voo silencioso
Nakatsu projetou então um novo pantógrafo,
inspirado na forma das penas da coruja, ave conhecida por seu voo silencioso.
As penas da coruja têm bordas irregulares que
fragmentam o fluxo de ar que passa sobre elas, reduzindo o som.
O engenheiro também redesenhou a base do
pantógrafo. Ele criou um novo modelo com base no abdômen liso de uma espécie de
pinguim da Antártida, o pinguim-de-adélia, que desliza com uma resistência
mínima na água.
Nakatsu se baseou nas penas da
coruja para redesenhar o pantógrafo, mecanismo articulado que transmite
eletricidade ao trem | Foto: WikiCommons
Biomimética
O novo trem-bala Shinkansen 500, projetado por
Nakatsu, conseguiu alcançar uma velocidade de 320 km/h sem exceder o limite de
70 decibéis estabelecido pelo governo para áreas residenciais.
Getty Images Superfície lisa do
corpo do pinguim-de-adélia também inspirou o engenheiro
Duas décadas depois, essa versão do trem-bala é
citada como um dos melhores exemplos de inovação inspirada na natureza ou
biomimética, termo popularizado pela escritora americana Janine Benyus.
Ela publicou em 1997 um livro que marcou o início
de uma nova era no design: Biomimética: inovação inspirada na natureza.
"Geralmente, quem projeta tudo ao nosso redor
nunca foi a uma aula de biologia e, portanto, é realmente principiante na forma
como a natureza funciona", afirma Benyus no site do The Biomimicry
Institute, instituto fundado por ela em 2006, com sede no Estado de Montana,
nos Estados Unidos.
"Muitos designers observam o que outros
designers fazem, mas com isso eles veem apenas tecnologias humanas."
Formas e
ecossistemas
Em vez disso, a biomimética propõe aprender com as
formas da natureza, seus processos e ecossistemas.
Alguns exemplos desse design são substâncias
adesivas inspiradas nas patas dos geckos (répteis escamados da família dos
lagartos), materiais que são limpos com a chuva, como as folhas de uma flor de
lótus, ou processos de produção em que não há desperdício como no ecossistema
de uma floresta.
No caso do trem redesenhado por Eiji Nakatsu, o
engenheiro não apenas reduziu o ruído, como também fez seu modelo ser 10% mais
rápido e usou 15% menos eletricidade do que as versões anteriores.
E, como destaca o The Biomimicry Institute, a
façanha foi possível graças às penas de uma coruja, ao abdômen de um pinguim e
ao bico de um martim-pescador.
Fonte: BBC Brasil