Em viagem pela Alemanha, a ex-presidente Dilma
Rousseff afirmou, em entrevista à Deutsche Welle nesta segunda-feira (13) em
Berlim, que o Brasil "precisa se reencontrar" e que o PT não deve ter
um espírito vingativo nas próximas eleições.
Dilma disse que seu governo foi vítima de um golpe,
mas que é hora de "perdoar a pessoa que bateu panela achando que estava
salvando o Brasil, e que depois se deu conta de que não estava". Ela
também afirmou que não vê problemas em alianças entre seu partido e figuras como o
senador Renan Calheiros.
No aspecto pessoal, a ex-presidente contou que
tenta manter a rotina de exercícios físicos e de tempo com a família. Também
não descartou voltar a concorrer a um cargo político. E, em meio à controvérsia envolvendo a declaração racista do
jornalista William Waack, afirmou: "O PT é coisa de preto, eu sou coisa de
preto."
DW Brasil: Como a senhora avalia a situação em que
o Brasil se encontra hoje?
Dilma Rousseff - O golpe
que sofri tem três fases. A primeira e inaugural é meu impeachment. A segunda é esse estrago que eles
estão provocando no Brasil, como a emenda que congela os gastos em saúde e
educação. Ou a reforma trabalhista, num país que há pouco tempo
saiu da escravidão, e esse processo de venda de patrimônio público. O terceiro
momento do golpe é inviabilizar o Lula e, aí, vender o pré-sal.
Sobre as eleições de 2018, quais são suas
expectativas?
Há uma maior percepção no Brasil de que o Lula está
sendo perseguido. Em que eu baseio essa afirmação? Se você olhar o
desenvolvimento das pesquisas, vai ver que está subindo a aprovação.
É a percepção do povo brasileiro de que ele foi o melhor presidente. Minha
esperança seria ele voltar. Na época do impeachment, eles [a mídia e os
adversários políticos] conseguiram colocar a rejeição a ele e ao PT lá em cima.
Eles apostam que o povo brasileiro é ignorante. Mas o povo brasileiro vai
percebendo esse grau de intolerância e de perseguição.
Como a senhora vê a aproximação do PT com o PMDB em
diversos Estados? O próprio ex-presidente Lula já afirmou que está
"perdoando os golpistas". Não é um tanto incoerente o PT denunciar um
"golpe" e voltar a se aliar com um partido que o teria traído?
Dificilmente nós faremos aliança com o PMDB em
nível nacional. Mas você vai falar que não pode fazer aliança com o [senador
Roberto] Requião? O Requião é do PMDB, e uma pessoa que combateu o golpe. Você
não vai fazer uma aliança com a Kátia Abreu? Ela foi outra que combateu o
golpe.
E figuras como o senador Renan Calheiros?
O Renan não trabalhou a favor do golpe.
Mas ele votou pelo impeachment.
Ele presidia [o Senado], não podia votar.
O voto final dele foi pelo impeachment.
Mas ele não trabalhou pelo impeachment. E essa não
é questão relevante. Não acho que perdoar golpista é perdoar o PMDB e o PSDB.
Acho que perdoar golpista é perdoar aquela pessoa que bateu panela achando que
estava salvando o Brasil, e que depois se deu conta de que não estava.
Uma hora nós vamos ter que nos reencontrar. Uma
parte do Brasil se equivocou. Agora isso não significa perdão àqueles que planejaram
e executaram o golpe. Você tem uma porção de pessoas que foram às ruas e que
estavam completamente equivocadas. Mas você não vai chegar para elas e falar
'nós vamos te perseguir'. Precisamos criar um clima de reencontro, entende? Não
vai ser um clima vingativo, não pode ser isso.
A política brasileira não está precisando de
renovação depois do impeachment? Não seria o momento de abrir espaço para novas
lideranças, especialmente na esquerda?
[Dilma gargalha] Isso se chama "como tirar o
Lula da parada". Tá entendendo?
Com o impeachment o PSDB acabou, sumiu. O que os
conservadores conseguiram produzir? Produziram a extrema direita, o MBL
[Movimento Brasil Livre] e o [Jair] Bolsonaro. E o que ainda é novo no Brasil?
O gestor incompetente, tipo o Trump? O João Dória? Ou você deseja a política de
animação de auditório como política social, que é o Luciano Huck? Isso é o
novo?
Sabe o que eu acho que é o novo? Esse foi um
pensamento que tive depois do caso do William Waack. Você sabe o que é coisa de
preto? O PT é coisa de preto. O Lula é coisa de preto. Nós somos coisa de
preto. Eu sou uma coisa de preto.
Como está sendo sua rotina um ano após o
impeachment?
É uma rotina que depende de onde estou, seja em São
Paulo ou em Berlim. Participo de aulas, debates, conferências, caravanas
–estive na do nordeste e na de Minas Gerais. Sempre que posso faço minha
atividade física, ando de bicicleta, pelo menos 50 minutos por dia.
Quando estou em Porto Alegre fico com meus netos,
às vezes, levo para dormir na minha casa. Criança tem uma energia inesgotável e
não temos mais a mesma energia. Mas ser avó tem esse mérito: a gente estraga
bastante e depois devolve para a mãe.
Não parece existir no Brasil um papel bem definido
de ex-presidente, como nos EUA e em alguns países europeus. Que tipo de
ex-presidente a senhora vai procurar ser?
O presidente só tem direito à segurança e uma
pequena assessoria. Em algum momento, vão ter que discutir qual é a proteção
que tem um ex-presidente, a física, a legal, não acho que um ex-presidente
possa voltar a trabalhar na iniciativa privada. Acho que isso é incompatível
com o ex-presidente. Vai ter que definir o que é. Nos EUA, está estipulado.
A senhora vai ser uma ex-presidente que vai
procurar novos mandatos políticos?
Não vou deixar de fazer política porque sou
ex-presidente ou não tenho um mandato eletivo. Fiz política minha vida inteira,
eu estive presa não era porque eu era técnica, ninguém vai para a prisão por
ser técnico. Fiz política a vida inteira e não precisei de mandato parlamentar
para continuar fazendo, obviamente num ritmo compatível com a minha idade.
Então pretende mesmo voltar a se candidatar a algum
cargo?
Não descarto, mas ainda não pensei de maneira séria
sobre o assunto. No Brasil, se eu falar que não vou me candidatar e depois
mudar de ideia, vou ter que dar um chá de explicações. Contemplo a
possibilidade para não ter que dar explicação.
A senhora acha que a história vai lhe dar razão?
A história no Brasil tem sido rápida. Ela já está
me dando razão. Eduardo Cunha, que presidiu meu impeachment, foi afastado,
suspenso, condenado a nove anos e está preso. Vários processos mostram que ele
comprou deputados. Também foi comprovado que os motivos alegados para o
impeachment eram ridículos, que não pratiquei nada ilegal.
Alegaram que o impeachment ia resolver a crise
econômica e política, mas essas crises só se aprofundam. O atual presidente
usurpador já foi denunciado duas vezes, e o senador Aécio Neves também, ambos
enfrentam provas cabais e gravações. Mas essas duas pessoas continuam em seus
cargos, enquanto duas outras [Dilma e Lula] são acusadas apenas por terem sido
presidentes.
Fonte:
www1.folha.uol.com.br