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Thinkstock Image caption Processos no STF caminham mais lentamente do que na
vara de Sergio Moro, que já condenou 87 pessoas
A primeira fase da Operação Lava Jato foi
deflagrada em março de 2014. Passados três anos, as denúncias se acumulam, mas
nenhum político com foro privilegiado foi condenado no Supremo Tribunal Federal
(STF). Apenas quatro viraram réus.
Na tentativa de afastar críticas de intervenção na
operação, o presidente Michel Temer prometeu, na segunda-feira, que afastará
definitivamente ministros do seu governo que venham a ser processados dentro da
Lava Jato - mas como os números mostram, pode demorar muito para que isso
eventualmente ocorra.
Em contraste, o juiz Sergio Moro já condenou 87
pessoas, algumas mais de uma vez, por diferentes crimes, totalizando 125
sentenças. Entre eles estão políticos sem mandato e que, portanto, perderam o
foro, como o ex-ministro José Dirceu (PT) e o senador Gim Argello (ex-PTB).
A grande diferença de ritmo das duas instâncias do
Judiciário causa controvérsia. De um lado, há quem veja na suposta lentidão do
Supremo uma janela aberta para a impunidade. De outro, críticos do trabalho de
Moro acreditam que o juiz estaria atropelando as garantias dos acusados ao
acelerar os processos.
Entenda em cinco pontos o que explica essa
diferença:
1) STF não julga apenas a Lava Jato
Uma vara criminal de primeira instância, como a do
juiz Sergio Moro em Curitiba, cuida apenas de processos penais.
Já o Supremo Tribunal Federal é a corte mais
importante do país e tem como função principal garantir a aplicação da
Constituição Federal.
Simultaneamente aos casos da Lava Jato envolvendo
políticos com foro, o Supremo julga, todas as semanas, dezenas de outras ações,
muitas delas urgentes.
Nos últimos anos, por exemplo, o STF tomou diversas
decisões sobre o andamento do processo de impeachment contra a presidente Dilma
Rousseff. Também tem se debruçado sobre questões como direito de greves de
funcionários públicos, fornecimento de remédios pelo Estado, consumo de drogas,
entre outras.
imagem Lula Marques/AGPT Image
caption Principal função do STF é garantir a aplicação da Constituição Federal
"Todo processo no Supremo tende a ser mais
demorado do que numa vara comum. Não só o número de processos é enorme para
cada um dos onze ministros, como também são processos com uma complexidade que
nenhum outro juiz se depara", afirma o procurador de Justiça da Bahia
Rômulo de Andrade, professor de Direito Processual Penal da Universidade
Salvador.
Diante disso, os juristas ouvidos pela BBC Brasil
foram unânimes em defender mudanças no regime de foro privilegiado, para
desafogar o Supremo. Na opinião deles, o foro é importante para evitar
perseguições políticas contra autoridades assim como pressões de investigados
poderosos sobre juízes de primeiro grau. No entanto, dizem, há pessoas demais
com foro no Brasil e isso deveria ser reduzido.
Existem várias propostas sendo debatidas no meio
jurídico, mas uma mudança teria que ser aprovada no Congresso.
"Eu não vejo perspectiva nenhuma de mudar (o
regime de foro privilegiado). Você acha que o Congresso vai mudar para
prejudicar a si próprio? Não vai", disse o jurista Miguel Reale Júnior, um
dos autores do pedido de impeachment que levou à cassação da presidente Dilma
Rousseff.
2) Juiz exclusivo da Lava Jato
Enquanto o STF tem que julgar os mais diferentes
assuntos, Sergio Moro se dedica exclusivamente à Lava Jato. Desde fevereiro de
2015, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) suspendeu a distribuição
de outros casos para sua vara. Moro recebe apenas processo ligados à Lava Jato,
enquanto novas ações relacionadas a casos antigos de sua vara são distribuídos
para sua juíza substituta Gabriela Hardt.
imagem Reuters Image caption O
juiz Sérgio Moro se dedica exclusivamente à operação Lava Jato
Se por um lado essa exclusividade contribui para
dar mais celeridade aos processos, por outro gera críticas de desrespeito ao
"princípio do juiz natural", que prevê que processos devem ser
distribuídos para juizes pré-determinados em lei, evitando direcionamentos.
Mesmo crimes cometidos fora do Paraná, por serem investigados pela Lava Jato,
acabam na mesa de Sergio Moro.
"Virou uma vara totalmente da Lava Jato, o que
é incomum", observa o advogado Gustavo Badaró, professor de direito
processual penal da USP.
3) Análises coletivas são mais lentas
Mais um fator que explica a agilidade maior do juiz
Sergio Moro, observa a subprocuradora-geral da República, Ela Wiecko, é que ele
toma decisões individualmente. Já no Supremo as decisões são coletivas e é
preciso que o processo seja pautado para análise de uma das turmas (cinco
ministros cada) ou do plenário (onze ministros), a depender do cargo da
autoridade.
No Supremo, após a abertura do processo, além de um
ministro atuar como relator, outro é designado como revisor. O caso só é
julgado quando ambos concluem seus votos e, na hora do julgamento, outros
ministros podem pedir vista, suspendendo o desfecho.
4) Réus confessos x necessidade de investigação
Outro elemento que agiliza o trabalho de Sergio
Moro é que muitos réus da sua vara fizeram acordo de delação premiada. Esses
delatores assumem seus crimes e abrem mão de recursos durante o processo,
observa Badaró.
Segundo o Ministério Público Federal do Paraná, das
87 pessoas condenadas por Moro até o momento, 37 eram delatores.
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caption Decisões coletivas entre os membros do STF costumam demandar mais tempo
Já no STF, os políticos investigados são, na sua
maioria, acusados em delações. Dessa forma, só é possível abrir processos contra
eles e eventualmente condená-los após a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral
da República (PGR) investigarem e conseguirem provar o que dizem os delatores.
"São centenas de casos e a gente percebe que a
PGR está muito onerada", afirma Ela Wiecko, que até agosto era vice do
procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
A PGR informa que, desde o início da Lava Jato, já
investigou ou investiga 413 pessoas com direito a foro privilegiado. Parte dos
inquéritos foi encerrada por falta de evidências suficientes de crime, enquanto
outras investigações ainda estão em andamento.
Segundo balanço feito em dezembro pelo STF, a PGR
apresentou até agora 16 denúncias contra autoridades com foro na Lava Jato.
Dessas, cinco foram recebidas e tornaram réus a senadora Gleisi Hoffmann (PT),
os deputados Nelson Meurer (PP) e Aníbal Gomes (PMDB) e o ex-presidente da
Câmara Eduardo Cunha (PMDB). Após sua cassação, porém, os dois processos contra
Cunha foram remetidos à vara de Moro.
Já o Ministério Público Federal do Paraná informou
que, dentro da Lava Jato, investiga cerca de mil pessoas e que já apresentou
260 denúncias. O órgão disse que a maioria levou a abertura de processos, mas
não soube precisar quantos réus aguardam julgamentos em Curitiba.
5) Agilidade de Moro: eficiência ou atropelo?
A agilidade que Moro imprime aos processos é mais
um fator que acentua a diferença de ritmo da Lava Jato na sua vara e no
Supremo, afirmam os juristas ouvidos pela BBC Brasil. Eles divergem, porém,
sobre se isso é positivo ou não.
"Independentemente da qualidade do serviço,
isso fica a juízo de cada um, Sergio Moro é um juiz extremamente operante. Tem
um ritmo de trabalho muito elevado, certamente muito maior do que a média dos
juízes de primeiro grau", afirma Badaró.
"É claro que uma Justiça que tarda é uma
Justiça falha, mas isso não significa que julgamentos sumários sejam bons. Se o
processo respeitar os prazos necessários para a defesa, ele tramitar numa
velocidade adequada é sempre melhor do que numa velocidade lenta", ressaltou
ainda.
Para Reale Júnior, o fato de o TRF-4 (segunda
instância da Justiça Federal), vir mantendo a maioria das condenações de Moro
indica que suas decisões estariam corretas. Segundo levantamento recente do
jornal Folha de S. Paulo, o tribunal julgou recursos referentes a 23
condenações - desse total, 16 penas foram mantidas ou aumentadas.
"Existem provas, não houve exesso acusatório
nos processos", afirma Reale.
Já a subprocuradora Ela Wiecko considera que Moro
adota uma postura de "combate ao crime" que não é correta para um
juiz, que "deve olhar os dois lados".
Na sua opinião, Moro "pesa a mão" aos
fazer interpretações "muito amplas" do que são organizações
criminosas ou ações de obstrução da Justiça. É comum que ele mantenha
executivos e políticos presos por longos períodos mesmo sem terem sido
condenados sob a justificativa de que podem atrapalhar investigações.
"A mão está pesada demais e isso é perigoso,
viola as garantias (dos acusados)", afirmou.
Já o procurador Rômulo de Andrade, outro crítico do
trabalho de Moro, considera que o alto número de prisões preventivas decretadas
por ele acaba exigindo que imprima maior velocidade aos processos.
"Ele tem que agilizar porque ele prende muito
provisoriamente. Se não, corre o risco de algum tribunal superior reconhecer o
excesso da prisão preventiva e determinar a soltura", ressalta.
Na semana passada, o ministro do STF Gilmar Mendes
criticou Moro e disse que a corte tem que se manifestar. "Temos um
encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba. Temos
que nos posicionar sobre esse tema, que conflita com a jurisprudência que
construímos ao longo desses anos", afirmou.
Ao longo de 37 fases da Lava Jato, Moro decretou 79
prisões preventivas. Atualmente, 22 ainda estão presos nessa modalidade, entre
eles Cunha, o ex-ministro Antônio Palocci e o ex-governador do Rio Sergio
Cabral.
Fonte: BBC Brasil