domingo, 12 de fevereiro de 2017

A pouco conhecida 'origem árabe' da Estátua da Liberdade




imagem Getty Images Image caption Baseada nos EUA, a Estátua da Liberdade foi um presente da França - e originalmente pode ter sido idealizada para um país árabe
A Estátua da Liberdade, um dos grandes símbolos dos EUA, desde 1886 "guarda" a entrada de Nova York pelo mar.
O monumento, que a França deu de presente aos Estados Unidos como parte das comemorações pelo primeiro centenário da independência americana, rapidamente se transformou em um símbolo de esperança para os imigrantes, que já naquela época chegavam aos montes ao país.

A obra, mais especificamente o poema gravado em sua base, que fala em solidariedade e acolhimento, voltou ao imaginário americano depois da publicação dos controversos planos do presidente Donald Trump para a imigração, em especial sua tentativa de vetar a entrada de indivíduos de sete países majoritariamente muçulmanos - que atribui a questões de segurança.
Essa medida, bloqueada pela Justiça, também trouxe à tona um detalhe pouco conhecido - e irônico - do passado da estátua: a obra do escultor francês Frédéric Bartholdi, afirma o professor de história da Universidade de Nova York Edward Berenson, tinha como objetivo representar uma mulher árabe.


imagem Hulton Archive Image caption A ideia de Bartholdi foi inspirada pelo Colosso de Rodes, mas usando uma mulher
Bartholdi trabalhou durante anos no projeto de uma gigantesca estátua, no moldes do Colosso de Rodes (uma das antigas Sete Maravilhas do Mundo), para celebrar a abertura do Canal de Suez, no Egito.
"Seria uma estátua localizada na entrada do canal, segurando uma tocha sobre sua cabeça. Uma mulher, vestida com o traje tradicional de camponesa árabe", explicou Berenson ao programa de rádio The World, uma parceria da emissora PRI e a BBC.

'Reciclagem'
Por falta de fundos, o projeto egípcio nunca saiu da papel. Mas o acadêmico americano, autor de um livro sobre a história da Estátua da Liberdade, afirma que o escultor francês encontrou uma forma de "reciclar" o projeto.

 
imagem Getty Images Image caption Frédéric Bartholdi sempre garantiu tratar-se de um projeto original
"Bartholdi e seus amigos já tinham decidido dar um presente aos EUA como forma de celebrar o centenário da independência, e ele teve a ideia de reutilizar a imagem, mas com algumas mudanças", explica o historiador.

Berenson explica que o francês basicamente adaptou os trajes árabes do desenho original para transformar a mulher em uma divindade greco-romana.
O livro A Estátua da Liberdade, do historiador e bibliotecário Barry Moreno, traz várias imagens dos modelos do escultor francês que sugerem uma clara conexão entre o projeto original, chamado O Egito Levando a Luz à Ásia, e o projeto da estátua que hoje é um dos símbolos em Nova York.


imagem James W. Todd Image caption Algumas das maquetes usadas por Bartholdi para a estátua em Suez
Apesar disso, Robert Belot e Daniel Bermond, biógrafos de Bartholdi, dizem que o escultor sempre insistiu que a mais conhecida de suas estátuas era uma obra original.

Objeto de controvérsia
Berenson especula que Bartholdi já sabia que a ideia de uma estátua de uma mulher árabe em plena Nova York era um problema, mesmo que ainda fosse o século 19.


imagem AFP Image caption A estátua dá as boas-vindas a quem chega a Nova York de barco
"O fato é que mesmo a proposta de uma liberdade greco-romana foi duramente rechaçada por todo tipo de gente nos EUA, pois não havia a tradição de monumentos públicos e a simbologia greco-romana não era muito reconhecida", explica o historiador.
"E se uma imagem ocidental já era controversa, o uso de uma imagem oriental poderia ter feito o projeto ser rejeitado totalmente." 


imagem Getty Images Image caption A estátua tem mais de 46 metros de altura, sem contar o pedestal
Esta não foi a única mudança feita por Bartholdi. Os primeiros desenhos da Estátua da Liberdade traziam a deusa carregando correntes quebradas, além da tocha.
"É bastante provável que o simbolismo original estava vinculado à abolição da escravidão", diz Berenson.
"Mas quando Bartholdi construiu a estátua, nos anos 1880, a escravidão era apenas uma memória (foi abolida em 1865). Por isso, escolheu-se uma imagem menos polêmica", explica o acadêmico, referindo-se à substituição das correntes por placas com a data de independência dos EUA (4 de julho de 1776).

Contradições
As correntes, porém, não foram totalmente abandonadas - estão aos pés da estátua, em cujo pedestal há ainda a gravação do poema The New Collossus, de Emma Lazarus, famoso pelos versos "Dê-me seus cansados, seus pobres/Suas massas ansiosas por respirar em liberdade".
Berenson não crê que a conexão árabe - e possivelmente muçulmana - seja necessária para se fazer notar as contradições entre as políticas de Trump e os ideais que a estátua sempre simbolizou.


imagem Getty Images Image caption Monumento é um símbolo da tolerância e solidariedade para americanos
"É algo muito triste, pois a estátua sempre representou boas-vindas para as pessoas fugindo do sofrimento ou buscando refúgio."
"E todos conhecem o poema e Emma Lazarus".
"Mas agora parece que estamos rechaçando esses rendidos e pobres."

Fonte: BBC Brasil