Para relator da ONU,
PEC 55 será um "revés" às crianças brasileiras
Caso
aprovada definitivamente, a PEC 55, que limita o crescimento dos gastos
públicos nos próximos 20 anos, pode pesar sobre os mais pobres e levar a
prejuízos na competitividade do Brasil no mercado global por causa do corte de
investimentos - o que não seria uma medida inteligente para o país no longo
prazo.
Essa
é a avaliação de Philip Alston, relator especial de Direitos Humanos das Nações
Unidas. Ele conversou com a BBC Brasil após a ONU divulgar um comunicado no
qual critica a proposta e afirma que o plano do governo Michel Temer para
tentar recuperar a economia violará os direitos humanos e obrigações assumidas
internacionalmente pelo país.
Para
Alston, a medida é "um retrocesso que teria impacto negativo para as
gerações futuras" e não seria uma solução inteligente para a economia do
país.
"Atualmente
o Brasil já não está investindo dinheiro suficiente em educação e, se ficar
preso em um ciclo de diminuição de investimento, isso significará um revés não
apenas às crianças brasileiras, mas também para a competitividade global do
país."
Questionado
após a publicação do relatório, o governo rebateu as críticas da ONU e do relator
e afirma que a PEC é "necessária para conter o agravamento da crise".
Como
se trata de uma alteração na Constituição, a medida precisa ser aprovada em
quatro votações - duas vezes na Câmara dos Deputados e duas vezes no Senado.
Falta apenas o último aval dos senadores para que a medida possa ser sancionada
por Temer. Essa votação está prevista para o dai 13/12/201.
'Pressa e alarmismo'
O
representante da ONU reconhece a necessidade de mudanças, mas questiona a
extensão da medida e critica a pressa com a qual a PEC estaria sendo imposta à
sociedade brasileira.
"Não
acho que qualquer pessoa esteja negando a necessidade de haver mudanças
significativas nas políticas econômicas, mas colocar todo o peso basicamente
sobre os mais pobres e não buscar um pacote mais complexo de forma aberta e
transparente não é uma forma democrática de fazê-lo. Não é consistente com as
obrigações de direitos humanos."
Procurado
para responder às críticas, o Ministério da Fazenda, por intermédio do Itamaraty,
afirmou que a pressa "é justificável e a proposta foi discutida desde
junho, quando foi apresentada ao Congresso". Ainda de acordo com o
governo, o processo todo deve ter a duração de seis meses.
Image copyright Lula
Marques/ AGPT Image caption Reunião de comissões do Senado para discutir a PEC
55
Defensores
da PEC 55 argumentam que o congelamento dos gastos é necessário para sinalizar
aos investidores internacionais que o Brasil está comprometido em conter os
custos públicos de forma consistente e contínua. Mas Alston interpreta a medida
de outra maneira.
"Dificilmente
isso é pragmático. Isso é radical e, eu diria, até ideológico. Tentar amarrar
as mãos de todos os governos dentro dos próximos 20 anos não é simplesmente
mandar um aviso para os mercados. É mandar uma mensagem ao povo sobre os
valores básicos que esse governo apoia", criticou o relator da ONU.
"Uma
coisa é fazer isso nesse mandato, outra é tentar fazer isso pelos próximos
governos. Eu penso que isso é completamente inaceitável".
O
ministério da Fazenda, no entanto, afirma que as contas não fecham e
"somente um controle poderá reverter um agravamento da crise" e os
defensores da medida argumentam que o regime de contenção é necessário para
afastar o fantasma da inflação e atrair mais capital estrangeiro.
"A
dívida pública está em um caminho insustentável e falta de ajuste fiscal
resultará em hiperinflação. Há 12 milhões de desempregados no Brasil atualmente
e outros 10 milhões que não trabalham tanto quanto gostariam", diz a nota enviada
pelo ministério da Fazenda.
O
representante da ONU, no entanto, discorda da justificativa.
"O
que eles estão falando aqui não são os níveis atuais da inflação, mas o medo do
futuro. Isso é o que chamamos de alarmismo. Em outras palavras, estão
inventando cenários possíveis para poder justificar ações radicais, mas isso
não é uma base apropriada para a criação de políticas públicas".
Para
o relator da ONU, as lideranças políticas brasileiras estão pressionando por
uma aprovação apressada, que não representa os interesses da maioria da
população, situada nas classes média e baixa. Essa "pressa", segundo
ele, denotaria a falta de legitimidade do projeto.
"Justificar
uma política radical como essa exige um debate público extenso, com debate e
informação acessível ao público, para que eles entendam quais são as consequências,
para que entendam qual é a necessidade real, para que entendam realmente que
corte de gasto será feito, para só então tomarem uma decisão razoável e
democrática".
"Forçar
isso em tão pouco tempo, com base na desinformação e no contexto de um governo
cuja legitimidade é limitada pelas circunstâncias eleitorais, me parece
profundamente problemático."
Agência Brasil Image
caption Estudantes fazem manifestação contra a PEC; para relator da ONU,
educação ficará prejudicada
Acordos internacionais
Alston
afirma que a imposição da PEC 55 sob a população é uma violação da Convenção
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo
Brasil em 24 de janeiro de 1992.
"Certamente,
de uma perspectiva de defesa dos direitos humanos, a aprovação da PEC vai
diretamente contra o princípio da não-regressão. Se você vai dar significativos
passos para trás, você precisa justificar com muita cautela as razões por que
isso é necessário e por que não há alternativas. Nesse caso não há uma análise
assim, há apenas a afirmação de que empresas e o mercado irão dar boas-vindas à
austeridade".
Para
ele, a PEC 55 "claramente viola as obrigações do Brasil" na
Convenção. Entre elas, a de "não tomar medidas deliberadamente retrógradas
a menos que não haja outras opções alternativas e uma consideração completa
tenha sido feita para garantir que as medidas são necessárias e
proporcionais".
O
governo, no entanto, não considera a aprovação uma violação à Convenção. Para o
ministério da Fazenda, a medida seria "apenas uma regulamentação fiscal,
como qualquer outra dotada por diferentes países do mundo".
O
professor de direito internacional da PUC-SP Cláudio Finkelstein, afirma que,
caso a PEC seja aprovada, há a possibilidade de se acionar o Brasil nas cortes
internacionais por descumprimento do tratado.
"Existem
diversos pactos internacionais e todos os direitos humanos estão em pé de
igualdade. Quando se fala de uma PEC dessa natureza, isso envolve todos os
gastos públicos", resume.
Image copyright Valter
Campanato/ABr Image caption Diretora de educação do Banco Mundial diz que
medida pode prejudicar qualidade do ensino
Educação
Apesar
das críticas da ONU, a PEC tem sido bem recebida por outras organizações, como
o Fundo Monetário Internacional. No relatório mais recente sobre o Brasil,
publicado em novembro, o FMI afirma que a PEC é necessária e adianta que os
cortes não devem parar por aí.
"A
aprovação e rápida implementação de limites nos gastos poderia ajudar a
melhorar a trajetória de longo-prazo do gasto público e permitir a
estabilização e eventual redução da dívida pública em porcentagem do Produto
Interno Bruto".
O
documento acrescenta ainda que seria necessário "acabar com o
pré-destinamento de verbas" para setores como saúde e educação.
Para
Alston, que recebeu apoio da relatora especial da ONU para educação, Koumbou
Boly Barry, isso é um "contrassenso em relação às conclusões contidas em
outros estudos econômicos publicados pelo FMI.
"O
que realmente é chocante para mim é que se você olhar a análise do Fundo
Monetário Internacional eles preveem que isso (o congelamento dos gastos) será
problemático e eles não veem isso necessariamente como uma solução para os
problemas do Brasil."
O
governo vem negando que saúde e educação serão prejudicadas com a aprovação da
PEC.
"A
proposta afetará apenas 20% das despesas com ensino porque os cortes estão
relacionados a gastos federais e a maior parte dos gastos com educação são
assumidos pelos Estados", afirma em nota o ministério da Fazenda.
A
diretora global de educação do Banco Mundial, Cláudia Costin, afirmou que a
medida pode prejudicar um dos mecanismos necessários para garantir a qualidade
do ensino: o pagamento de bons salários a professores.
"Nesse
ponto infelizmente a PEC 55 deve atrapalhar. Porque congelar a forma como
gastamos hoje não vai resolver o problema dos salários."
Fonte: BBC Btasil