Os brasileiros vão precisar trabalhar por mais
tempo para garantir a aposentadoria.
Esse foi o recado principal do governo ao detalhar
nesta terça a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que inclui uma Reforma da
Previdência Social.
O texto foi enviado na segunda à noite ao
Congresso, onde precisa ser aprovado. Segundo o presidente Michel Temer, as
novas regras vão ajudar a manter a sustentabilidade das contas públicas diante
de um buraco crescente do setor previdenciário.
Entre as principais alterações estão o tempo mínimo
de contribuição à Previdência, que passa de 15 anos para 25 anos, e a idade
mínima de aposentadoria para homens e mulheres, fixada em 65 anos. Mudam também
as normas para a pensão por morte e aposentadoria rural.
Diante de tantas modificações, os brasileiros se
perguntam: elas são rígidas demais ou estão dentro de um padrão razoável?
Especialistas entrevistados
dividem-se sobre o tema. Parte deles considera que os 65 anos representam um
limite duro para um país em desenvolvimento, onde a expectativa de vida não é
das mais altas. Outros, no entanto, argumentam que grandes economias já tinham
adotado uma idade mínima - e que o Brasil demorou a fazê-lo.
Conheça abaixo os principais pontos da proposta e
as análises sobre ela.
Image copyright AP Image caption Reforma
da Previdência é uma das apostas de Meirelles e Temer para conter rombo nas
contas federais
Idade mínima e tempo de
contribuição
Hoje, os brasileiros podem se aposentar por idade
ou por tempo de contribuição.
No primeiro caso, os homens precisam ter 65 anos e
mulheres, 60 - ambos devem ter contribuído por pelo menos 15 anos. No segundo,
não há idade mínima exigida e basta que homens tenham contribuído por 35 anos e
mulheres, 30.
Com a reforma, o tempo mínimo de contribuição passa
para 25 anos e o de aposentadoria, para 65. Os fatores, portanto, passam a ser
conjuntos: é preciso preencher os dois requisitos para receber o benefício.
Nesses termos, quem se aposentasse receberia 76% da
média dos salários de contribuição, acrescidos de um ponto percentual para cada
ano de contribuição. Para chegar a 100% desse valor, sempre respeitando o teto
de R$ 5.189 do INSS, uma pessoa teria que trabalhar 49 anos.
O professor de economia da FEA-USP José Roberto
Savoia considera tais condições excessivas. Ele diz que em países
desenvolvidos, como Alemanha e França, é possível chegar aos 100% da média de
contribuições em 43 anos.
A diferença fica ainda mais gritante quando são
comparadas as expectativas de vida ao nascer. No Alemanha, por exemplo, a dos homens
é de 77 anos. No Brasil, o número fica em 71,9.
"Quase 50 anos é muito puxado para a realidade
brasileira. (Com as novas regras), se alguém começa a trabalhar aos 18 anos,
tem que ir até os 68 para ter o benefício integral."
De acordo com Savoia, muitos dos que conseguem um
emprego cedo não contribuem por tanto tempo porque ficam, em algum momento,
fora do mercado formal. Hoje, essas pessoas, normalmente de classes mais
baixas, se aposentam por idade - aos 65 anos para homens e 60 para mulheres, e 15
anos de contribuição. Com as novas regras, precisarão comprovar os 25 anos de
contribuição.
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caption Proposta impediria que pessoas com menos de 25 anos de contribuição se
aposentassem
Além da informalidade, a proposta de reforma não
levou em conta outras transformações do mercado de trabalho, diz Jorge Félix,
professor convidado da USP e autor de vários livros sobre o assunto.
Ela afirma que, para reduzir os custos, muitas
empresas estão cortando os salários mais altos, demitindo pessoas com mais de
40 anos, que não conseguem voltar ao mercado e param de contribuir.
Félix também cita a precarização das vagas, fazendo
com que muitos brasileiros não tenham a carteira a assinada e também parem de
contribuir para a Previdência.
"A idade mínima penaliza os mais pobres, que
começaram a trabalhar mais cedo sem registro e não podem comprovar os 25 anos.
E também a geração Y, que já está sofrendo com a fragilização do mercado. Vamos
criar um exército de pessoas que não vão conseguir se aposentar."
Por outro lado, os 65 anos são considerados
"bem razoáveis" pelo professor de economia da FGV e PUC-SP Nelson
Marconi.
Ele diz que, com os novos padrões, o governo vai
privilegiar quem entra mais cedo no mercado. Segundo o professor, cria-se um
incentivo para que as próximas gerações comecem a contribuir quando jovens.
"Alongar o período de contribuição é
necessário, porque a população está envelhecendo."
Image copyright Volkswagen do
Brasil Image caption Medidas adiariam aposentadoria de quem começa a trabalhar
cedo - seria obrigatório esperar até os 65 anos
Na mesma linha, o professor de Contabilidade da USP
Luís Eduardo Afonso afirma que a mesma idade mínima é usada em outros países da
América Latina e Europa, e acrescenta que, dada a situação das contas públicas,
o governo demorou para sugerir a medida.
Ele elogia o aumento de 1% no valor do benefício a
cada ano de contribuição.
"É um incentivo para que os brasileiros adiem
a aposentadoria, o que dá um alívio para o sistema. A importância (de
contribuir) vai ficar mais clara na cabeça das pessoas."
Ele concorda que os mais pobres serão afetados, mas
diz que apenas no médio prazo.
"É provável que um grupo que conseguiria
comprovar os 15 anos de contribuição (na regra atual) vai ter que trabalhar
mais para comprovar o período adicional."
Segundo Afonso, os brasileiros de renda mais alta -
que hoje entram no mercado cedo, se aposentam por tempo de contribuição e
normalmente param de trabalhar aos 50 e poucos anos - serão os mais prejudicados.
No novo cenário, terão que esperar até os 65 anos.
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caption Regime de militares não é citado na reforma
Regras de transição
Se aprovadas no Congresso e sancionadas por Temer,
as novas regras não valerão para todos os brasileiros. Quem recebe o benefício
ou já preenche todos os requisitos para se aposentar não será afetado.
Já homens que têm mais de 50 anos e mulheres com
mais de 45 entrarão no grupo de transição, que seguirá normas intermediárias.
Eles pagarão um "pedágio" de 50% do tempo
de contribuição que ainda falta, de acordo com as regras atuais: 30 anos de
contribuição para mulheres e 35 para homens ou 60 anos de idade para mulheres e
65 anos para homens, com 15 anos de contribuição.
Hoje, um homem de 50 anos e 33 de contribuição
precisa de mais dois anos para receber o benefício. Com o "pedágio"
de 50%, o tempo aumentaria para três anos.
Para o professor Jorge Felix, a transição vale para
um conjunto muito restrito, que está à beira de se aposentar com todos os anos
de contribuição comprovados. Mas voltaria a excluir os informais ou os
desempregados, que perdem nessa conta.
"Uma parcela minúscula teve tanta estabilidade
para se beneficiar dessa condição."
Já Luís Eduardo Afonso, da USP, vê padrões que poderiam
ser ainda mais rigorosos e diz que o Brasil já fez coisas parecidas em outras
tentativas de reforma.
"Talvez o governo tenha colocado uma transição
menos dura do que gostaria, até pelas reações que poderia causar. Essa está no
meio termo."
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caption Proposta do governo foi explicada por Marcelo Caetano, secretário do
Ministério da Fazenda
Servidores públicos e militares
Se aprovada, a Reforma da Previdência vai equiparar
os direitos e benefícios de trabalhadores do setor privado e do público.
Ficarão sujeitos às mudanças os funcionários públicos que tenham menos de 45
anos (mulheres) ou 50 anos (homens). Os que passarem dessa idade e ainda não se
aposentaram também terão que pagar o tempo adicional de 50%.
No caso dos servidores públicos com menos de 50
anos (homens) ou 45 anos (mulheres), e que ingressaram no serviço antes de
2003, será extinta a chamada "integralidade", o recebimento da
aposentadoria com base no salário integral do servidor.
Também está previsto o fim da "paridade",
que faz com que o benefício dos aposentados acompanhe os reajustes dados aos
servidores ativos.
Segundo os entrevistados, essas mudanças são
importantes para colocar todos os brasileiros no mesmo patamar, pelo menos no
aspecto previdenciário.
Os rombos da previdência do setor público e do INSS
- onde estão os profissionais da iniciativa privada - são semelhantes, ficando
na casa dos R$ 90 bi, mas o primeiro tem menos gente e salários muito mais
altos.
Apesar de aprovarem a medida, os economistas acham
que elas não terão um impacto tão grande no curto prazo.
"Para o futuro é perfeito, porque está dizendo
que não vai ter diferenciação, mas para o presente continua o deficit."
Eles questionam também o fato de militares, que
correspondem a 45% do rombo da Previdência dos servidores da União, terem
ficado de fora.
Os economistas apontam razões políticas, como o
forte lobby que o grupo tem no Congresso, para o governo evitar as medidas.
Fonte: BBC Brasil