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Images Image caption Cardeais redigiram a carta e a tornaram pública, em uma
manobra sem precedentes no Vaticano: Walter Brandmüller, Raymond Burke, Carlo
Caffarra e Joachim Meisner.
Uma rebelião anunciada. Um grupo de cardeais
manifestou publicamente preocupação com os ensinamentos do papa Francisco,
acusando o pontífice de causar confusão em relação a assuntos-chave para a
doutrina católica.
Em carta divulgada nesta semana, os sacerdotes
questionam o papa por encorajar a Amoris Laetitia (Alegria do Amor),
documento que é uma tentativa de abrir novas portas para católicos divorciados
e tornar a Igreja mais tolerante com questões relacionadas à família.
A rigor, a carta não é nova: os cardeais a enviaram
ao papa em setembro, com cinco perguntas específicas que exigem apenas um
"sim" ou um "não" como resposta. Eles querem esclarecer o
que consideram dúvidas ou imprecisões, no que diz respeito "à integridade
da fé católica ".
A novidade é que agora eles decidiram tornar seu
questionamento público.
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Images Image caption Setores mais conservadores da Igreja estão inquietos
diante das ideias mais liberais do Papa Francisco
Os religiosos, representantes de setores mais
conservadores do catolicismo, sugerem que o papa criou uma "grave
desorientação e confusão entre os fiéis". E pedem a ele uma resposta para
as "interpretações contraditórias" decorrentes de seu tratado sobre o
amor.
Pano de fundo
Assinada por quatro cardeais, a carta representa um
sinal claro de dissidência, que reflete o descontentamento dos setores mais
conservadores da Igreja.
Dos signatários, três são cardeais aposentados: os
alemães Walter Brandmüller e Joachim Meisner e o italiano Carlo Caffarra. O
americano Raymond Leo Burke, único que ainda está na ativa, é crítico frequente
do papa Francisco.
Eles afirmam que decidiram tornar a carta pública
após esperar dois meses por uma resposta do pontífice que nunca chegou.
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Publicado em abril, o documento, de 260 páginas, é fruto de três anos de
trabalho
Mas, por trás da carta, o que se observa é uma
rivalidade latente entre setores da Igreja, que já tinha sido esboçada em abril
deste ano, quando a Laetitia Amoris foi publicada.
Com 260 páginas, o tratado é um guia para a vida em
família e propõe que a Igreja aceite algumas realidades da sociedade
contemporânea.
Ao invés de fazer críticas, o documento convida os
sacerdotes a tratarem com compaixão, por exemplo, os católicos divorciados que
voltam a casar, dizendo que "ninguém pode ser condenado para sempre.
"
Trata-se de uma das tentativas mais contundentes do
papa Francisco em tornar a Igreja Católica mais aberta e inclusiva para seus
1,3 bilhão de fiéis no mundo.
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Images Image caption Cardeal Christoph Schonborn segura uma cópia da Laetitia
Amoris, considerada bem-vinda por muitos, mas insuficiente para outros
Alguns religiosos afirmam, no entanto, que a
Laetitia Amoris está cheia de imprecisões que dão origem a interpretações
contraditórias da doutrina católica.
De acordo com especialistas, os cardeais não
escolheram tornar a carta pública agora por acaso. A divulgação aconteceu logo
após o vazamento de uma correspondência do papa com os bispos de Buenos Aires,
sua terra natal, em que o pontífice sugere uma interpretação do seu tratado,
considerado uma "heresia" por um dos cardeais signatários.
Em particular, o polêmico capítulo oito de Amoris
laetitia, que fala da possibilidade dos divorciados que voltam a se casar
em cerimônias civis, sem conseguir a anulação da união religiosa, receberem a
comunhão.
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Images Image caption Aos divorciados que voltam a se casar no civil, a Igreja
proíbe a comunhão, que é parte central da liturgia católica
A Igreja proíbe a comunhão de divorciados há
séculos, por considerar como "irregular" ou ato de adultério toda
tentativa de se constituir um casal após uma separação, a menos que se abstenha
de relações sexuais e a convivência seja "como irmão e irmã".
A Amoris laetitia não altera a doutrina, mas
abre brechas para que os bispos de cada país a interpretem de acordo com a
cultura local e avaliem cada caso.
Para o papa Francisco, há fatores que limitam a
"responsabilidade e culpa" do divorciado, então a "Amoris
laetitia abre a possibilidade de acesso aos sacramentos da reconciliação e
da Eucaristia".
"Não há outra interpretação", informou o
pontífice, em sua carta aos bispos argentinos.
Aos olhos do público
A carta dos cardeais dissidentes, divulgada na
segunda-feira, questiona o papa especificamente sobre esta questão.
Eles o fazem por meio de dilemas, questões
teológicas que exigem uma resposta positiva ou negativa, e que são um mecanismo
para tirar dúvidas sobre temas relacionados aos sacramentos ou padrões morais.
O primeiro dilema questiona se, ao contrário do que
foi estabelecido por papas anteriores, "agora é possível perdoar" ou
"dar a comunhão a uma pessoa que, embora unida por um casamento, vive com
outra como marido e mulher", o que contradiz expressamente a encíclica do
papa João Paulo II de 1981.
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Images Image caption O alemão Joachim Meisner, um dos cardeais que assinaram a
carta
De acordo com os cardeais, a falta de resposta do
pontífice a essa e outras quatro questões levou à decisão de tornar a carta
pública, diante da sua "consciência de responsabilidade pastoral."
Os sacerdotes negam, no entanto, que se trate de um
ataque "conservador" contra setores "progressistas" da
Igreja, ou uma "tentativa de fazer política" ou de se rebelar contra
o papa.
As entrelinhas políticas
Para os teólogos mais conservadores, os
ensinamentos modernos do papa sobre as famílias e divorciados católicos são, em
parte, "sacrilégio" e "podem justificadamente ser considerados
hereges", como sinalizou Steve Skojec, cofundador e diretor da publicação
católica One Peter Five.
Eles veem o tratado como um movimento do pontífice
para afrouxar as normas morais que regem os fundamentos da Igreja.
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Images Image caption Raymond Burke, único cardeal que assinou a carta e segue
exercendo a função, foi nomeado pelo papa Bento 16 em 2010
Outros religiosos acreditam, no entanto, que a Amoris
laetitia não tem peso suficiente para alimentar uma revolta entre os
cardeais, muito menos o vazamento da correspondência do papa com os bispos
portenhos.
A verdade é que a carta dos cardeais não é a
primeira interpelação ao líder do catolicismo. Em julho, 45 teólogos e
sacerdotes assinaram outro documento, dirigido ao Colégio dos Cardeais,
exigindo esclarecimentos do papa Francisco.
Questões relacionadas ao divórcio - assim como à
homossexualidade, à educação sexual, à desigualdade econômica, à
responsabilidade no combate às mudanças climáticas e outros temas sensíveis
para a hierarquia católica - vêm expondo a cisão entre o papa e os setores mais
conservadores da Igreja.
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caption Para os grupos mais liberais, a reforma da Igreja está longe de ser a
ideal
"O papa não mudou a doutrina, mas abriu as
portas para uma maior conexão com os católicos em questões como o divórcio,
para que sejam analisados casos individuais", afirma a jornalista Caroline
Wyatt, responsável há muitos anos pela cobertura de temas religiosos na BBC.
"Os conservadores dizem, por sua vez, que o
papa abre caminho para um futuro caos, ao introduzir a ideia de que uma solução
única para todos não deve ser o caminho a seguir dentro da Igreja".
No outro extremo, diz Wyatt, estão os liberais,
também infelizes. Mas, neste caso, porque não consideram suficiente o processo
tardio de modernização da Igreja: esperam "algo que o papa nunca será
capaz de entregar."
Fonte: BBC Brasil