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Image caption Whindersson Nunes (à esq.), Felipe Neto e Ana de Cesaro:
brasileiros que ganham a vida (e fama) com vídeos no YouTube
Um bolo feito em garrafa PET, um papo sobre coletor
menstrual, um homem fantasiado de Wolverine e um jovem nordestino que entoa
"Qual é a senha do wi-fi?" no ritmo de "Hello", da cantora
inglesa Adele.
Por improvável que pareça, um fato une todos esses
elementos: são conteúdos que estão gerando dinheiro no Youtube e tornando a
gravação de vídeos para a plataforma uma atividade profissional.
No Brasil, 42% da população (85 milhões de pessoas)
costumam ver vídeos na internet - 82 milhões usam o Youtube, segundo pesquisa
do Google, dono da plataforma. De olho nesse público, produtores de conteúdo e
anunciantes transformam o site num verdadeiro mercado, com publicidade
específica e nichos de atuação.
E essa profissionalização já é tendência por aqui:
quatro das dez personalidades com mais influência no site de vídeos são
brasileiras, aponta estudo da Snack Intelligence.
Entre elas está Whindersson Nunes, piauiense de 21
anos, que ocupa a segunda posição da lista global com seu canal de piadas,
paródias (a de Adele é o maior hit) e imitações.
Felipe Neto (terceiro lugar), Julio Cocielo, do
CanalCanalha (sexta colocação), e Felipe Castanhari, do Nostalgia (sétima
posição), também aparecem nesse top 10 mundial do Youtube.
Para a pesquisadora Ana Paula Nunes, especialista
em mídia, cultura e informação pela USP, a popularidade do Youtube se explica
por fatores como facilidade de acesso e potencial de identificação da audiência
com os vídeos.
"A possibilidade de ver anônimos mostrando a
vida e produzindo conteúdo sobre o cotidiano cria uma identificação grande com
as pessoas, sobretudo entre jovens. As marcas perceberam essa tendência, e o
Youtube soube criar mecanismos para ganhar dinheiro em cima do conteúdo exposto
- colaborando para tornar o youtuber, de fato, uma profissão", avalia.
Para entender esse fenômeno, conversamos
com youtubers de diferentes posições na "pirâmide social" desse
universo: webcelebridades, pessoas que vivem do site mas não são famosos,
profissionais que ainda buscam renda nesse filão e quem tentou e desistiu.
Brincadeira de milhões
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Felipe Neto foi um dos pioneiros no mercado brasileiro de youtubers e fechou
negócio milionário com multinacional francesa
Pioneiro no universo de youtubers profissionais, o
carioca Felipe Neto, de 28 anos, lançou seus primeiros vídeos em 2010, enquanto
ainda trabalhava como designer gráfico.
Sem economizar palavrões, criticava personalidades
e produtos da cultura pop, numa pegada "politicamente incorreta",
como ele mesmo define. De Justin Bieber à saga Crepúsculo, passando por fãs de
Fiuk e da trilogia Cinquenta Tons de Cinza, quase ninguém era poupado.
"Produzi esses primeiros vídeos para mostrar
aos amigos, e eles cresceram despretensiosamente", relembra.
A história mudou quando Felipe fez a primeira
campanha publicitária. Um anúncio de chicletes lhe rendeu cerca de R$ 20 mil e
abriu os olhos do designer para o potencial de mercado em torno da plataforma.
"Apesar de o dinheiro ser pouco em relação ao
que se ganha hoje no Youtube, foi a maior quantia que já havia recebido na vida
até então", afirma Felipe, aos risos.
"Foi aí que vi que era absolutamente possível
transformar aquilo em meu emprego, que aquela forma de entretenimento cresceria
ainda mais e muito mais gente iria investir nesse ramo", diz ele, que
ainda em 2011 criou o canal de esquetes de humor Parafernalha.
O sucesso do Parafernalha - canal que tem hoje 8,5
milhões de inscritos e 1,3 bilhão de visualizações - levou Felipe a montar a
Paramaker, empresa de produção de conteúdo e atração de publicidade para o
Youtube.
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caption Aos 21 anos, Whindersson Nunes se tornou o maior youtuber do Brasil com
paródias, piadas e imitações
Dois anos depois, a firma já era a maior rede
brasileira de canais no Youtube, e Felipe a vendeu para a multinacional
francesa Webedia - especula-se que o valor da transação tenha ficado na casa
dos milhões.
Com a venda, Felipe, que também é ator, abandonou a
vida de empresário e retomou o foco no trabalho criativo. Grava vídeos
diariamente e cuida do roteiro à edição, mas sem o tom polêmico do início de
seu canal. "Hoje faço um humor mais leve e sutil, comento assuntos
cotidianos sem pôr o dedo na ferida."
Olhando para trás, o youtuber diz ter feito o
"dever de casa". "Observei que o Youtube poderia oferecer ao
jovem do Brasil algo que a TV não faria: inovação, politicamente incorreto,
críticas. Fiz investimentos com base em estudos que apontaram para essas
tendências. Ainda bem que deu certo", afirma.
Mas dá para ganhar dinheiro?
Casos como os de Felipe Neto e Whindersson Nunes
podem dar a impressão de que o Youtube é uma mina de ouro e um trampolim para a
fama, o que não é necessariamente verdade - mesmo para quem consegue viver da
plataforma.
Para o ex-publicitário Pablo Peixoto, 38 anos, do
canal de cultura pop "Qu4tro Coisas" (168 mil seguidores), não é
preciso "estourar" para ser profissional do segmento.
"A internet é como o futebol: nem todo mundo
será o Neymar, mas muitos viverão - e bem - daquilo. Sou uma espécie de classe
média do Youtube, que nunca virou celebridade, mas consegue sua renda de seu
conteúdo online. Hoje ganho mais do que quando trabalhava em agência, mas
trabalho mais também", afirma Peixoto.
No canal, Pablo faz críticas de filmes e séries, unboxings
(vídeos em que desembala e avalia produtos), listas, resenhas, esquetes e
entrevistas.
Um campeão de audiência são os quadros de
"cospobre" (referência ao cosplay, prática de se caracterizar como
personagens), em que o youtuber usa recursos toscos para se transformar.
"Também é um recurso para driblar direitos
autorais, porque estarei infringindo os termos do Youtube se exibir um trecho
de filme ou série", afirma Pablo, que já encarnou Wolverine, Superman,
Batman, mutantes de X-Men e até a Mulher Maravilha.
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caption Pablo Peixoto tem o canal Qu4tro Coisas desde 2010 e hoje se dedica
apenas à produção audiovisual
Qualquer produtor de conteúdo que tenha mais de 4
mil inscritos pode passar a fazer parte do chamado sistema de parcerias do
Youtube, e passa a ganhar uma porcentagem pelo conteúdo veiculado, desde que o
material seja original e atenda certas diretrizes.
"É preciso respeitar direitos autorais e
políticas como evitar palavrões, nudez e outros conteúdos impróprios. Para
citar uma marca, por exemplo, é preciso se adequar à política de
anunciantes", afirma Cauã Taborda, gerente de comunicação do Youtube
Brasil.
O material veiculado por produtores de conteúdo
também não pode usar recursos que o próprio Youtube utiliza para gerar receita.
"Os canais não podem, por exemplo, usar publicidade de banner ou aqueles
anúncios que passam entre os vídeos. Essas são ferramentas de lucro exclusivas
da empresa."
Na prática, o sistema distribui anúncios
contratados entre canais parceiros, que precisam se cadastrar na ferramenta de
anúncios do Google, a Adsense. É como se os associados alugassem espaço no
canal para os anúncios captados pelo Google, que repassa uma porcentagem do
valor pago pelo anunciante.
Segundo Taborda, a maior parte deste dinheiro fica
com o criador do conteúdo, mas não há porcentagem fixa. "Não depende só de
likes, visualizações ou inscritos no canal. É algo muito variável, medido por
critérios subjetivos e volúveis."
Entenda a conta
Quando o Youtube fala que a base de cálculo de
lucro de um canal é "subjetiva" e "variável", as expressões
remetem a uma espécie de "moeda" característica da internet: o
engajamento.
Por definição, engajamento se refere ao uso de um
conteúdo online e ao envolvimento e participação do público em relação a ele
(por compartilhamentos, comentários e outras ferramentas de interação).
Quanto mais engajamento tiver um canal, mais
relevante ele será nos mecanismos de busca e recomendações, influenciando no
preço das visualizações dos vídeos.
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caption Eder Nascimento ficou conhecido pelo bordão 'Tem graça ou não?', que
repetia após esquetes de humor
Apesar de o algoritmo do Youtube ser altamente
secreto, sabe-se que o valor que o dono do canal receberá é baseado no CPM
(abreviação de "custo por mil"), quantia que o anunciante paga ao
Youtube a cada mil visualizações de um vídeo de canal parceiro da plataforma.
Segundo estimativa publicada pela editora Abril em
2015, o CPM podia variar de US$ 0,60 (R$ 1,90) a US$ 5 (R$ 15,90), com alguns
casos de youtubers que recebiam um pouco acima ou abaixo deste teto.
Seguindo essa lógica, um único vídeo com 50 mil
visualizações poderia gerar entre US$ 30 mil (R$ 95 mil) e US$ 250 mil (R$ 795
mil), dependendo da cotação de seu CPM. Em um mercado em que alguns canais
possuem bilhões de visualizações totais, as cifras podem ser milionárias, mas
nem toda a renda acaba no bolso do youtuber.
Embora não divulgue sua porcentagem de lucro com as
visualizações, o Youtube fica com uma cota do valor repassado ao dono do canal.
Veículos especializados em mídia, tecnologia e finanças, como o Business
Insider, sugerem que essa taxa fique em torno de 45%.
Parcerias publicitárias
Segundo Pablo Peixoto, do canal Qu4tro Coisas, o
sistema de parcerias do Youtube é importante porque retribui o trabalho dos
criadores de conteúdo, que alimenta a plataforma. Mas ele diz recorrer a outros
caminhos para lucrar com seus vídeos.
"(O dinheiro do Youtube) banca o investimento
no canal: equipamentos, microfones, câmera melhor. Mas não paga meu aluguel,
minha gasolina - nem espero que faça isso. Meu lucro vem de parcerias
comerciais, anúncio de produtos e contratos com marcas coerentes com meu
conteúdo", diz o youtuber.
O mesmo acontece com a gaúcha Ana de Cesaro, de 28
anos, do canal "Tá, e daí?" (142 mil seguidores), de assuntos como
autoestima, beleza e feminismo.
Nos vídeos, Ana registra momentos de sua rotina,
como uma ida à academia; indica produtos femininos, como o coletor menstrual, e
faz entrevistas, receitas e tutoriais de decoração e maquiagem.
Em 2010, época em que hoje gigantes do Youtube como
Felipe Neto e PC Siqueira começaram a produzir, Ana fechou sua escola de artes
marciais em Porto Alegre e se mudou para São Paulo, de olho no filão da
produção de conteúdo na internet.
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caption A gaúcha Ana de Cesaro abandonou a carreira nas artes marciais para
profissionalizar seu canal no Youtube
A temporada na maior cidade do país serviu para fazer
contatos e adquirir conhecimento em mídias sociais. Em 2012, voltou a Porto
Alegre para atuar em tempo integral como influenciadora digital.
"Sou uma youtuber de nicho, então as marcas me
procuram para ações patrocinadas específicas, que serão mais efetivas para seu
público-alvo do que seriam com alguém que tenha milhões de seguidores sem um
perfil definido", diz Ana, que também fatura com eventos, palestras e pela
venda de produtos ligados ao canal.
Fama = lucro?
A dona de casa Jane Loures, de Juiz de Fora (MG),
viu seu canal no Youtube (hoje com 605 mil seguidores) ganhar milhares de
inscritos do dia para a noite.
O motivo foi um vídeo de outubro de 2015 em que
ensinava uma receita curiosa, o "bolo na garrafa de Coca-Cola", que
acabou atraindo atenção da imprensa.
"Meu sonho era escrever um livro, mas meu
filho me convenceu que atingiria mais pessoas pela internet, e ele estava
certo", diz a youtuber, que prefere não revelar a idade. "O que já
diz que não sou muito nova", brinca.
Parceira do Youtube, Loures publica vídeos com
receitas às segundas, quartas e sextas-feiras. Todo o material é gravado e
editado pelo filho Bruno, analista de sistemas, em suas horas vagas.
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caption Com receita de bolo em garrafa PET, Jane Loures teve alcance nacional,
mas canal não é lucrativo
"Estamos lançando um vídeo extra aos domingos,
para tentar aumentar as visualizações. Temos muitos inscritos, mas poucos views.
Não ganho muito dinheiro, mas não tomo prejuízo. Já deu para comprar uma câmera
melhor e panelas mais bonitas, mas queria ter anunciantes e lucrar o suficiente
para melhorar o canal, gravar fora de casa, e ajudar mais pessoas na
cozinha", diz.
Eder Nascimento, de 33 anos, chegou a frequentar
programas dominicais da TV aberta pelo sucesso viral de alguns vídeos de seu
canal "Tem graça ou não?" (21 mil inscritos), de piadas e
trocadilhos, aberto em 2010.
Sem produzir conteúdo desde 2015, Eder conta que
desistiu da carreira de youtuber por não acreditar que o mercado digital pudesse
proporcionar uma renda tão estável como seu emprego.
"As coisas estavam no início, o próprio
Whindersson estava começando, tudo era incerto. Não quis arriscar. Hoje, se
tivesse que escolher, talvez pensasse diferente, porque o mercado cresceu muito
e meu canal já tinha um alcance relevante naquele período."
Para ele, as tecnologias móveis, tanto de aparelhos
(smartphones, tablets) como de internet (3G, 4G e a ampliação das redes wi-fi),
tiveram um papel decisivo para a relevância mercadológica do Youtube.
"Hoje dá para assistir a um vídeo de qualquer
lugar, porque as conexões são relativamente boas e os aparelhos, mais
baratos", diz. E acrescenta, com ares de quem pode reaparecer na rede a
qualquer momento.
"Não digo que nunca voltarei. Tenho esquetes escritas
que acabei não fazendo, e acho que meu humor tem nicho, daria para evoluir.
Quem sabe?"
Fonte:
BBC Brasil