Rio 2016
escancara crise do modelo dos Jogos Olímpicos ‘como nunca antes’, diz
pesquisador dos EUA
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Para especialista, cada vez menos cidades se interessam em sediar Jogos
A Rio 2016 será marcada como a Olimpíada em que
"o verniz das relações públicas se desfez de forma inédita na história dos
Jogos, como nunca antes", na opinião do pesquisador Jules Boykoff, doutor
em ciência política e professor da American University, de Washington.
Em entrevista, ele disse que problemas surgidos na
preparação dos locais sede - "privilégios para os mais ricos, remoções de
muitas pessoas do seu local de moradia e militarização do espaço público"
- não são novos, mas que no Rio "você vê essas tendências aumentadas, e
com clareza muito maior".
Ele diz, como exemplo, que no Rio "jamais
houve a mínima ilusão" de que a Vila dos Atletas seria revertida, após os
Jogos, em alguma projeto de valor social, como foi o caso em Olimpíadas
anteriores.
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caption Jules Boykoff escreveu livro sobre história política dos Jogos
"A Olimpíada como megaevento está lentamente
entrando em crise, e você vê elementos desta crise se apresentando com força
maior no Rio."
Em seu livro recém-lançado, Power Games: A
Political History of the Olympics ("Jogos de Poder: Uma História
Política das Olimpíadas") ainda sem título oficial em português, Boykoff
descreve o que vê como uma crise estrutural no modelo dos Jogos, da escolha da
cidade-sede ao descompasso orçamentário e às promessas de legado não cumpridas.
Para o especialista, o COI (Comitê Olímpico
Internacional), é parte do problema, por encorajar projeções de custo irreais
no momento da candidatura das cidades-sede e por guardar seu próprio orçamento
a sete chaves. Ele acredita que o Rio avançou muito pouco após dez anos
sediando megaeventos.
Em entrevista, Boykoff, que jogou no
time olímpico de futebol dos Estados Unidos nos anos 1990, diz que há cada vez
menos cidades interessadas em sediar as Olimpíadas e que a tendência é que o
COI encontre cada vez mais dificuldades em achar candidatos.
Veja os principais trechos da entrevista:
Image copyright PA Image caption Estudioso
diz que 'verniz das relações públicas' caiu no Rio
Pergunta - A Rio
2016 enfrentou problemas como promessas não cumpridas na área ambiental,
remoções de comunidades para dar lugar a obras, além de projetos que ficaram
mais caros e atrasos em áreas importantes, como a expansão do metrô linha 4.
São problemas que vêm se tornando rotina paras as cidades-sede ou tratam-se de
questões específicas do Rio?
Resposta - A Olimpíada do Rio segue um padrão de problemas que estamos vendo em
diversas cidades-sede nos últimos anos, e estes incluem os privilégios para os
mais ricos, remoções de muitas pessoas do seu local de moradia e militarização do
espaço público. Eu diria que no Rio você vê essas tendências aumentadas, e com
clareza muito maior. No Rio o verniz das relações públicas dos Jogos se desfez
de forma inédita na história das Olimpíadas, como nunca antes.
A Vila dos Atletas é um bom exemplo disto. Em
Olimpíadas anteriores, os organizadores escolheram esta área para se obter um
valor social positivo após os Jogos, com a transformação em moradias sociais.
No Rio, jamais houve a mínima ilusão de que isto aconteceria.
Desde o início o plano foi converter os
apartamentos em condomínios de luxo. O contexto em torno das Olimpíadas mudou
de forma muito drástica. Elas estão agora numa crise que vai além dos Jogos do
Rio 2016. A Olimpíada como megaevento está lentamente entrando em crise, e você
vê elementos desta crise se apresentando com força maior no Rio.
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caption Vila dos Atletas será transformada em condomínio de luxo
Pergunta - Quais são
os principais aspectos desta crise estrutural que o senhor identifica para a
forma como as Olimpíadas vêm sendo projetadas e geridas?
Resposta - Um grande
indicativo é que cada vez menos cidades estão interessadas em sediar as
Olimpíadas. Olhe para o processo de seleção para os Jogos de Inverno de 2022.
Você vê que no final sobraram apenas dois locais: Almaty, no Cazaquistão, e
Pequim, na China. Nenhuma das duas conhecidas como bastiões da democracia. E
Pequim ganhou.
Se você olhar para trás, verá que todas as vezes
que os cidadãos tiveram a oportunidade de dar sua opinião, num processo
democrático, eles disseram não a sediar os Jogos. Isso aconteceu em Cracóvia,
na Polônia, em Estocolmo, na Suécia, e em dois cantões da Suíça.
Em Oslo, deputados noruegueses também rejeitaram
sediar a Olimpíada. O que se percebe é que, cada vez mais, se o processo de
decisão é aberto à população ou a Casas parlamentares, numa consulta
democrática, a resposta é não a sediar a Olimpíada.
Pergunta - A
Olimpíada é vista por especialistas como o evento que mais extrapola o
orçamento em comparação com qualquer outro grande evento. Sempre foi assim, ou
é uma tendência recente?
Resposta - Ao menos
desde 1960 todas as Olimpíadas ultrapassaram o orçamento. Em parte, isso se
deve ao fato de que as Olimpíadas se tornaram tão grandes. É o que alguns
especialistas que estudam os Jogos chamam de "gigantismo". E por
causa disso os Jogos continuam crescendo mais e mais, acrescentando novos
esportes, e conforme se tornam um alvo em potencial para grupos terroristas, o
orçamento de segurança também aumenta.
As cidades são estruturalmente encorajadas a
reduzirem o valor de tudo nos seus dossiês de candidatura. Oferecer estimativas
menores do que os Jogos vão custar é crucial porque as cidades precisam de
apoio da opinião pública durante o processo de candidatura.
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caption Especialistas criticam gigantismo dos Jogos
Pergunta -
Atualmente é praticamente impossível uma cidade-sede conseguir manter o
orçamento previsto no processo de candidatura. Como o COI poderia ajudar a
evitar este descompasso orçamentário?
Resposta - Eu acho que o COI realmente é parte do problema porque tem demonstrado
uma grande facilidade espontânea em ser enganado. Eles acreditam em qualquer coisa
que qualquer candidato diga. Trata-se de um pensamento mágico por parte do COI,
já que eles não fazem perguntas duras para as cidades candidatas.
O COI precisa ser muito mais transparente sobre o
processo de votação das cidades-sede. Há a montagem de comitês e são produzidos
relatórios técnicos sobre cada cidade, mas no final das contas as pessoas que
votam podem ignorar toda essa documentação técnica e decidir porque têm uma
relação com o presidente do país ou porque gostam do prefeito da cidade-sede.
Pergunta - Houve
avanços no combate à corrupção no processo de seleção das cidades-sede? O COI
diz que não pode divulgar informações sobre orçamento e gastos devido a
contratos com parceiros comerciais e patrocinadores. Por que há tanta falta de
transparência sobre as finanças do COI?
Image copyright Reuters Image caption Candidatura
de Sydney e outras cidade teve muita corrupção, diz especialista
Resposta - É muito
difícil saber por ser um processo tão cinzento e cheio de segredos. Houve muita
corrupção em torno das candidaturas de Sydney, na Austrália, e de Nagano, no
Japão. Eles destruíram todos os documentos em Nagano, então nem sabemos o que
aconteceu. A corrupção saiu do controle na candidatura de Salt Lake City, nos
EUA, para os Jogos de Inverno de 2002, eles foram pegos, e o escândalo levou a
algumas reformas no COI.
Hoje em dia, os membros do COI não podem fazer
visitas especiais às cidades-sede antes da votação, que era justamente quando
muito da corrupção ocorria. A corrupção parece estar menos disseminada
atualmente na relação do COI com os processos de candidatura. Eu aplaudo o COI
por recentemente ter começado a ser um muito mais transparente com relação aos
seus gastos. Eles revelaram alguns dos benefícios do presidente da entidade,
Thomas Bach, e de quanto são as diárias de alguns dos diretores do comitê
quando estão em viagem.
Se você é um membro executivo do COI e vem ao Rio
para reuniões, além de ficar no Hotel Copacabana Palace, você pode receber uma
diária de US$ 900 para seus gastos pessoais. Se você é um membro normal, a
diária é de US$ 400. Compare isso ao rendimento médio de um morador da Rocinha,
de US$ 240 por mês.
Só por estar dentro da lei não significa que é
ético, e só por estar sendo revelado não significa que não é chocante. O COI
precisa ser mais responsável com o legado e os impactos dos Jogos para as
cidades-sede. Muitas vezes, o COI diz que não pode divulgar informações sobre
orçamento devido a contratos com seus patrocinadores. Trata-se na verdade de um
escudo atrás do qual o comitê se esconde para justificar que por isso não pode
compartilhar informações financeiras.
Pergunta - Quando é
que os Jogos começaram a perder seu apelo para as cidades?
Resposta - Eu acho
que 1976 foi o ano mais decisivo para a história política do COI, primeiro por
conta de Montreal, quando o prefeito disse que os Jogos custariam US$ 125
milhões, e disse que seria mais fácil um homem ter um bebê do que a Olimpíada
entrar em deficit orçamentário. Ela acabou custando US$ 1,5 bilhão e levou 30 anos
para que a dívida deixada pelos Jogos fosse paga pelos contribuintes.
No mesmo ano, no processo de candidatura dos Jogos
de Inverno, os cidadãos de Denver, nos EUA, se posicionaram, fizeram protestos
e conseguiram exigir um plebiscito no qual votaram contra sediar os Jogos,
dizendo que isto acabaria com o meio ambiente e traria dívidas, e o COI teve
que mudar a sede para Innsbruck, na Áustria.
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caption Dívida dos Jogos de Montreal demoraram 30 anos para serem pagas
Pergunta - O senhor
ressalta vários pontos negativos e problemas em sediar as Olimpíadas, mas quais
são os benefícios que uma cidade pode obter ao sediar os Jogos?
Resposta - Olhando
para as Olimpíadas recentes eu diria que um dos maiores ganhos para uma cidade
que sedia os Jogos pode ser o avanço na rede de transporte público. Veja o caso
de Atenas, em 2004. A maior parte das pessoas viu os Jogos de Atenas como um
desastre total. É fato que eles mal terminaram as obras antes dos Jogos, mas
melhoraram o sistema de metrô, e isso é algo que todos os cidadãos de Atenas
podem usufruir todos os dias.
Se a linha 4 for concluída, no caso do Rio este
seria um grande ganho para o transporte público. Já em quesitos ambientais e de
sustentabilidade o COI precisa melhorar. Se as promessas ambientais tivessem
sido cumpridas no Rio este seria um grande ganho para os cariocas.
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caption Se concluída, linha 4 do metrô pode ser legado para cidade
Pergunta - O Rio
acaba de sair de um ciclo de dez anos como sede de grandes eventos. Houve os
Jogos Panamericanos, Jornada Mundial da Juventude, Rio+20, Jogos Mundiais
Militares, Copa das Confederações, Copa do Mundo e agora Olimpíada. Se houvesse
tantos avanços com a realização desses megaeventos, a cidade não deveria ser, a
esta altura, muito melhor e com problemas muito mais resolvidos, em setores
como transporte público e saneamento básico?
Resposta - Sim,
poderíamos esperar que após dez anos de megaventos o Rio estaria num outro
patamar de transporte público, com melhor saneamento básico, tratamento de
esgoto e questões de sustentabilidade resolvidas. Haveria maior avanço se
muitas das promessas feitas para cada um desses eventos tivessem sido
cumpridas.
Mas, dez anos depois, aqui estamos nos perguntando
como foi possível gastar todos esses bilhões de dólares e como muito desse
dinheiro público acabou servindo para proporcionar vantagens aos segmentos mais
ricos da população carioca, as elites econômica e políticas. É doloroso
refletir sobre todo esse dinheiro usado em megaeventos no Rio e o pouco que se
conseguiu de beneficio para os cariocas.
Image copyright AP Image caption Megaeventos
não resolveram problemas da cidade
Pergunta - O senhor
diria que os países que optam por pagar pelas arenas e instalações olímpicas,
em vez de criar parcerias com a iniciativa privada, e depois usufruem 100% dos
locais e podem dar finalidades coletivas a eles, acertam mais do que o modelo
escolhido no Rio, onde em troca dos recursos para construção das arenas, grandes
empreiteiras receberam o direito de explorar as regiões com empreendimentos de
luxo, como na Vila dos Atletas, Campo de Golfe e parte do Parque Olímpico?
Resposta - Eu acho que este seria um passo potencialmente muito positivo a ser
tomado. Em geral a cidade-sede paga por essas construções, mas há um risco
envolvido. O ideal seria o Estado pagar e depois poder usufruir 100% das
instalações no plano de legado.
Caso o Rio tivesse usado lições de Olimpíadas
anteriores nos aspectos onde houve avanços, poderia ter chegado a um plano
muito bom. Usando, por exemplo, o sistema de transporte público de Atenas, e o
estádio de natação de Londres. De forma geral, nenhuma Olimpíada recente serviu
muito para o bem coletivo, e essa é uma das maiores enganações.
Pergunta - Seis
meses após os Jogos, corre-se o risco de que o Estado e a Prefeitura do Rio se
colocaram em dívidas muito maiores do que o imaginado por conta da Olimpíada?
Resposta - Fazer
predições é algo muito difícil, sobretudo num ambiente tão volátil e com tantas
mudanças como a política e a economia do Estado e da cidade do Rio, onde há
tantas turbulências constantes. Mas eu diria que o futuro ainda está em aberto
no Rio, e há muito espaço para mudanças. Há diversas cartas sobre a mesa, e oportunidade
de agitar e transformar. Resta saber se esta oportunidade será tomada.
Fonte:
BBC Brasil
Gaspar
Moura dos Santos
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