305
etnias e 274 línguas: estudo revela riqueza cultural entre índios no Brasil
Image copyright Thinkstock Image
caption Pesquisa inédita do IBGE detalhou características de povos indígenas
brasileiros
Há mais indígenas em São Paulo do que no Pará ou no
Maranhão. O número de indígenas que moram em áreas urbanas brasileiras está
diminuindo, mas crescendo em aldeias e no campo. O percentual de índios que
falam uma língua nativa é seis vezes maior entre os que moram em terras
indígenas do que entre os que vivem em cidades.
As conclusões integram o mais detalhado estudo já
feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre os
povos indígenas brasileiros, baseado no Censo de 2010 e lançado nesta semana.
Segundo o instituto, há cerca de 900 mil índios no
Brasil, que se dividem entre 305 etnias e falam ao menos 274 línguas. Os dados
fazem do Brasil um dos países com maior diversidade sociocultural do planeta.
Em comparação, em todo o continente europeu, há cerca de 140 línguas autóctones,
segundo um estudo publicado em 2011 pelo Instituto de História Europeia.
No "Caderno Temático: Populações
Indígenas", o IBGE faz um mapeamento inédito sobre a localização desses
povos e sua movimentação ao longo das últimas décadas.
O estudo diz que, entre 2000 e 2010, os percentuais
de indígenas brasileiros que vivem nas regiões Sul e Sudeste caíram, enquanto
cresceram nas outras regiões. A região Norte abriga a maior parcela de índios
brasileiros (37,4%), seguida pelo Nordeste (25,5%), Centro-Oeste (16%), Sudeste
(12%) e Sul (9,2%).
Entre 2000 e 2010, também caiu o percentual de
indígenas que moram em áreas urbanas, movimento contrário ao do restante da
população nacional.
Retomadas
Segundo a pesquisadora do IBGE Nilza Pereira,
autora do texto que acompanha o estudo, uma das hipóteses para a redução no
percentual de indígenas no Sul, Sudeste e em cidades são os movimentos de
retorno a terras tradicionais.
Nas últimas décadas, intensificaram-se no país as
chamadas "retomadas", quando indígenas retornam às regiões de origem
e reivindicam a demarcação desses territórios. Em alguns pontos, como no
Nordeste e em Mato Grosso do Sul, muitos ainda aguardam a regularização das
áreas, em processos conflituosos e contestados judicialmente.
Em outros casos, indígenas podem ter retornado a
terras que tiveram sua demarcação concluída. Hoje 57,7% dos índios brasileiros
vivem em terras indígenas.
Outra possibilidade, segundo Pereira, é que no Sul,
Sudeste e nas cidades muitas pessoas que se declaravam como indígenas tenham
deixado de fazê-lo.
Ainda que sua população indígena esteja em
declínio, a cidade de São Paulo ocupa o quarto lugar na lista de municípios
brasileiros com mais índios, com 13 mil. Parte do grupo vive em aldeias dos
povos Guarani Mbya nos arredores da cidade, em territórios ainda em processo de
demarcação.
O ranking é encabeçado por São Gabriel da
Cachoeira, no noroeste do Amazonas. O município abriga 29 mil indígenas e foi o
primeiro do país a aprovar como línguas oficiais, além do português, três
idiomas nativos (tukano, baniwa e nheengatu).
O estudo mostra como morar numa terra indígena
influencia os indicadores socioculturais dos povos. Entre os índios que residem
nessas áreas, 57,3% falam ao menos uma língua nativa, índice que cai para 9,7%
entre indígenas que moram em cidades.
Mesmo no Sul, região de intensa colonização e
ocupação territorial, 67,5% dos índios que vivem em terras indígenas falam uma
língua nativa, número só inferior ao da região Centro-Oeste (72,4%).
A taxa de fecundidade entre mulheres que moram em
terras indígenas também é significativamente maior que entre as que vivem em
cidades. Em terras indígenas, há 74 crianças de 0 a 4 anos para cada 100
mulheres, enquanto nas cidades há apenas 20.
Para Nilza Pereira, do IBGE, ao mostrar detalhes
sobre indígenas de diferentes pontos do país, o estudo será útil para o
planejamento de políticas públicas diferenciadas para esses povos. Os dados
também foram usados na elaboração de vários mapas, que compõem o "Atlas Nacional
do Brasil Milton Santos".
Image copyright Thinkstock Image
caption Indígenas vêm retornando às regiões de origem para reivindicar
demarcação de territórios
Cultura indígena
O ativista indígena Denilson Baniwa, cofundador da
Rádio Yandê, diz à BBC Brasil que o estudo ajuda a combater a falta de
conhecimento sobre os povos indígenas no Brasil.
Baniwa, que mora no Rio de Janeiro e é
publicitário, diz se deparar frequentemente com pessoas que acham que "o
indígena ainda é aquele de 1500". Segundo o ativista, muitos questionam
por que ele se considera indígena mesmo falando português ou usando o
computador em seu trabalho.
"Respondo que cultura não é algo estático, que
ela vai se adaptando com o tempo. E pergunto a eles por que não vestem as
mesmas roupas usadas pelos portugueses em 1500, por que não falam aquele mesmo
português e por que não usam computadores de 1995."
Image copyright Arquivo pessoal Image
caption Cofundador da Rádio Yandê, Denilson Baniwa diz que há 'grande'
desconhecimento sobre diferenças culturais entre povos indígenas
Para Baniwa, há ainda grande desconhecimento sobre
as enormes diferenças culturais entre os povos indígenas brasileiros. Ele
exemplifica citando dois povos de sua terra natal (a região do rio Negro, no
Amazonas), os baniwa e os tukano.
"Comparar um baniwa a um tukano é como
comparar um francês a um japonês. São povos com línguas, hábitos e
características físicas bastantes distintas, e isso porque vivem bem próximos.
Imagine a diferença entre um baniwa e um kaingang, um povo lá do Rio Grande do
Sul?"
Ao mesmo tempo em que combate o preconceito contra
indígenas que, como ele, moram em cidades, Baniwa afirma que cada povo deve ser
livre para decidir como quer se relacionar com o resto da sociedade.
"Se um povo entender que o contato com o mundo
moderno não será benéfico e que prefere ficar mais isolado em sua terra, vamos
lutar para que essa decisão seja respeitada."
Fonte:
BBC Brasil
Gaspar
Moura dos Santos
Obrigado
por acessar esta página, deixe seu comentário e sugestão sobre esse artigo, e o
que você gostaria de ver nos próximos artigos?