A rara
síndrome que faz homem pensar que está morto
Image copyright Thinkstock Image
caption Síndrome foi descrita pela primeira vez em 1880, pelo neurologista
Jules Cotard.
- Bom dia, Martin. Como você está?
- Da mesma forma, eu suponho. Morto.
- O que te faz pensar que está morto?
- E você, doutor? O que te faz pensar que está
vivo?
O médico é Paul Broks, neuropsicólogo clínico, que
estuda a relação entre a mente, o corpo e o comportamento.
O caso de Martin é muito raro, segundo Broks.
- Tenho certeza absoluta que estou vivo, pois
estou sentado aqui, conversando com você. Estou respirando, posso ver coisas.
Creio que você também faz o mesmo e, por isso, tamb]em tenho certeza que você
está vivo.
- Não sinto nada. Nada disso é real.
- Você não se sente como antes, ou se sente um
pouco deprimido, talvez?
- Nada disso. Não sinto absolutamente nada. Meu
cérebro apodreceu, nada mais resta em mim. É hora de me enterrar.
O paciente realmente pensava estar morto ou era uma
metáfora?
"Ele, literalmente, achava que estava
morto", conta Broks.
- Mas você está pensando nisso. Se está
pensando, deve estar vivo. Se não é você, quem estaria pensando?
- Não são pensamentos reais. São somente
palavras.
Image copyright Thinkstock Image
caption O primeiro caso de Cotard foi uma mulher que negava a existência de
partes de seu corpo e sua necessidade de comer. Morreu de inanição.
Martin sofria da síndrome de Cotard - também
conhecida como delírio de negação ou delírio niilista - uma doença mental que
faz a pessoa crer que está morta, que não existe, que está se decompondo ou que
perdeu sangue e órgãos internos.
A doença mexe com nossa intuição mais básica: a
consciência de que existimos.
Todos temos um forte sentido de identidade, uma
pequena pessoa que parece viver em algum lugar atrás de nossos olhos e nos faz
sentir esse "eu" que cada um de nós somos.
O que acontece com Martin, agora que ele não tem
esse "homenzinho" na cabeça? Agora que ele pensa que não existe?
Há um filósofo que tem a resposta, segundo Broks.
Penso, logo existo"
René Descartes, filósofo, matemático e físico.
(1596-1650)
"Descartes dizia que era possível que nosso
corpo e nosso cérebro fossem ilusões, mas que não era possível duvidar de que
temos uma mente e de que existimos, pois se estamos pensando, existimos",
diz o neuropsicólogo.
O paradoxo aqui é que os pacientes de Cotard não
conseguem entender o "eu".
Adam Zeman, da Universidade de Exeter, no Reino
Unido, acredita que o "eu" está representado em diversos lugares do
cérebro.
"Creio que está representado inúmeras vezes.
Está em todas as partes e em nenhuma", explica Zeman à BBC.
Zeman esclarece que, entre essas representações
está a do corpo (o "eu" físico), o "eu" como sujeito de
experiências, e nosso "eu" como entidade que se move no tempo e no
espaço.
"Estamos conscientes de nosso passado e
podemos projetar nosso futuro. Então, temos o 'eu' corporal, o 'eu' subjetivo e
o 'eu' temporal", diz Zeman.
"Isso é a consciência estendida, o 'eu'
autobiográfico, o que nos leva ao caso de Graham, um outro paciente com
síndrome de Cotard", diz Broks.
O caso de Graham
Image copyright Thinkstock Image
caption Os portadores de Cotard vivem em uma realidade distorcida
"Ele tentou se suicidar ao jogar um aquecedor
elétrico ligado, na água da banheira, mas não sofreu nenhum dano físico
sério", lembra Zeman, que tratou do caso.
"Mas estava convencido de que seu cérebro já
não estava mais vivo. Quando o questionava, dava uma versão muito persuasiva de
sua experiência", acrescenta.
"Dizia que já não tinha mais necessidade de
comer e beber. A maioria de nós alguma vez já se sentiu horrível e se expressou
dizendo 'estar morto'. Mas com Graham era como se ele tivesse sido invadido por
essa metáfora".
A maneira como Graham descrevia sua experiência era
tão intrigante que neurologistas decidiram observar como seu cérebro se
comportava. Zeman estudou o caso com seu colega Steve Laureys, da Universidade
de Liége, na Bélgica.
Foi a primeira e última vez que minha secretária me
dssejo: 'É importante que você fale com este paciente, pois ele está dizendo
que está morto"
"Para nossa surpresa, o teste de ressonância
mostrou que Graham estava dando uma descrição apropriada do estado de seu
cérebro, pois a atividade era marcadamente baixa em várias áreas associadas com
a experiência do 'eu'", conta Zeman.
"Analisei exames durante 16 anos e nunca tinha
visto um resultado tão anormal de alguém que se mantinha de pé e que se
relacionava com outras pessoas. A atividade cerebral de Graham se assemelha a
de alguém anestesiado ou dormindo. Ver esse padrão em alguém acordado, até onde
sei, é algo muito raro", completa Laureys.
Zumbi filosófico
"Ele mesmo dizia que se sentia um morto-vivo.
E que passava tempo em um cemitério, pois sentia que tinha mais em comum com os
que estavam enterrados", lembra Zeman.
Image copyright Thinkstock Image
caption Não se conhece a a causa exata da síndrome, mas ela foi tratada com
êxito graças a medicamentos combinados com terapia eletroconvulsiva.
Mas essas regiões que não estavam funcionando
normalmente no cérebro de Graham eram as mesmas relacionadas com a identidade?
"Curiosamente, o sistema cerebral mais
associado com o 'Eu Estendido' é a rede neural por efeito, justamente a que
estava afetada no caso de Graham", ressalta Zeman.
"Se colocamos alguém em uma máquina de
ressonância magnética e pedimos que relaxe, esses são os conjuntos de regiões
cerebrais que permanecem mais ativos. São essas regiões que estão ligadas a
nossa habilidade de recordar o passado e projetarmos o futuro, a pensar em si e
nos outros, bem como às decisões morais", completa.
"Todas essas funções estão associadas ao
'eu'."
No caso de Graham, essa rede não funcionava
apropriadamente.
De certa maneira, ele estava morto.
Fonte:
BBC Brasil
Gaspar
Moura dos Santos
Obrigado
por acessar esta página, deixe seu comentário e sugestão sobre esse artigo, e o
que você gostaria de ver nos próximos artigos.