Analistas rejeitam boatos
sobre intervenção dos EUA no impeachment
Wikileaks alimentou rumores sobre a participação
dos EUA no impeachment ao divulgar que o presidente interino Michel Temer
conversou sobre a política brasileira com diplomatas americanos em 2006.
Teses sobre o envolvimento dos Estados Unidos no
impeachment da presidente Dilma Rousseff têm proliferado em blogs e grupos de
Whatsapp nas últimas semanas.
Entre essas narrativas - que não são endossadas
pela presidente afastada nem por seus assessores - está a de que os Estados
Unidos teriam favorecido a saída de Dilma por estarem descontentes com a
aproximação entre o Brasil e rivais americanos, como a Rússia e a China.
Segundo as versões, a atitude americana se
enquadraria num longo histórico de intervenções dos EUA na América Latina e
teria sido influenciada pela cobiça por recursos naturais brasileiros, como o
petróleo do pré-sal e o aquífero Guarani.
Os relatos citam encontros entre procuradores
brasileiros e americanos para a troca de informações sobre a Operação Lava Jato
e o fato de que a embaixadora americana no Brasil, Liliana Ayalde, serviu no
Paraguai até o ano anterior ao impeachment do presidente Fernando Lugo, em
2012.
O histórico recente da relação entre os dois
países, porém, se contrapõe a essas teorias - que tampouco encontram respaldo
entre a maioria dos especialistas no tema. Desde que se reelegeu, Dilma vinha
tratando os Estados Unidos como uma das prioridades de sua política externa. Em
2015, ela visitou a Casa Branca e ouviu do presidente Barack Obama que o Brasil
era uma "potência global".
Nos últimos meses, ambos conversaram por telefone
ao menos duas vezes: em dezembro, o americano lhe agradeceu pela postura do
Brasil nas negociações para o acordo climático de Paris e, em janeiro, os dois
discutiram ações contra o zika.
Em 30 de março, a poucos dias da votação do
impeachment, Brasil e EUA assinaram um acordo para troca de experiências no
setor de infraestrutura.
As ações indicam que havia ficado para trás o
mal-estar gerado com a revelação pelo site Wikileaks, em 2013, de que Dilma
fora espionada pelo governo americano.
Nos últimos dias, o mesmo Wikileaks alimentou
rumores sobre a participação dos EUA no impeachment ao divulgar que o
presidente interino Michel Temer havia sido um "informante" da
embaixada americana em Brasília. Um telegrama diplomático revelado pelo site
aponta que Temer conversou sobre a política brasileira com diplomatas
americanos em 2006.
Para o professor de relações internacionais da
Fundação Getúlio Vargas Oliver Stuenkel, a interpretação é equivocada. Ele
afirma que, no jargão diplomático, informante é qualquer pessoa que dialogue
com diplomatas em serviço.
"Uma boa embaixada tem como missão conversar
com todo mundo e colher informações", afirma.
Telegramas
Brasil não está entre as prioridades da política
externa dos EUA; Casa Branca teria pouco a ganhar com a desestabilização do
país
Stuenkel cita telegramas que mostram que, antes de
ser condenado no escândalo do mensalão e na Lava Jato, o ex-ministro da Casa
Civil José Dirceu também se reunia com diplomatas americanos para tratar da
política no Brasil.
Para o professor, muitas teorias sobre o
envolvimento dos EUA no impeachment se baseiam no apoio que Washington deu a
ditaduras latino-americanas durante a Guerra Fria. Na época, a Casa Branca
temia a ascensão do comunismo e ajudou a articular golpes militares na região.
Mesmo após o fim da Guerra Fria, porém, os Estados
Unidos chancelaram um golpe fracassado contra o presidente venezuelano Hugo
Chávez, em 2002. Segundo Stuenkel, o apoio americano foi "um grave erro
que até hoje tem custos".
O professor afirma, no entanto, que o Brasil não
está entre as prioridades da política externa dos EUA e que a Casa Branca teria
pouco a ganhar com a desestabilização do país.
"Vemos cada vez mais em Washington um desejo
de que o Brasil assuma mais poder para cuidar dos problemas da região, como a
crise na Venezuela, e deixem os EUA usar toda sua energia para lidar com o
Oriente Médio, a China, a Rússia e outros temas que consideram mais
importantes."
Outras teorias sobre o envolvimento dos EUA no
impeachment, segundo Stuenkel, surgem da crença de que o novo governo
brasileiro será melhor para Washington que o anterior. Ele diz, porém, que a
relação entre os dois países atingiu seu ápice nos anos Lula.
Lula, diz Stuenkel, mantinha com o então presidente
americano George W. Bush "não só uma amizade pessoal, mas uma cooperação
ainda maior que a que existia entre FHC e Bill Clinton".
Em artigo recente na Folha de S.Paulo em que
comparou as políticas externas petista e tucana, o também professor de relações
internacionais da FGV Matias Spektor escreveu que "o discurso mais
incendiário que um presidente brasileiro já fez em relação à hegemonia
americana não foi de Lula, mas de FHC".
No discurso, o tucano atacou a globalização e o
"capitalismo especulativo", referência ao modelo econômico americano.
Já Lula, diz Spektor, costumava adotar um tom mais moderado em relação a
Washington. Em 2009, Obama chegou a dizer que o político brasileiro era "o
cara", ainda que no ano seguinte viesse a rejeitar os esforços do Brasil
para mediar um acordo sobre o programa nuclear iraniano.
Um assessor do Departamento de Estado - órgão que
coordena a política externa dos EUA - disse que o governo
americano não comentaria informações provenientes de documentos secretos.
Ele disse que são "absolutamente falsos"
os relatos sobre o envolvimento dos EUA no impeachment. "Nós continuamos a
nos engajar com o governo brasileiro como parte do nosso trabalho normal e
rotineiro", afirma.
Segundo o assessor, o governo americano
"continua comprometido com a manutenção da sólida relação bilateral que
existe entre os dois países".
Os Estados Unidos vêm tratando o impeachment com
cautela. Na quarta-feira, na manifestação mais contundente de um representante
do país sobre o tema, o embaixador americano na Organização dos Estados
Americanos (OEA) rejeitou a tese de que o afastamento de Dilma tenha sido um
"golpe suave ou de outro tipo".
"O que ocorreu no Brasil seguiu o processo
legal constitucional e respeitando completamente a democracia", afirmou
Michael Fitzpatrick
Fonte: BBC Brasil
Gaspar Moura dos
Santos
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