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Ricardo
Salles e Jair Bolsonaro trabalham para controlar fiscalização ambiental no
Brasil. Medida mais recente foi trocar servidor com 15 anos no Ibama por
ex-policial que liberou exportação de madeira sem licença no Pará.
DOIS EX-COMANDANTES da Rota, a violenta tropa
de elite da Polícia Militar de São Paulo, foram alçados pelo ministro Ricardo
Salles para o comando da fiscalização ambiental do Ibama. As nomeações
atropelam a promessa de Jair Bolsonaro de montar o governo com
“critérios técnicos” – a essa altura, algo em que só os apoiadores fanáticos acreditam
– e foram vistas por servidores do Ibama como uma retaliação
por operações recentes contra crimes ambientais na Amazônia.
Hoje, Salles exonerou o coordenador-geral de
Fiscalização, um analista ambiental que está no Ibama há 15 anos, e nomeou para
seu lugar um ex-PM, Walter Mendes Magalhães Junior.
A única experiência prévia de Magalhães Junior na
área ambiental é ter comandado por sete meses a superintendência do próprio
Ibama no Pará. Lá, autorizou exportações de madeira sem a licença
emitida pelo órgão que comandava. A nomeação de uma figura como ele para um
posto até então tocado por um servidor de carreira especializado na função é
emblemática do que o governo Jair Bolsonaro quer para a Amazônia.
Um currículo melhor, aos olhos do governo, que o de
Renê Luiz de Oliveira, a quem o PM substitui. Médico veterinário de
formação, Oliveira está no Ibama desde 2005. Ele havia
completado três anos na coordenação de Fiscalização no último
dia 27. Antes, chefiara a superintendência do órgão em Rondônia. Em ofício
enviado à presidência do instituto contra a substituição, 16 técnicos defenderam o
trabalho de Oliveira à frente do setor. O presidente, o advogado
Eduardo Bim, outro homem de confiança de Salles, fez que não viu.
O coordenador de Operações de Fiscalização
– cargo imediatamente abaixo ao de Oliveira – Hugo Ferreira
Netto Loss também foi exonerado hoje. Igualmente servidor de carreira,
ele manifestou oficialmente o desejo de permanecer desenvolvendo “trabalhos
ligados à fiscalização, conduzindo processo de investigação de crimes
ambientais”.
O pedido foi negado pelo novo diretor de Proteção
Ambiental, um coronel da reserva da PM de São Paulo chamado Olímpio Ferreira
Magalhães. Ele foi alçado ao cargo no último dia 14, dias após uma ação
de combate a desmatamento e garimpo ilegal em terras
indígenas no Pará. Salles demitiu o diretor de Proteção Ambiental do
Ibama, o ex-tenente coronel Olivaldi Azevedo, e o substituiu por Olímpio
Ferreira Magalhães, um coronel da reserva. Ambos fizeram carreira na PM
paulista.
A nomeação de Olímpio Magalhães é investigada
pelo Ministério Público Federal por suspeita de desvio de finalidade, mas
nem isso impediu o ministro de fazer nova mudança e promover Magalhães Junior,
conforme publicado na edição de hoje do Diário Oficial. Tampouco
constrangeu o novo diretor a manter Loss na área de fiscalização.
Laconicamente, o ex-PM negou o pedido o colocou “à disposição para fins de
movimentação conforme critério e necessidades na gestão de pessoal”, numa aparente
retaliação ao trabalho desenvolvido no sul do Pará.
Com as novas mudanças, Salles consolida um
movimento que começou em janeiro de 2019, início do governo Bolsonaro.
Lentamente, o ministro tem tirado servidores de carreira de posições de comando
e instalado sua tropa de choque no lugar deles. Mais de 20 ex-PMs já foram
nomeados.
Além do poder crescente sobre o Ibama, eles
chefiam uma secretaria do ministério e controlam toda a diretoria doICMBio,
órgão que faz a proteção das unidades de conservação federais brasileiras.
Sob Salles e seus PMs, caíram operações,
multas e a destruição de equipamentos usados em crimes ambientais. O
resultado: a devastação da Amazônia disparou. Segundo o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe, no primeiro trimestre de 2020 os
alertas de desmatamento na região bateram o recorde histórico.
Em
vez de técnicos, a turma do ‘circulando’
Assim como vários ex-policiais contratados pelo
ministro, Olímpio Magalhães e Magalhães Junior construíram suas carreiras em
batalhões de policiamento ostensivo e de repressão. O primeiro comandou uma tropa de elite que
atuava na Baixada Santista e unidades como o Batalhão de Choque e o Comando de
Operações Especiais. Já Walter foi comandante de pelotão na Rota e também
esteve à frente do Batalhão de Choque.
O primeiro contato de ambos com a área ambiental
foi em setembro passado, quando foram nomeados para as superintendências do
Ibama no Amazonas e no Pará. No Amazonas, Olímpio Magalhães foi personagem de
um episódio que demonstra como os policiais militares levam o corporativismo
dos tempos da farda para o governo.
Em novembro passado, dois meses após assumir o
cargo no Amazonas, o coronel pediu porte funcional de arma, sem
esclarecer qual era a necessidade. De acordo com a legislação, inclusive um
decreto do próprio governo Bolsonaro, apenas fiscais do Ibama, que atuam em
campo, têm direito ao porte de arma na instituição. Isso foi apontado por
técnicos do órgão em dois pareceres: do coordenador de logística e
do coordenador-geral de
fiscalização.
Magalhães, no entanto, recebeu uma forcinha de
Olivaldi Azevedo, ex-colega na PM paulista e chefe dos servidores que deram os
pareceres contrários. Em fevereiro deste ano, o então diretor emitiu um
despacho opinando que Magalhães tem, sim, direito a portar arma no
cargo.
O pedido do coronel pode resultar na liberação para
todos os servidores em situação semelhante. O caso está sob análise da
Advocacia-geral da União, mas Olivaldi adiantou-se e já concedeu o
porte funcional a Magalhães enquanto se espera pela avaliação
jurídica.
Ironicamente, é para o lugar de Azevedo
que o ministro promoveu Olímpio Magalhães.
No Pará, Walter Magalhães foi responsável por um
afrouxamento de regras que revelamos em fevereiro. Por meio de
despachos não previstos em lei, ele atuou para liberar, retroativamente, cargas
de madeira que haviam sido exportadas sem autorização do Ibama.
Loteamento de órgãos
ambientais entre ex-PMs busca tornar a área obediente às vontades de
Bolsonaro e Salles.
Ao assumir a superintendência, o policial chegou a
morar por alguns dias na sede do órgão em Belém. Em pouco tempo, ganhou fama de
truculento pelo hábito de gritar com os subalternos. Na PM, ele havia
sido acusado por um subordinado de perseguição, tortura e homofobia.
Um processo foi aberto contra o coronel na corregedoria da corporação, mas quem
acabou expulso foi o denunciante.
Segundo servidores consultados pela REPORTAGEM,
que falaram sob a condição de anonimato por temerem retaliações, o loteamento
de órgãos ambientais entre ex-policiais militares cumpre a função de tornar a
área obediente às vontades de Bolsonaro e Salles.
Mas nem mesmo eles escapam da guilhotina quando não
entregam resultados. Olivaldi Azevedo fora indicação do próprio
ministro e estava na função desde o início do governo Bolsonaro. Com o tempo,
porém, ele perdeu respaldo por não conseguir limitar o trabalho dos fiscais do
Ibama.
A gota d’água foi uma reportagem do Fantástico, da TV Globo,
exibida no último domingo, 12, sobre a operação no Xingu. O governo não gostou
da repercussão do assunto e das imagens de fiscais destruindo máquinas usadas
por criminosos na floresta. A destruição é prevista na lei e recomendada por
especialista, mas é repudiada por Bolsonaro.
No dia seguinte à reportagem, o presidente do
Ibama, Eduardo Bim, enviou um despacho a
Olivaldi. Afirmou que soubera da operação pela imprensa e pediu “informações
detalhadas”. No dia seguinte, a exoneração do diretor foi publicada no Diário
Oficial da União.
Relação
íntima começou em São Paulo
Salles foi secretário de Meio Ambiente do tucano
Geraldo Alckmin por um ano, entre 2016 e 2017 – tempo suficiente para que ele
mandasse adulterar mapas de forma a favorecer mineradoras. Não por
coincidência, é da PM de São Paulo que saiu a maioria dos militares que hoje
estão no governo.
A relação íntima entre o hoje ministro e os
policiais começou quando Salles emplacou um nome de sua confiança,
o coronel Alberto Mafi Sardilli, para o comando da polícia militar ambiental
paulista. A partir daí, segundo pessoas ouvidas pelo Intercept que acompanharam
a gestão de Salles na secretaria, os laços se estreitaram. No Ibama, onde
militares comandam um terço das superintendências estaduais, nomes da PM
paulista estão à frente de três das principais – as do Pará, São Paulo e Santa
Catarina.
Dois diretores poderosos também saíram da
corporação. Um é o recém-promovido Magalhães, enviado de Manaus a Brasília com
a missão de controlar a fiscalização ambiental. O outro é Luis Carlos Hiromi
Nagao, coronel da reserva que também não tinha experiência prévia na área.
Atual diretor de Planejamento – controla o orçamento do órgão –, Nagao é
descrito por servidores de carreira como um sujeito autoritário e costuma
assumir a presidência interina nas ausências do titular, o advogado Eduardo
Bim. Ele chegou a ser cotado para a vaga de Magalhães.
No ICMBio, ex-PMs
controlam a presidência, todas as diretorias e quatro das cinco coordenações
regionais.
O domínio de militares estaduais é ainda maior no
ICMBio, órgão criado para cuidar das 334 unidades de conservação federais
brasileiras. Desde o final de abril, a presidência e todas as quatro diretorias
são ocupadas por ex-PMs de São Paulo. Mas uma mudança recente, ainda não
oficializada, também centraliza nos militares as decisões locais sobre parques
nacionais, estações ecológicas, florestas e reservas extrativistas do país.
Um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro, que entrará
em vigor no dia 12 de maio, extinguiu as atuais 11 coordenações regionais do
ICMBio e as trocou por apenas cinco “gerências”, que vão administrar as regiões
Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Quatro delas, à exceção da região
Norte, serão entregues a ex-policiais militares. Os nomes estão numa tabela
apresentada numa reunião da cúpula do ICMBio, feita após a assinatura do
decreto, à qual tivemos acesso.
Pessoas que acompanham as nomeações nos órgãos
ambientais afirmam que os PMs em posições de comando em Brasília são escolhas
de Salles ou recomendadas a ele por militares de confiança. Já cargos
regionais, como as superintendências do Ibama nos estados ou as chefias de
unidades de conservação, são mais sujeitos a indicações políticas locais.
Transição
sem diálogo
Salles não iniciou sua gestão assessorado por
militares. Último dos 22 ministros a ser anunciado para o governo Bolsonaro,
ele caiu de paraquedas nos trabalhos do governo de transição, em dezembro de
2018.
Nas semanas anteriores, os gestores ambientais do
governo Temer vinham passando as informações da área a uma equipe de 15 pessoas
nomeada pelo então coordenador do gabinete de transição, Onyx Lorenzoni, para
cuidar das políticas de “desenvolvimento sustentável” do novo governo.
Esta equipe, liderada pelo pesquisador Ismael
Nobre, tinha bom diálogo com o grupo de Temer. Quando Salles assumiu a
transição, porém, cortou toda a comunicação com os antecessores, segundo
participantes daquelas discussões. “Só recebemos um recado deles [do grupo de
Salles] para não passar mais nada ao pessoal do Ismael. Mas nunca nos chamaram
para uma reunião”, diz um ex-funcionário do ministério do meio ambiente no
governo Temer.
Antes da posse de Bolsonaro, os braços
direito e esquerdo de Salles eram o ruralista Evaristo de Miranda,
hoje chefe da Embrapa Territorial, e Gilson Machado, atual presidente da
Embratur.
Fontes da pasta ouvidas pelo Intercept afirmam que
ambos tinham influência no início da gestão de Salles – especialmente Miranda,
que chegou a ser convidado para ser ministro e chancelava as principais
decisões. Com o passar do tempo, contudo, eles foram progressivamente afastados
do núcleo de tomada de decisões na área.
No ICMBio, a militarização começou pelo topo – e
com barulho. O ambientalista Adalberto Eberhard, que ocupava a presidência do
instituto desde o início do governo Bolsonaro, pediu demissão em abril do ano
passado dias após Salles ter ameaçado abrir processo contra
servidores que não o acompanharam num evento em Tavares, Rio Grande do Sul.
Em 2019, oficiais de
PMs de todo o país receberam mensagem com pedidos de indicações para
chefiar unidades de conservação.
No mesmo dia em que anunciou o coronel Cerqueira
para substituir Eberhard, Salles informou em seu Twitter a exoneração
de todos os quatro diretores do instituto e a nomeação de quatro membros da PM
paulista para os cargos. Todos estão em seus postos até hoje.
Cerqueira, um bolsonarista que imita o estilo do
chefe e ataca ONGs ambientais em suas redes sociais, começou a militarizar
os escalões mais baixos nos meses seguintes. Após um encontro nacional de
policiais militares ambientais em Iperó, São Paulo, em junho de 2019, o
presidente do ICMBio mandou enviar uma mensagem a comandantes
de Polícia Militar de todo o país, pedindo indicações de agentes inativos
interessados em assumir chefias de unidades de conservação.
Algumas nomeações feitas depois dessa convocação
deixaram digitais dos grupos que influenciam o governo. O tenente Wenderson
Viana Guilherme, que assumiu em outubro a chefia da Área de Proteção Ambiental
da Costa dos Corais, em Tamandaré, Pernambuco, entrou no lugar do biólogo Iran
Campello Normande, que foi transferido à revelia pelo presidente do ICMBio.
Em 2016, Normande havia multado Gilson
Machado, atual presidente da Embratur e que auxiliou Salles na transição,
pela construção de bângalos na APA da Costa dos Corais. O Estado de S. Paulo noticiou
que Machado teve essa multa cancelada, há menos de um mês, por ordem do chefe
do ICMBio em Pernambuco, Ronei Alcântara, um major do Corpo de Bombeiros que
está no órgão ambiental desde outubro. Quando Machado assumiu a Embratur, em
maio, Cerqueira desejou sucesso ao “amigo” e publicou uma foto dos dois.
Questionamos ao ministério do meio ambiente o que
qualifica Magalhães para ocupar a diretoria e qual foi o motivo da demissão de
Olivaldi. O contato foi feito por e-mail, já que todos os telefones da assessoria
de imprensa, fixos ou celulares, não deram retorno apesar de várias tentativas.
A secretaria do gabinete de Salles, no entanto, confirmou que o pedido foi
recebido, mas não houve resposta até a publicação deste texto.
Também procuramos os dois ex-policiais para comentarem o assunto, mas
nenhum quis se pronunciar.
Fonte: Rafael
Neves, Eduardo Goulart de Andrade/ TI Brasil