O salário mínimo é um dos alvos do golpe
O novo governo avalia que o mínimo é só um custo, e
deve ser reduzido para que haja aumento da competitividade da economia
No governo Lula, formalização aumentou enquanto o
salário mínimo também aumentava
Frei Betto tem razão quando diz que faltariam ruas
para protestos se os pobres soubessem quais são os planos da coligação que
tenta tomar o governo pela via do golpe. Um dos alvos principais é o salário
mínimo. As razões são variadas. Mas todas convergem: o mais importante será a
redução do valor real do salário mínimo.
O salário mínimo foi criado no dia 1º de maio de
1940 por Getúlio Vargas. Desde a sua criação, o salário mínimo sofreu muitos
ataques. São ataques contra o seu valor e ataques à sua existência.
Sempre foi mais difícil atacar a sua existência já
que o principal argumento contrário é que salários deveriam ser negociados
livremente entre patrões e empregados. Mas todos sabem que trabalhadores
negociariam quase sempre com muita desvantagem.
Não será surpresa, contudo, que comecem a surgir
propostas no sentido da eliminação da obrigatoriedade do pagamento de um valor
mínimo para o salário no mercado de trabalho.
Eles irão propor que o salário mínimo seja um valor
de referência para a negociação, mas não uma obrigatoriedade. Não é um absurdo
pensar nessa possibilidade.
Afinal, o que é a proposta patrocinada por
instituições envolvidas no golpe referente à área trabalhista que propõe que o
“negociado deve prevalecer sobre o legislado”? Representa a base do fim dos
direitos trabalhistas estabelecidos e seguros.
O golpe de 1964 também atacou e depreciou o valor
do salário mínimo. João Goulart, o presidente que foi afastado, defendeu o
salário mínimo concedendo aumentos necessários. Em março de 1964, o salário
mínimo valia mais que 1,2 mil reais a preços de hoje. Ao final do regime
ditatorial militar-empresarial, em 1985, o salário valia menos da metade do que
valia no governo de Goulart.
Com o golpe de 1964, um novo modelo econômico foi
imposto. O pacto militar-empresarial era pela promoção do crescimento econômico
e a realização de investimentos públicos e privados. E assim foi feito. Mas foi
um modelo concentrador de renda e de riqueza. A ideia que justificava esse
modelo foi expressa pelo então ministro Delfim Netto, que dizia que era
necessário, primeiro, fazer o bolo crescer para, depois, distribuí-lo. Cresceu,
mas não foi distribuído.
Durante a ditadura, o setor privado fez grandes
investimentos financiados pela folga financeira devido à redução de custos que
representava a folha de pagamentos (arrocho salarial) – além de favores
concedidos pelos militares a determinados setores empresariais.
O arrocho salarial não foi uma mera maldade de um
governo que eliminou a democracia, extinguiu a liberdade, torturou e
assassinou; a compressão salarial era parte importante do modelo de
financiamento do crescimento econômico com concentração de renda e
riqueza.
No golpe que está em curso há também argumentos
para justificar a compressão do valor real do salário mínimo. Alguns argumentos
são similares. O modelo econômico de Michel Temer guarda semelhanças com o
modelo econômico da ditadura: crescer com concentração de renda ou fazer o bolo
crescer e jamais distribuí-lo.
O primeiro argumento dos defensores do golpe é que
o salário mínimo é exclusivamente um custo e, portanto, deve ser reduzido para
que haja aumento da competitividade da economia. Em outras palavras, o dinheiro
que iria para os trabalhadores deve ir para as mãos dos empresários para que
possam investir (ou aplicar no mercado financeiro).
Para aumentar a poupança privada, defendem que será
necessário tirar o dinheiro de quem gasta tudo o que recebe para colocar nas
mãos de quem não transforma em consumo ganhos adicionais.
Este primeiro argumento está absolutamente
equivocado. Esquecem que salários baixos (tal como o mínimo) são, na verdade,
gastos em sua totalidade pelos trabalhadores e suas famílias. O resultado é que
a massa salarial de todos quem têm baixa renda (ou renda média) vai para o
comércio de bens e mercadorias. Logo, o salário mínimo é muito mais um
dinamizador da economia (ativando o comércio e a produção) do que uma trava na
forma de custos.
O segundo argumento dos golpistas: consideram que
quanto maior o valor do salário mínimo maior é a informalidade no mercado de
trabalho. Documento do Ministério da Fazenda (de 22 de dezembro de 2000,
disponível do site no ministério), quando o ministro era Pedro Malan e o
presidente era Fernando Henrique Cardoso, declarava que: “... o aumento no
valor do salário mínimo pode vir acompanhado de um aumento da informalidade...”.
O raciocínio tucano do período FHC, que está de
volta, é básico: se, de um lado, houve aumento de custos empresarias via
reajuste do salário mínimo, isso gerará informalidade (ou seja, carteira de
trabalho não assinada) para que haja redução de custos, de outro
lado. Então, a redução do valor do mínimo garantiria a carteira assinada e
protegeria o trabalhador.
Aqui há um segundo equívoco que foi provado pela
experiência dos últimos anos, mas principalmente evidenciada durante os
governos do ex-presidente Lula. Juntamente com as centrais sindicais o
presidente formulou uma regra de reajuste do salario mínimo que é a seguinte: o
salário mínimo é reajustado todos os anos de acordo com a inflação do ano
anterior mais o crescimento econômico de dois atrás.
A regra garante que o salário mínimo não perde
valor real e se a economia crescer, ganha poder de compra. O resultado foi que
houve uma extraordinária valorização do salário mínimo (mais que 70% em termos
reais). E para causar pesadelo nos conservadores: a informalidade no mercado de
trabalho caiu drasticamente durante os governos do PT e seus aliados.
Por último, querem atacar os beneficiários da
Previdência Social quebrando uma regra de ouro: nenhum benefício da Previdência
Social pode ter valor inferior a um salário mínimo. A Previdência Social paga
quase 30 milhões de benefícios por mês. Aproximadamente 70% dos beneficiários
da Previdência Social receberiam menos que um salário mínimo se não fosse essa
regra de ouro. Os golpistas não aceitam que o valor de piso de um benefício da
Previdência seja de um salário mínimo.
Se conseguirem quebrar essa regra de ouro, vão
prejudicar 20 milhões de pessoas e suas famílias. Mas dizem que querem salvar a
Previdência. Em verdade, querem reduzir gastos na Previdência para ter mais
espaço orçamentário para transferir renda para grandes grupos empresariais
(financeiros, inclusive).
É muito importante destacar que os benefícios pagos
pela Previdência juntamente com o salário mínimo pago no mercado de trabalho são
os dois mais fortes instrumentos de distribuição de renda no Brasil. Portanto,
ao mirar no valor do salário mínimo e nos benefícios da Previdência Social, o
modelo econômico golpista revela a sua face concentradora de renda. E revela
sua face ideológica: antipopular.
Fonte:
Carta Capital