Image copyright Getty Images Image
caption Brasil vem evoluindo em igualdade entre gêneros, mas disparidade ainda
é grande, aponta estudos
Com uma população feminina mais educada e saudável
que a masculina, o Brasil poderia rapidamente reequilibrar a relação de
desigualdade entre homens e mulheres se adotasse "políticas
concretas".
Em particular, o país poderia reforçar "uma
rede de apoio social que as liberte (as mulheres) para o trabalho", disse
uma especialista em entrevista à BBC Brasil.
A constatação é do Fórum Econômico Mundial (WEF, na
sigla em inglês), que divulgou seu amplo relatório anual
examinando as diferenças de oportunidades para homens e mulheres em 144 países.
Segundo o estudo, no ritmo atual seriam necessários
95 anos para que mulheres e homens atingissem situação de plena igualdade no
Brasil.
O país ficou na 79ª posição no ranking global de
2016 da igualdade de gêneros. Em 2015, havia ficado na 85ª posição. Mas a pontuação
do país subiu apenas marginalmente: 0.687, sendo 1 o desempenho ideal.
As brasileiras têm um desempenho melhor que os
brasileiros nos indicadores de saúde e educação, mas ainda enfrentam acentuada
discrepância em representatividade política e paridade econômica, destaca o
relatório.
O Índice Global de Desigualdade de Gênero leva em
consideração estatísticas de 144 países, que avaliam as condições enfrentadas
por mulheres nas áreas de saúde, educação, paridade econômica e participação
política.
Situação pior
Em 2016, a estimativa é que a lacuna de
desigualdade entre homens e mulheres leve 170 anos para ser preenchida no
mundo.
A situação mundial piorou de forma geral, mas houve
melhora na região da América Latina e do Caribe.
O Brasil, entretanto, é o pior colocado entre as
grandes economias do continente, atrás da Argentina (33º), México (66º) e Chile
(70º). Ficou, porém, à frente do Uruguai (91º).
Entre os mais bem posicionados, há apenas um
representante latino, a Nicarágua, em 10º lugar.
Mais especificamente, as brasileiras sofrem com
falta de representação política e salários baixos. Isso apesar de terem
desempenho melhor que os homens em saúde e educação.
Para cada estudante homem do ensino superior
brasileiro, elas ocupam 1,3 vaga. É uma situação que se reproduz no mundo, já
que elas são a maioria dos estudantes universitários em 95 dos 144 países
pesquisados.
Na saúde, as brasileiras também têm melhores
indicadores: vivem em média cinco anos a mais que os brasileiros. A expectativa
de vida feminina é de 68 anos, frente a 63 anos da masculina.
Image copyright Getty Images Image
caption Ainda é grande a diferença nos salários pagos a mulheres e homens no
Brasil
Liberação
Mas se os indicadores de base são fundamentalmente
bons, por que o Brasil não consegue deslanchar na igualdade de gênero?
Saadia Zahidi, chefe para iniciativas de gênero e
emprego do Fórum WEF, explica que é necessário adotar estratégias pragmáticas
que promovam a inclusão das mulheres no mercado de trabalho bem remunerado e na
política.
"Para mudar isso, é necessário uma abordagem
consciente, do ponto de vista econômico, para o aproveitamento desses talentos.
Já temos mais mulheres se graduando na universidade do que homens, não se trata
do futuro, isso já é o presente. Precisamos agora empregar essa força
produtivamente", afirma.
Zahidi explica que a percepção geral é de que as
mulheres devem cuidar da família. Nas camadas sociais mais elevadas, há
recursos para bancar a ajuda de babás para crianças e enfermeiras para idosos.
No caso das camadas intermediárias e baixas da sociedade,
essas responsabilidades recaem sobre as mulheres, o que as impede de trabalhar.
"Também é necessário mudar as percepções.
Diversidade precisa ser vista como um motor para crescimento, propiciando
investimento maior em infra-estruturas de cuidado. Mulheres de alta renda
conseguem pagar para ter ajuda para as crianças e os idosos, mas mulheres de
classe média e baixa não conseguem. É necessário oferecer a elas uma rede de
apoio social que as liberte para o trabalho", diz.
Política
O ranking do WEF considera em seu cálculo, entre
outros fatores, o tempo que uma mulher liderou o país e a porcentagem de
representação feminina nas posições políticas mais altas.
Em maio passado, a organização preparou a pedido da
BBC Brasil uma simulação do impacto que o novo gabinete do - então interino -
governo Temer teria sobre o índice, uma vez que não havia mulheres entre os
ministros convocados.
Na simulação, o Brasil chegou a retroceder da 89ª
para 139ª posição no sub-índice Empoderamento Político. No índice geral, que
inclui saúde, educação e poder econômico, a queda fora da 85ª para a 107ª
posição.
Zahidi destaca que o retrocessos previstos não
chegaram a se materializar na edição de 2016, porque os dados utilizados como
base de cálculo são repassados pela União Inter-Parlamentar, organização que
compila estatísticas e políticas de parlamentos no mundo.
Image copyright ABR Image caption
Falta de representatividade no primeiro escalão do governo federal afetará o
Brasil negativamente no próximo ranking
Essas informações são repassadas com defasagem de
cerca de um ano ao WEF. Zahidi estima que a próxima edição do ranking deverá
ser mais sombria para o Brasil, por conta desta futura atualização negativa.
Ciente da escassez de lideranças femininas nos
altos escalões de poder brasileiro, Zahidi avalia o que acredita ser necessário
para mudar essa realidade.
"Em uma democracia é necessário haver
representatividade. As mulheres são metade da população e deveriam ter
representação política semelhante. A presença de mulheres em posição de
liderança tem um impacto expressivo sobre o empoderamento, pois estabelece
papéis modelo aos quais novas gerações aspiram."
Esse fenômeno de fomento de inspiração, chamado em
inglês de role modelling, serviria para incentivar uma maior atuação
engajada de mulheres na política, gerando um ciclo virtuoso na qual o número de
lideranças femininas seria multiplicado ao longo das próximas gerações.
"Estudos da OCDE (Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico) mostram que mulheres em posições de liderança
política influenciam positivamente a distribuição de recursos públicos. Elas
tendem a fazer escolhas mais solidárias, alocando orçamento para partes da
sociedade anteriormente negligenciadas, o que resulta em redução de desigualdade
de renda", diz.
'Desperdício de talentos'
No topo do ranking ficaram Islândia (1º), Finlândia
(2º), Noruega (3º), Suécia (4º), Ruanda (5º), Irlanda (6º), Filipinas (7º),
Eslovênia (8º) e Nova Zelândia (9º).
Os técnicos do Fórum admitem que pode parecer surpreendente
que países em desenvolvimento, como Ruanda e Filipinas, figurem entre os
primeiros da lista, mas dizem que muito se deve ao peso econômico que as
mulheres exercem em suas sociedades.
No caso das Filipinas, por exemplo, há uma grande
massa de trabalhadoras domésticas que vive fora do país e colabora
decisivamente para a geração de riqueza, com remessas de dividendos importantes
para a economia do país.
Segundo a análise do WEF, o mundo enfrenta um "desperdício
agudo de talentos", ao não propiciar às mulheres oportunidades
profissionais equivalentes às dos homens
Fonte: BBC Brasil