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Sanitarista diz
esperar que comunidades busquem refúgio nas matas para evitar se contaminar com
o novo coronavírus
À
medida que o novo coronavírus se alastra pelo Brasil, crescem os temores de que
comunidades indígenas sejam dizimadas pela covid-19, a doença causada pelo
patógeno.
Doenças
respiratórias já são a principal causa de morte entre as populações nativas
brasileiras, o que torna a pandemia atual especialmente perigosa para esses
grupos.
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Há
ainda preocupações quanto ao desabastecimento de muitas comunidades indígenas
que compram alimentos em cidades e dependem de programas sociais como o Bolsa
Família, mas estão sendo orientadas a evitar os deslocamentos para impedir o
contágio.
Apesar
da gravidade do cenário, associações indígenas e entidades que os apoiam
afirmam que órgãos federais não têm adotado providências para proteger as
comunidades - e que há falta de materiais básicos, como máscaras, para lidar
com eventuais casos nas aldeias.
"Há
um risco incrível de o vírus se alastrar pelas comunidades e provocar um
genocídio", diz a médica sanitarista Sofia Mendonça, pesquisadora da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Mendonça
é a atual coordenadora do Projeto Xingu da Unifesp, pelo qual a universidade
atua na promoção da saúde de povos indígenas da bacia do rio Xingu (no Mato
Grosso e no Pará) há meio século.
Ela
afirma que o novo coronavírus pode ter para povos indígenas brasileiros impacto
comparável ao de grandes epidemias do passado, como as causadas pelo sarampo.
"Todos
adoecem, e você perde todos os velhos, sua sabedoria e organização social. Fica
um buraco nas aldeias", afirma.
Mendonça
diz, por outro lado, que a memória de epidemias passadas pode estimular
comunidades que vivem em territórios extensos a se dividir em grupos menores e
buscar refúgio no interior da mata.
"Provavelmente
alguns vão se munir de materiais que precisam para caçar e pescar e vão fazer
acampamentos, esperando lá até a poeira baixar", afirma.
Mendonça
diz que métodos usados em áreas urbanas para reduzir o contágio - como
higienizar as mãos com álcool gel - são impráticaveis em muitas aldeias. Por
isso ela defende concentrar os esforços em impedir que o vírus chegue às
comunidades e isolar eventuais infectados.
Imagem FUNAI
Etnias
com pouco contato com a sociedade não indígena envolvente, como os suruwahá
(foto), podem ser especialmente vulneráveis a doenças respiratórias
Mendonça,
assim como várias organizações indígenas brasileiras, tem difundido mensagens
no WhatsApp e por rádio orientando as comunidades a suspender as idas às
cidades e impedir a entrada de visitantes.
Nas
últimas semanas, vários grupos cancelaram reuniões e rituais abertos a
turistas. O Acampamento Terra Livre - principal evento do movimento indígena
brasileiro, que ocorre em Brasília a cada mês de abril - foi suspenso.
Mesmo
assim, Mendonça diz que há chances consideráveis de que o vírus chegue às aldeias
- e que será preciso isolar os doentes antes que eles infectem os parentes.
Segundo
ela, os modos de vida de vários povos indígenas - que incluem compartilhar
utensílios como cuias e morar em habitações com muitas pessoas - tendem a
ampliar o poder de contágio de doenças infecciosas.
Em
2018, segundo o Ministério da Saúde, doenças infecciosas e parasitárias - tipos
de enfermidades considerados evitáveis - foram responsáveis por 7,2% das mortes
ocorridas entre indígenas, ante uma média nacional de 4,5%.
Entre
crianças indígenas com menos de um ano, doenças respiratórias foram
responsáveis por 22,6% das mortes registradas em 2019, índice só inferior ao de
mortes causadas por problemas no período perinatal (24,5%).
Reclusão
Mendonça
tem orientado as comunidades a adotar práticas de reclusão - normalmente usadas
em ritos de passagem - para isolar as pessoas com sintomas da doença.
Nesses
rituais, diz a médica, várias comunidades costumam usar barreiras físicas, como
paredes de palha, para que o recluso não tenha contato com os demais membros do
grupo.
Mendonça
afirma que também é preciso agir para impedir que o vírus chegue a grupos que
vivem em isolamento voluntário. Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio),
há 107 registros de grupos indígenas não contatados na Amazônia brasileira.
Muitos
territórios habitados por esses grupos são alvo de madeireiros, garimpeiros,
caçadores e missionários, que podem levar o vírus até as comunidades.
Mendonça
diz que a Funai deveria reativar bases encarregadas de proteger essas áreas que
foram fechadas nos últimos anos em meio à redução do orçamento do órgão.
Ela
defende ainda que indígenas que estejam nas cidades e apresentem sintomas
associados à covid-19 sejam submetidos a exames. Se não houver confirmação da
doença, deveriam voltar rapidamente à aldeia, reduzindo as chances de contágio
na cidade.
Imagem IBAMA
Especialistas temem
que garimpeiros e outros invasores levem novo coronavírus a povos indígenas
Por
ora, no entanto, a Secretaria Especial de Saúde Indígena não dispõe de testes
para detectar a covid-19, segundo profissionais de saúde entrevistados na
condição de anonimato.
Uma
servidora que atua em Mato Grosso diz que também faltam máscaras e outros itens
básicos proteção para lidar com eventuais casos nas aldeias.
Ela
afirma que procedimentos médicos não urgentes entre indígenas foram suspensos,
e que só pacientes em estado grave estão sendo enviados a hospitais, para
reduzir os riscos de contágio. Os demais casos estão sendo tratados nas
aldeias.
Diante
da falta de recursos e ações governamentais para enfrentar a pandemia, ela
afirma que servidores estão se organizando por conta própria, arrecadando entre
conhecidos itens de limpeza e alimentos para enviar às comunidades.
Casos suspeitos
Segundo
a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da
Saúde, não há infecções confirmadas do novo coronavírus entre indígenas.
Em
São Gabriel da Cachoeira, município amazonense na fronteira do Brasil com a
Colômbia e a Venezuela onde a maioria da população é indígena, órgãos
sanitários aguardam o resultado de um exame em uma paciente não indígena que
chegou de Manaus recentemente.
Até
esta terça-feira (24/03), a capital amazonense tinha 45 casos confirmados da
doença.
Não
há em São Gabriel Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) nem respiradores mecânicos, o que obrigaria o deslocamento
de pacientes em estado grave até Manaus, a mil quilômetros de distância por via
fluvial.
Marivelton
Baré, diretor presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), baseada em São Gabriel da
Cachoeira, diz que as comunidades da região estão em pânico.
Ele
diz que, na semana passada, a prefeitura se comprometeu a proibir a chegada de
embarcações, principal meio de acesso à cidade, mas que, mesmo assim, um barco
com cerca de cem passageiros aportou na última segunda-feira (23/03).
Baré
afirma ainda que, embora o governo federal tenha ordenado o fechamento das
fronteiras na semana passada, continua a haver trânsito de venezuelanos e
colombianos na região.
Segundo
Baré, há especial preocupação com indígenas das etnias hupdah e yuhupdeh que
passam vários meses do ano acampados à beira do rio Negro, na área urbana de
São Gabriel da Cachoeira.
O
fluxo de membros dessas etnias aumentou nos últimos anos à medida que foram
cadastrados pelo programa Bolsa Família e passaram a se deslocar até a cidade
para receber o benefício.
Oriundas
de comunidades que ficam a alguns dias de barco da sede de São Gabriel, várias
dessas famílias têm dificuldades para comprar o combustível necessário para a
viagem de volta e acabam permanecendo longos períodos na cidade. Com isso,
deixaram de cultivar suas roças e passaram a depender do alimento comprado nas
cidades.
Imagem GETTY IMAGES
Segundo
a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da
Saúde, não há infecções confirmadas do novo coronavírus entre indígenas
Membros
de várias outras etnias da região também costumam visitar São Gabriel no
período de liberação do Bolsa Família, período em que há grande aglomeração nas
ruas do município.
Baré
diz que será preciso pensar em formas de levar alimentos às aldeias para que os
indígenas não precisem visitar a cidade durante a pandemia. O desafio se aplica
a várias outras regiões do Brasil onde indígenas costumam frequentar cidades
para suprir necessidades básicas.
Questionada
pela reportagem sobre a ameaça de falta de alimentos nas comunidades durante a
pandemia, a Funai não citou ações específicas para lidar com a questão.
Em
nota, o órgão disse apenas que "está ciente da situação de maior
vulnerabilidade dos diversos povos indígenas do Brasil" e vem articulando
ações com outros órgãos, como o Ministério da Cidadania e a Companhia Nacional
de Abastecimento (Conab), sobre o tema.
A
Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) tampouco se pronunciou sobre os
temores de desabastecimento nas aldeias.
Em
nota sobre sua posição diante da pandemia, a secretaria diz ter produzido
"uma série de documentos técnicos para que povos indígenas, gestores e
colaboradores fossem orientados a adotar medidas de prevenção da infecção pelo coronavírus".
Segundo
a Sesai, "todas as Equipes
Multidisciplinares de Saúde Indígena já receberam capacitação para atuar em
eventuais casos suspeitos de covid-19".
O
órgão diz ainda que vem orientando os indígenas a se deslocar à cidade somente
"em caso de extrema necessidade", e que, ao retornar às aldeias,
"devem ficar atentos às medidas de higienização recomendadas".
Campanhas
para arrecadar recursos
O
temor de desabastecimento em meio à pandemia tem feito muitas comunidades
indígenas promoverem campanhas para arrecadar recursos.
É
o caso, por exemplo, da comunidade Mendonças do Amarelão, do Rio Grande do
Norte, e do povo maxakali, de Minas Gerais. Ambos divulgaram no WhatsApp contas
bancárias para receber doações.
"Estamos
com medo de ir na cidade, por isso eu peço a cada um de vocês coaboração para a
gente comprar cesta básica", diz uma mensagem divulgada por Isael
Maxakali, da etnia de Minas Gerais.
Para
o bispo Roque Paloschi, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi),
órgão ligado à Igreja Católica que atua junto a dezenas de povos indígenas
brasileiros, as ações do governo federal para proteger as comunidades da
pandemia estão "muito aquém do necessário".
"Temos
a preocupação de que o governo aproveite essa situação para retirar toda a
assistência das comunidades, estabelecendo um caos completo e visando a
retirada dos indígenas dos seus territórios", diz Paloschi.
Ele
afirma que, sem esperança de serem acudidos pelo governo, indígenas de várias
regiões do país têm sido obrigadas a recorrer à solidariedade de outros cidadãos.
"Nesta
pandemia, não há plano do governo para lidar com as necessidades mais básicas
não só das populações indígenas, mas também dos mais pobres e
vulneráveis", critica.
Os casos
O
primeiro registro do coronavírus no
Brasil foi em 24 de fevereiro. Um empresário de 61 anos, que mora em São Paulo
(SP), foi infectado após retornar de uma viagem, entre 9 e 21 de fevereiro, à
região italiana da Lombardia, a mais afetada do país europeu que tem mais casos
fora da China.
De
acordo com o Ministério da Saúde, o empresário de 61 anos tinha sintomas como
febre, tosse seca, dor de garganta e coriza. Parentes dele passaram a ser
monitorados. Dias depois, exames apontaram que uma pessoa ligada ao paciente
também estava com o novo coronavírus e transmitiu o vírus para uma terceira
pessoa. Todos permaneceram em quarentena em suas casas, pelo período de, ao
menos, 14 dias.
Após
o primeiro caso, outros diversos registros passaram a ser feitos no Brasil.
Muitos vieram de países com inúmeros casos do novo coronavírus, mas depois
foram registrados casos de transmissão local e, por fim, comunitária.
Duas
semanas depois, foi anunciado que o empresário de 61 anos está curado da doença
provocada pelo novo coronavírus.
Cuidados
A
principal recomendação de profissionais de saúde que acompanham o surto é
simples, porém bastante eficiente: lavar as mãos com sabão após usar o
banheiro, sempre que chegar em casa ou antes de manipular alimentos.
O
ideal é esfregar as mãos por algo entre 15 e 20 segundos para garantir que os
vírus e bactérias serão eliminados.
Se
estiver em um ambiente público, por exemplo, ou com grande aglomeração, não
toque a boca, o nariz ou olhos sem antes ter antes lavado as mãos ou pelo
limpá-las com álcool. O vírus é transmitido por via aérea, mas também pelo
contato.
Também
é importante manter o ambiente limpo, higienizando com soluções desinfetantes
as superfícies como, por exemplo, móveis e telefones celulares.
Para
limpar o celular, pode-se usar uma solução com mais ou menos metade de água e
metade de álcool, além de um pano limpo.
BBC
Brasil