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caption Posse do presidente Michel Temer completa seis meses, mas sua
administração continua ameaçada
"O Cunha vai falaaar, o Moro vai te
pegaaar"; com esse canto uma pequena banda de manifestantes recepcionava
no aeroporto os políticos que voltavam para Brasília em uma terça-feira, no
final de outubro.
A "ameaça" era uma referência a
possibilidade de que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, agora preso,
feche um acordo de delação premiada e entregue possíveis provas contra seus
ex-colegas para a Operação Lava Jato e o juiz Sergio Moro.
O episódio ilustra um pouco do clima na capital
federal, seis meses após a queda da ex-presidente Dilma Rousseff e a posse de
Michel Temer, em 12 de maio.
A troca de governo, definitivamente confirmada no
final de agosto, por um lado melhorou sensivelmente a relação entre Planalto e
Congresso, o que permitiu ao presidente avançar com sua principal proposta - a
criação de um teto de vinte anos para conter a expansão dos gastos públicos,
que já passou na Câmara e deve receber o aval do Senado em dezembro.
Por outro lado, não foi capaz de encerrar a
instabilidade política, já que a incerteza quanto aos próximos capítulos da
Lava Jato continua a rondar a Praça dos Três Poderes. Além disso, a pendência
de uma ação movida pelo PSDB no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pede a
cassação da chapa eleita em 2014 (Dilma-Temer) por supostas irregularidades na
campanha é outro foco de risco para o governo.
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caption Operação Lava Jato pode causar mais insegurança para o governo de
Michel Temer
Diante disso, têm aumentado nas últimas semanas as
especulações sobre uma possível interrupção da administração Temer. Mas, embora
essa possibilidade não possa ser totalmente descartada, não parece o cenário
mais provável, acredita o cientista político Rafael Cortez, da consultoria
Tendências.
Isso porque, explica ele, a Constituição prevê que
o presidente não pode sofrer impeachment por fatos anteriores ao seu mandato, o
que reduziria os riscos relacionados às delações. Quanto ao TSE, Cortez avalia
que o alto custo político de uma nova troca presidencial tende a suspender o
desfecho da ação.
Se a chapa for cassada ainda neste ano, teria que
ser convocada uma nova eleição direta. Já se for derrubada a partir de janeiro,
o Congresso escolheria o próximo presidente. Em ambos os casos, o novo
mandatário governaria até 2018.
"O que evita a eventual cassação da chapa é
justamente essa dimensão informal das relações da Justiça eleitoral com o mundo
político. Porque em boa medida o que vai prevalecer é o custo político muito
elevado de uma eventual nova transição presidencial em meio a um cenário de
crise econômica e de incerteza em relação a quem vai assumir", observa
Cortez.
"Acho que o efeito principal dessas duas
agendas (Lava Jato e TSE) é um pouco limitar o capital político do Temer e, por
consequência, limitar a governabilidade, especialmente aos olhos da agenda
econômica", acrescenta Cortez, destacando os desafios que o governo ainda
pode enfrentar para aprovar propostas polêmicas, como a reforma da Previdência.
Avaliação semelhante tem a cientista política
Andréa Freitas, professora da Unicamp. Ele observa que a negociação com o
Congresso envolve promessas (políticas e eleitorais) por parte do presidente -
eventuais incertezas sobre a estabilidade do governo dificultam esse processo.
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caption Especialistas apontam que, mesmo ameaçado, govero Temer corre pouco
risco de ser cassado
"Quando você tem um governo ameaçado do ponto
de vista de legitimidade, por várias frentes, pela Lava Jato, pelo TSE, as
propostas dele ficam menos críveis e isso dificulta os processos de
negociação", afirma.
Mesmo que pareça improvável hoje a cassação da
chapa pela Justiça eleitoral, "enquanto a ameaça estiver pairando, ela
pode ser efetivada, e isso torna o presidente um ator mais fraco",
ressalta ainda a professora.
Nesta semana, o caso voltou aos holofotes devido a
uma matéria do jornal Estado de S. Paulo com a imagem de um cheque de R$
1 milhão da Andrade Gutierrez, destinado ao diretório nacional do PMDB e
nominal à campanha do então candidato a vice-presidente Temer, em 10 de julho
de 2014.
Originalmente, Otávio Azevedo, ex-presidente da
empreiteira, havia dito que o valor fora destinado ao PT e que era acerto de propina,
o que foi questionado pela defesa de Dilma.
O PMDB negou qualquer irregularidade e disse que a
doação foi legal.
O ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral)
Herman Benjamin, relator do processo de cassação, afirmou, no início desse mês,
que está dando encaminhamento "estritamente técnico" ao caso.
"Vocês podem ver no meu gabinete no TSE, hoje
deve haver 29 processos. Não estou com um oceano de processos e neste estou
dando uma agilidade maior. Eu acho que processos eleitorais, por natureza, têm
que ser rápidos", disse a jornalistas, no VI Enaje, Encontro Nacional de
Juízes Estaduais, realizado em Porto Seguro (BA).
Quando Benjamin liberar seu voto, ainda dependerá
da decisão do ministro Gilmar Mendes, atual presidente do TSE, marcar uma data
para levar o caso a julgamento.
Odebrecht
A negociação do acordo de delação premiada de
dezenas de executivos da Odebrecht está bastante avançado, segundo notícias
vinculadas na imprensa brasileira. Vazamentos indicam que as revelações podem
atingir a cúpula dos principais partidos - PT, PSDB e PMDB.
As consequências para o governo são imprevisíveis.
O jornal Folha de S.Paulo, por exemplo, diz que a campanha presidencial
de 2010 do hoje ministro das Relações Exteriores, José Serra, teria recebido da
empreiteira R$ 23 milhões via caixa dois.
Já revista Veja diz que a Odebrecht teria
repassado em 2014 R$ 10 milhões em dinheiro vivo ao PMDB, sendo R$ 4 milhões
para o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e R$ 6 milhões para Paulo Skaf,
presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que
concorreu ao governo de São Paulo naquele ano. Os recursos seriam provenientes de
propina e não teriam sido declarados nas contas de campanha.
Serra, Padilha e Skaf negam qualquer
irregularidade. Revelações da Lava Jato já derrubaram importantes ministros de
Temer, como o senador Roméro Jucá (Planejamento) e Henrique Eduardo Alves (Turismo),
ambos do PMDB.
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caption Jornal aponta que o ministro das Relações Exteriores, José Serra, teria
recebido da Odebrecht R$ 23 milhões via caixa dois
O próprio presidente foi acusado pelo delator
Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, de ter pedido ajuda para obter
recursos ilícitos como doação eleitoral para a campanha de Gabriel Chalita à
prefeitura de São Paulo em 2012. Machado também prestou depoimento ao TSE,
dentro da ação que pede a cassação da chapa presidencial eleita em 2014.
No Congresso, lideranças dos principais partidos
tentam articular uma nova lei que criminalize o caixa 2 (doação não registrada
de campanha), com uma redação que anistie práticas passadas. A primeira
tentativa, em setembro, foi barrada pela repercussão negativa. Embora não haja
previsão de crime específico hoje, os agentes da Lava Jato dizem que essas
operações hoje podem ser punidas dentro da legislação eleitoral ou como crimes
de lavagem de dinheiro e corrupção.
Para Antonio Lavareda, professor de ciência
política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), não é possível prever
quais serão os impactos da delação da Odebrecht sobre o Planalto.
"O que a gente pode chamar de estabilidade
política tem uma dimensão objetiva e subjetiva. Na dimensão objetiva, o governo
tem conseguido marcar sua estabilidade, com uma base forte no Congresso",
destaca.
"Agora, na dimensão subjetiva, a Lava Jato
continua a alimentar bastante receio, insegurança e incerteza sobre o futuro e
o que poderá ser o ano de 2017", ressaltou.
Fonte:BBC Brasil