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Image caption Pistolas PT 840 (esq.) e 380 (dir.) da Taurus foram proibidas
após disparos involuntários
Ivanaldo
Gomes Alves, de 43 anos, conversava com os amigos durante o trabalho no posto
da Polícia Federal Rodoviária em Nova Olinda, no Maranhão. No meio da tarde do
último dia 30 de setembro, uma sexta-feira, ele decidiu fazer uma pausa para
fumar um cigarro.
O
policial separou uma unidade do maço e a colocou em cima do balcão. Em seguida,
foi à cozinha do posto.
Quando
Alves voltou, seu cigarro estava no chão. Ele se abaixou imediatamente para
pegá-lo.
E
não se levantou mais.
"Foi
um tiro só", relataram os dois policiais que estavam ao lado de Alves quando
sua pistola Taurus PT 100 caiu do coldre preso ao seu colete e disparou
sozinha. A bala atingiu a cabeça do policial, entre seus olhos. Ele morreu na
hora, deixando dois filhos e sua mulher.
Alves
é um dos 55 casos de policiais brasileiros atingidos por disparos acidentais de
pistolas e metralhadoras em todo o país reunidos no site Vítimas da Taurus.
A
intenção dos criadores do portal, que também estão entre as vítimas, é
pressionar o Exército - regulador da produção no país - a proibir
definitivamente a fabricação e o uso das armas feitas pela empresa.
Eles
também pressionam pela abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
no Congresso Nacional, exigem que a Taurus indenize as vítimas e pedem que o
governo abra o mercado para que seja possível a importação de outras marcas.
A
Taurus, por sua vez, negou que seja culpada pelos incidentes e afirmou ser
vítima de uma "campanha" contra sua reputação.
Ao
ser questionada sobre o número de acidentes, a empresa disse que os policiais tinham
muita dificuldade de lidar com armas modernas de pronto emprego, como as
pistolas da Taurus - a empresa diz acreditar que parte dos acidentes tenha sido
causada por falhas dos próprios policiais.
Por
outro lado, o governo estadual paulista decidiu proibir a compra de novas
Taurus durante dois anos.
A
decisão, publicada no Diário Oficial na última semana, ocorreu após a Polícia
Militar paulista produzir um laudo que apontou que 5.931 submetralhadoras
modelo SMT 40, compradas por R$ 21 milhões, tinham defeitos de fábrica.
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Image caption Governo de SP gastou R$ 21 milhões, mas nunca usou
submetralhadoras da Taurus
Todas
as armas estão guardadas há cinco anos e nunca chegaram a ir para as mãos dos
policiais do Estado.
O
governo afirmou, em nota, que os "laudos periciais atestam irregularidades
nas armas fornecidas pela empresa" e que "os PMs paulistas participam
de rigoroso treinamento nas academias de polícia, com destaque para o método
Giraldi, desenvolvido em São Paulo e reconhecido internacionalmente".
A
gestão disse ainda que está adotando as medidas previstas em contrato e que vai
esperar a conclusão do processo para definir se haverá substituição das armas
ou devolução do dinheiro.
A
Taurus não reconhece esses estudos e afirmou que os laudos concluídos até hoje
não apontaram falhas nas armas.
Pode disparar
sozinha
Embora
negue falha nas armas, o vice-presidente da Taurus, Salesio Nuhs, reconheceu em
entrevista que a empresa cometia erros de comunicação e falhou no passado por
não ter treinado os policiais para manusear suas armas.
Só
em agosto de 2016, a empresa assumiu que as pistolas podem disparar sozinhas ao
cair no chão e incluiu a informação em seus manuais de instrução.
"Depois
que a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) comprou a Taurus, em agosto do ano
passado, a gente se aproximou dos policiais. Oferecemos treinamentos online e
muitas informações sobre as armas para evitar acidentes. Também passamos a
recolher e revisar todas as armas do Brasil inteiro sem custo", afirmou.
A
Taurus é uma empresa brasileira de capital aberto, fundada em 1939 e comprada
pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) em 2015. Ela tem três fábricas no
Brasil e uma em Miami, nos Estados Unidos - onde é a quarta maior fornecedora
de armamentos.
Em
setembro deste ano, um policial morreu após sua arma disparar sozinha quando
ele caiu de uma moto no Rio de Janeiro. O tiro acertou sua perna e ele morreu
no hospital após perda excessiva de sangue.
Os
criadores do site Vítimas da Taurus suspeitam que pode ter ocorrido uma falha
da arma, mas não consideram esse caso por não terem certeza.
A
página contabiliza apenas os "casos confirmados de defeito da
pistola" - seus administradores afirmam que, durante a queda, uma blusa
pode ter enroscado e acionado o gatilho, por exemplo.
Durante
uma semana, conversamos com mais de 20 policiais de diversos Estados. Entre
eles, sargentos, tenentes, coronéis e soldados da PM, além de agentes federais
e investigadores da Polícia Civil. Todos relataram insegurança ao usar as armas
da Taurus e disseram que gostariam de poder escolher entre outras marcas.
Eles
também relataram conhecer vítimas de disparos involuntários de armas da marca
brasileira.
Redes sociais
Em
páginas no Facebook e em dezenas de vídeos publicados no YouTube, há policiais
de diversas regiões do país fazendo demonstrações de pistolas e metralhadoras
da Taurus falhando.
Um
dos vídeos, que também viralizou em grupos de WhatsApp de policiais militares,
mostra uma pistola Taurus aparentemente disparando sozinha após ser chacoalhada,
com o dedo fora do gatilho.
O
vídeo já registrou mais de 850 mil visualizações no Youtube.
Em
outro vídeo publicado por policiais de Brasília, uma submetralhadora regulada
para disparar um tiro por vez parece fazer disparos em rajada. Outra arma do
mesmo modelo também foi filmada, segundo os autores do registro, dando uma
sequência de tiros logo após um policial apenas encaixar um pente carregado com
munição.
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Image caption Vídeos publicados na internet mostram armas da Taurus
aparentemente disparando sozinhas
Em
outra filmagem feita por policiais do Piauí, uma carabina da fabricante
dispara, de acordo com eles, mesmo estando travada.
O
vice-presidente da Taurus afirmou que não comentaria a morte do policial no
Maranhão, caso que abre esta reportagem, porque o laudo ainda não ficou pronto.
Em relação aos vídeos, ele voltou a dizer que nenhum laudo comprovou falhas nas
armas.
Ao
comentar o fato de a empresa ser alvo de 40 ações na Justiça por disparos
involuntários, Nuhs disse que a Taurus não é culpada pelos acidentes e
ressaltou que a empresa nunca foi condenada.
"Produzimos
160 mil pistolas modelo 24/7, e nenhum laudo diz que elas são defeituosas. As
evidências técnicas feitas não validam a tese de que a Taurus é culpada por
esses disparos. Existe uma campanha contra a Taurus."
Um
dos motivos que leva a Taurus a ser a maior fornecedora de armas no Brasil é
uma portaria do Exército prevendo a preferência de compra de armamentos
nacionais quando houver similares aos importados.
Esse
é o caso das pistolas .40 - que incluem os criticados modelos 24/7, PT 100 e
840, fabricados pela Taurus - usadas por quase todos os policiais do país.
Não
há informação de quantas dessas armas suspeitas de falhas estejam nas mãos de
policiais e empresas de segurança em todo o país. Mas governos de alguns
Estados e o Exército já começaram a se mobilizar para barrar a produção dessas
armas e parar de comprar armamentos da fabricante brasileira.
Proibição e boicote
Após
uma série de denúncias e ações judiciais movidas contra a Taurus, o Exército
decidiu investigar a produção dessas armas.
Durante
uma inspeção à fábrica da empresa, o órgão encontrou irregularidades na
produção de dois modelos e decidiu suspender a venda e fabricação das pistolas
24/7 e 840.
Em
ofício enviado ao governo do Paraná, o Exército diz que foram detectadas
alterações na trava do gatilho, o que "demonstra a existência de indícios
de violação de compromisso assumido de não modificar produto com produção já
autorizada".
O
documento, assinado pelo general Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira,
ainda afirma que a Taurus não tem uma gestão "que busque conhecer as
necessidades do cliente e seu grau de satisfação, bem como que oriente e
forneça serviços de manutenção preditiva, preventiva ou corretiva".
A
empresa afirmou que o laudo do Exército não afetou sua produção
porque os modelos já tinham sido parados de ser fabricados em dezembro de 2015.
O estoque que restou foi lacrado e apreendido para ser fiscalizado pelo órgão.
Depois
desse ofício, o governo paranaense foi autorizado a abrir uma licitação para
importar 865 pistolas da marca austríaca Glock - que domina 65% do mercado
americano - e entregar aos policiais do Estado.
O
governo argumenta que a Glock tem preço inferior e qualidade superior às armas
fornecidas pela Taurus.
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Image caption Governo paulista decidiu interromper licitações de armas da
Taurus após laudos que apontaram defeitos de fábrica
O
governo de São Paulo seguiu o mesmo caminho e decidiu suspender por dois anos a
compra de armas da Taurus após o resultado de um laudo apontar defeitos de
fábrica em quase 6 mil submetralhadoras, compradas por R$ 21 milhões.
A
Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informou que "a sanção
imposta à Taurus foi motivada pelo não cumprimento das cláusulas contratuais
pela empresa, como especificações técnicas e garantia do armamento
fornecido".
Há
outros Estados se mobilizando para também deixar de adquirir produtos da marca.
O
vice-presidente da empresa afirmou que "existe um interesse por trás
disso".
"Agora
que eles não podem comprar Taurus, vão fazer o quê? Importar (armas da) Glock.
É isso", disse.
Omissões
Agentes
de segurança e comandantes policiais ouvidos afirmaram que os incidentes podem
ser mais numerosos que os relatados.
Segundo
eles, muitos policiais chegam a omitir casos de disparo acidental no pé, por
exemplo, para não se tornar alvo de chacota dentro da corporação.
Esse
é o caso do major e subcomandante do centro de instrução e tiro da PM de Goiás,
Eduardo Bruno Alves. Há nove anos, ele foi atingido por sua própria pistola
Taurus 24/7 após ela cair no chão e disparar sozinha. O tiro acertou seu braço
direito, cruzou seu peito e saiu pelas costas.
"Eu
virei alvo de piadas porque ninguém acreditava que a arma pudesse realmente
disparar. Fui taxado como idiota. Hoje, a informação está muito difundida e os
policiais não têm mais dúvidas de que isso acontece pela quantidade de vídeos
reais provando que a arma falha", afirmou.
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Image caption Em teste publicado no YouTube, policial mostra arma semelhante à
comprada pela PM de SP aparentemente destravando sozinha
Alves
perdeu parte dos movimentos da mão, além de força e capacidade pulmonar, mas
continua ensinando os policiais de Goiás a atirar. "Mas sem Taurus. Agora,
eu só uso Imbel (produzida pelo Exército)", afirmou.
O
major afirma que os governos evitam comprar armas Imbel, também fabricadas no
Brasil, porque são mais pesadas e difíceis de manusear. Alves também criou a
página 1911, que possui mais de 400 mil seguidores no Facebook e se tornou uma
referência de informações sobre armas.
CPI
Atingido
por um disparo na perna direita após sua arma atirar sozinha ao cair no chão em
2013, o tenente Alexandre Castro, da Polícia Militar de Goiás, briga pela
abertura de uma CPI no Congresso Nacional para apurar os incidentes.
Castro
já fez oito cirurgias e está afastado das ruas desde o acidente.
"Já
colhemos a assinatura de 202 deputados e queremos que ela (a CPI) seja aberta
em fevereiro", afirmou ele. "Vamos punir a Taurus por esses
crimes."
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Image caption Membros do site Vítimas da Taurus conseguiram reunir assinaturas
necessárias para abertura de CPI
O
presidente da Associação Nacional de Praças, Elissandro Lotin de Souza, também
defende a CPI.
"Não
concordo com monopólio de tipo algum e temos gestionado visando a essa quebra.
Esse monopólio ainda obriga as polícias a comprar armas que matam eles mesmos e
os deixam com problemas graves", disse, em referência ao fato de a Taurus
ser a maior fabricante e distribuidora de armas do país.
Fonte:BBC Brasil