Após queda de ministro,
Temer é pressionado a recriar órgão anticorrupção que extinguiu
Michel Temer perdeu segundo ministro em 19 dias
Após perder dois ministros em 19 dias por alegações
de obstrução a investigações da operação Lava Jato, o presidente interino
Michel Temer ainda enfrenta boicotes internacionais e pressão de centenas de
servidores que exigem a recriação da CGU (Controladoria Geral da União), que
atuou como principal órgão nacional de transparência e combate à corrução nos
governos FHC, Lula e Dilma Rousseff.
A CGU foi extinta pelo presidente interino horas
depois da votação do Senado pelo afastamento temporário de Dilma, em medida
provisória publicada em edição extraordinária do Diário Oficial em 12 de
maio.
No lugar da antiga Controladoria, Temer lançou o
Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, chefiado até a última
segunda-feira por Fabiano Silveira.
O ex-ministro foi exonerado após a divulgação de
áudios em que critica a Lava Jato e supostamente orienta seu padrinho político
e presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), e o ex-presidente da
Transpetro, Sergio Machado, a evitar complicações em interrogatórios sobre corrupção.
Silveira nega as acusações e diz que tem "grande respeito" pelo
Judiciário e pelo Ministério Público.
Passada a exoneração, entretanto, a questão ainda é
motivo de dor de cabeça para Temer. Caravanas com mais de 170 servidores da
antiga CGU, vindo de 26 Estados, devem chegar a Brasília nesta quarta-feira
para pressionar o presidente em exercício a recriar a Controladoria.
Eles prometem se somar aos servidores que já ocupam
entradas do ministério desde a mudança anunciada pelo Planalto e dizem que não
recuam enquanto a antiga CGU não voltar ao status original.
Membro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) na
época das gravações, Silveira também será alvo de investigação por prática de
"advocacia administrativa", que ocorre quando "funcionários
públicos patrocinam interesses privados perante a administração pública. O
processo será instaurado pela ministra Nancy Andrighi, corregedora nacional de
Justiça.
Principal entidade global de combate à corrupção, a
Transparência Internacional anunciou "suspensão do diálogo com o
Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle "até que uma apuração
plena seja realizada e um novo ministro com experiência adequada na luta contra
a corrupção seja nomeado.
"O governo deve garantir que quaisquer membros
do ministério envolvidos em corrupção ou trabalhando contra o curso das
investigações sejam exonerados", disse a organização. A BBC Brasil apurou
que outros órgãos estrangeiros podem adotar a mesma postura nos próximos dias.
BRAZIL NATIONAL COUNCIL OF JUSTICE/GLAUCIO DETMAR Image caption Fabiano
Silveira foi exonerado do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle
Enfraquecimento
Os primeiros boatos sobre mudanças na antiga CGU
surgiram em maio do ano passado, em meio a reformas promovidas no ajuste fiscal
do governo Dilma. Segundo reportagens da época, o governo da petista cogitou
transformar a CGU em uma secretaria da Casa Civil ou do Ministério da Justiça -
mas recuou após reação negativa de servidores e entidades como o Ministério Público.
Os críticos alegam que o atual
"rebaixamento" da CGU - que na gestão Temer deixou de ser um
"superministério" diretamente ligado à Presidência para se tornar um
ministério como os demais - dificultaria a fiscalização e obtenção de dados de
outras pastas durante investigações.
Com o fim da hierarquia sobre os ministérios, nada
garante que as ordens da "nova CGU" serão atendidas, alegam os
funcionários.
"Como ministério, deixamos de ser um órgão de
Estado, ligado à Presidência, seja ela qual for, para virarmos um órgão de
governo, como são todos os outros ministérios, que podem ser extintos ou
reformulados a cada gestão", disse à BBC Brasil Fábio Felix, auditor da
Secretaria de Transparência e Prevenção à Corrupção do órgão.
"Isso nos faz reféns de interesses políticos.
Nos deixa vulneráveis a mudanças de governo e tira nossa autonomia sobre os
demais ministérios."
A pasta criada por Temer nega as acusações. "A
transformação da CGU em Ministério representa mais um avanço institucional para
o Estado brasileiro", diz a pasta, em nota enviada à imprensa.
"A controladoria doravante operará não apenas
com o status de Ministério, mas como pasta ministerial em definitivo, que
continuará a atuar no efetivo cumprimento de suas macro-funções: a auditoria e
fiscalização, a prevenção e transparência, a ouvidoria e a corregedoria",
afirma o ministério em resposta às críticas.
A nomenclatura da nova pasta também é alvo de
piadas. Em redes sociais, funcionários do ministério e do MPF (Ministério
Público Federal) criaram um cacófato com as iniciais de Ministério da
Transparência, Fiscalização e Controle:
CGU foi criada durante governo de FHC
Bastidores
A gestão-relâmpago de Silveira é classificada como
"discreta e enigmática" por funcionários próximos.
"Logo que ele entrou, havia uma pressão muito
forte por parte dos servidores insatisfeitos. Ele fugia destas perguntas e
reuniu todos no auditório para destacar ações de benefícios de carreira e
aumentos de salários, o que foi percebido como tentativa de ganhar nossa
confiança", diz um servidor que pediu anonimato por medo de represálias.
"Mas, na prática, a primeira atitude foi
substituir cargos ocupados por funcionários de carreira, com experiência
técnica, por indicações políticas, sem nenhum vínculo com as atividades."
Segundo a BBC Brasil apurou, a principal mudança de
equipe ocorreu na área de comunicação e assessoria de imprensa. Outros chefes
de secretarias, como a da Transparência, foram exonerados assim que o ministro
assumiu o posto - os substitutos indicados por Silveira, alguns com atuação
vedada pela lei da Ficha Limpa, ainda aguardam avaliação da Casa Civil.
Outros três servidores, também sob condição de
anonimato, alegaram preocupação com o acesso a informações sigilosas pelo
ex-ministro nas últimas semanas.
"Nestes 19 dias, Fabiano e seus indicados
políticos tiveram acesso a dados sensíveis sobre investigações de corrupção,
incluindo acordos de leniência da Lava Jato. São documentos que podem envolver
seus aliados políticos. Depois do áudio, fica claro o conflito de interesses -
alguém que não apoia a Lava Jato não pode acessar investigações secretas",
disse um.
"Foi a primeira vez que vimos uma invasão
política neste órgão", afirmou uma funcionária que atua na área desde os
anos 1990. "Nossa preocupação é que um órgão altamente técnico,
responsável pela transparência e fiscalização de recursos públicos, se
transforme em ferramenta de barganha política."
Repercussão internacional
Nos últimos anos, a atividade da CGU resultou na
expulsão de 5.659 servidores federais por mau comportamento ou má fé, 199
operações especiais com a Polícia Federal, R$ 24 bilhões fiscalizados em
municípios e na proibição de contratos de 4.700 empresas com o Governo Federal.
O consultor da Transparência Internacional Fabiano
Angélico criticou o processo de extinção da CGU.
"O ideal, ainda mais para um governo interino,
seria discutir com a sociedade e os atores envolvidos para tentar colher
legitimidade nas decisões", afirmou. "A decisão do dia para a noite
de extinguir um órgão com mais de 10 anos de atuação nos pareceu pouco
elogiável."
Em entrevista por telefone, Angélico afirmou que o
clima em fóruns e entidades internacionais é de "desconfiança".
"Estou em um evento no Uruguai e a temperatura
do diálogo por aqui sugere uma sensação de falta legitimidade a esse governo,
por enquanto, nos temas anticorrupção", afirmou. "Nesse momento, há
dúvida nos fóruns internacionais sobre se é possível mesmo contar com o governo
brasileiro nos debates sobre combate à corrupção. De fato existe uma
interrogação."
O especialista ressalta que o enfraquecimento da
CGU é um processo anterior ao governo interino. Em maio do ano passado, o
Ministério Público Federal divulgou nota repudiando qualquer tentativa de
"rebaixamento" do "superministério".
"A CGU participava com sucesso de diversos
fóruns internacionais, havia ali um reconhecimento técnico. O modelo da Controladoria
foi tão exitoso que começou a ser esvaziado. O que vemos agora é mais um passo
de um processo que já havia sido iniciado", diz Angélico.
Segundo funcionários, cortes de recursos nos
últimos anos e falta de profissionais para fiscalização em campo eram os
principais problemas encontrados na antiga Controladoria.
Hesitação
Na segunda-feira, horas após o vazamento dos
áudios, Temer disse a interlocutores que não via motivos para afastar o então
ministro Fabiano Silveira ─ funcionário de carreira do Senado indicado por
Renan Calheiros.
Mas a pressão de servidores do órgão, que chegaram
a usar vassouras e desinfetante para "limpar" o gabinete de Silveira,
e de entidades como a Transparência Internacional, que anunciou a
"suspensão do diálogo" com o ministério após as gravações, levou o
interino a recuar.
No fim do dia, depois de ter seu carro impedido de
entrar na sede da antiga CGU, o ex-ministro enviou carta ao presidente interino
negando interferências na Lava Jato e afirmando que se afastaria do governo.
"Não há em minhas palavras nenhuma oposição
aos trabalhos do Ministério Público ou do Judiciário, instituições pelas quais
tenho grande respeito. Foram comentários genéricos e simples opinião, decerto
amplificados pelo clima de exasperação política que todos testemunhamos",
afirmou Silveira.
"Não obstante o fato de que nada atinja a
minha conduta, avalio que a melhor decisão é deixar o Ministério da Transparência,
Fiscalização e Controle", finalizou o ex-ministro. Sua exoneração foi
confirmada na terça-feira.
A hesitação do presidente interino em optar pelo
afastamento de seus pares também foi vista há duas semanas, após a divulgação
de áudios em que o ex-ministro do Planejamento, Romero Jucá (PMDB), sugeria a
criação de um "pacto" contra a operação Lava Jato.
Inicialmente, Temer anunciou que Jucá seguiria no
posto ─ horas depois, sob uma enxurrada de críticas, Jucá pediu afastamento.
Fonte:
BBC Brasil
Gaspar Moura dos Santos