O Rio de
Janeiro faliu. E o Brasil tem muito a aprender com essa história.
Ela custa R$1
bi aos cofres públicos, mas ninguém assiste. Chegou a hora de fechar a Tv
Brasil.
O ano é
2010. O Brasil é a bola da vez no mundo. Em meio a uma crise que assola os
países mais desenvolvidos do planeta, ocupamos a capa da revista “The Economist”, uma das mais importantes publicações já
criadas, com a imagem de um cristo redentor decolando. O Brasil vivia uma
festa. O país iria sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas e apenas alguns meses
depois descobriria seu maior crescimento econômico em 35 anos. Do outro lado do
Atlântico, na Europa, o cenário era o exato oposto. Apenas seis anos após
sediar uma olimpíada, a Grécia era o centro de um continente em crise, o
símbolo de um modelo que deu errado. Passado o mesmo tempo, já em
2016, prestes a sediar as Olimpíadas, a cena se repete – o Rio de Janeiro acaba
de declarar falência. Muito mais do que coincidência, a história é, no fundo,
uma grande lição.
Do Caburaí
ao Chuí, os governos estaduais estão quebrados (dez deles já parcelam salários). Todos, sem exceção, gastam
mais do que o recomendado com pagamento de funcionalismo público. Em três
deles, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, já se gasta mais com
aposentadorias e pensões do que com educação e saúde. Para onde quer que se
olhe, o cenário é quase sempre o mesmo.
Para muitos
estados, como o Rio Grande do Sul, por exemplo, que convive há mais de quatro
décadas com déficit nas contas públicas, a situação pode ser considerada dentro
dos padrões normais, ou ao menos dentro do esperado. Em outros
casos, como o do Rio, no entanto, a situação ainda parece difícil de acreditar.
Trata-se do mesmo Rio de Janeiro que há 10 anos esperava crescer o dobro da
média nacional e atingir até 20% de participação no PIB brasileiro em 2016. O
motivo pra euforia? A descoberta da camada pré-sal lá em 2007. O otimismo não
rolou à toa. Apenas entre 2014 e 2016 o estado recebeu nada menos do que R$ 235 bilhões em investimentos, boa parte deste valor destinado
à indústria do petróleo e à infraestrutura necessária para sediar os jogos
olímpicos.
No papel, o
Rio estava bombando. Como em uma das famosas apresentações de Eike Batista, seu
ilustre morador, tudo parecia ajustado e pronto para explodir. Na prática,
porém, as coisas desandaram tão rápido quanto pareciam crescer.
Poucos meses
antes de sediar as Olimpíadas para as quais vem se preparando há quase uma
década, o Rio declarou “estado de calamidade pública”. A medida
emergencial significa que na prática o governo estadual terá acesso mais rápido
à liberação de recursos por parte do governo federal (estimados em R$ 3
bilhões), permitindo pagar salários e horas extras, além de continuar
investindo nas obras fundamentais para a realização dos jogos olímpicos.
Com um
déficit estimado para este ano em R$ 19 bilhões, ou quase metade do total
arrecadado em 2015, o governo do estado não chegou até esse patamar sem nenhum
motivo. Disfarçado por muito otimismo, algumas partidas marcantes de Copa do
Mundo e uma enxurrada de investimentos por parte de estatais como a Petrobras,
há alguns fatores que levaram o estado à situação atual. Entender estes
motivos significa na prática se adiantar em alguns meses, ou na melhor das
hipóteses, poucos anos, aquilo que tem boas chances de ocorrer ao governo
federal. Abaixo, oferecemos um manual completo de como não evitar estes
problemas.
Gaste
mais com aposentados do que com estudantes
Falar que há
problemas na previdência brasileira pode parecer chover no molhado. Há anos a
reforma no setor vem sendo debatida e discutida. Evitar um déficit que
pode alcançar a casa dos trilhões é provavelmente uma das mais urgentes medidas
que qualquer governo poderia tomar. Apenas para este ano, por exemplo, o
governo federal estima que o déficit dos 28 milhões de beneficiários do INSS
deve atingir R$ 146 bilhões, valor próximo daquilo que deve ser
alcançado pelos 1,2 milhão de aposentados e pensionistas do serviço
público. Dizendo de outra forma, nada menos do que R$ 700 bilhões serão gastos em 2016 para pagar benefícios sociais
(mais do que a arrecadação de todos os estados brasileiros).
Escondida em
meio a esse debate nacional, a previdência dos estados chega a apresentar dados
ainda mais assustadores. Para este ano, o déficit programado deve atingir R$ 51 bilhões. E quase 25% deste valor deve-se a um único
estado: o Rio de Janeiro.
Em todo o
país, apenas dois estados possuem mais aposentados do que trabalhadores na
ativa: o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro. Em outras palavras, para cada
médico, policial ou professor que lhe presta um serviço público, você precisa
pagar por pelo menos dois.
Como nos
demais estados brasileiros, o Rio de Janeiro se especializou em um sistema no
qual cada funcionário na ativa paga uma contribuição sobre seu salário, que é
destinada a cobrir o salário daqueles que estão aposentados. A diminuição do
número de funcionários na ativa em relação aos inativos tem se agravado nos
últimos anos – e com ela a necessidade de aportes do Tesouro.
Ao contrário
dos demais estados, porém, o Rio criou uma fonte específica e complementar de
financiamento da sua previdência estadual: os royalties do petróleo. Em 2014,
nada menos do que 55% dos pagamentos de aposentadorias e pensões tinham como
origem os royalties aos quais o estado tinha direito. Cerca de 95% de todos dos
royalties do estado se destinavam a cobrir gastos com previdência. Com a queda
no preço do barril de petróleo, no entanto, a situação tornou-se insustentável.
Royalties hoje bancam apenas 28% dos gastos com previdência. Cabe ao governo do
estado complementar. Em 2015, isso significou aportar R$ 7 bilhões na “RioPrevidência”.
Entre 2007 e
2015, os gastos com previdência no Estado saltaram de R$ 5,7 bilhões para R$ 17
bilhões. Graças à receita abundante dos royalties, em especial quando o
petróleo atingiu US$ 145 por barril, o estado pode reajustar pensões, elevando
o gasto médio de R$ 900 para R$ 4 mil no período. Atualmente, cerca de 66 em
cada 100 funcionários na ativa possuem a chamada “aposentadoria especial”,
podendo se aposentar mais cedo do que as demais categorias (em especial,
bombeiros, policiais e professores), o que contribui significativamente para
elevar o déficit da previdência. O socorro ao fundo de previdência fez os
gastos do governo estadual com aposentados e pensionistas saltar nada menos do
que 118% apenas em 2015.
Juntos, os
estados brasileiros possuem uma conta a ser paga de R$ 2,4 trilhões na previdência. Ao contrário do Rio, no entanto, a
maioria deles não pode contar com a sorte de ter as maiores reservas de
petróleo no país. Sozinhos, os gastos com previdência no Rio atingem mais do que aquilo que é gasto em saúde (R$ 3,96
bilhões), educação (R$ 4,04 bilhões) e segurança (R$ 5,18 bilhões), somados.
Uma repartição
pública a céu aberto
Pouco mais
de um século e meio como capital do país fizeram do Rio um estado onde se
respira funcionalismo público. Nem mesmo cinco décadas de mudança da capital
para Brasília foram capazes de apagar isso. Ainda hoje, inúmeras empresas
estatais, bancos públicos e repartições das mais variadas possuem o Rio de
Janeiro como sede.
Não por
acaso, há mais funcionários públicos federais no Rio de Janeiro
hoje do que em Brasília. São cerca de 258,5 mil contra 178,5 mil funcionários
públicos na atual capital federal. Em termos de salários, o Rio é destino de R$
22 bilhões anuais contra R$ 10,3 bilhões de Brasília (incluindo aí apenas
funcionários do Executivo).
Cerca de 1
em cada 5 trabalhadores no estado tem como empregador o setor público. São 18,64%, acima da média nacional. Como a Lei de Responsabilidade Fiscal não
obriga os estados a contabilizarem gastos com previdência como sendo “gastos
com pessoal”, a situação do estado passou anos como sendo aparentemente uma das
mais positivas do país.
Toda
maquiagem contábil, porém, não impediu que o Rio fosse o segundo estado do país
a começar a parcelar salários. Mesmo sendo em teoria o estado que menos gasta
com pessoal em todo o país (apesar de ser um dos que mais emprega), o Rio está
oficialmente “incapacitado de pagar o funcionalismo”, nas palavras do próprio
governador em exercício.
Justamente
por não ferir o que manda a LRF (gastar no máximo 44% da sua receita corrente
líquido com funcionalismo), o Rio se viu livre para elevar salários e amenizar
o fato de que seus policiais e professores se encontram entre os cinco mais mal
pagos do país.
Quando
somado ao aporte que o Estado teve de fazer para pagar aposentados e
pensionistas, a folha de pessoal teve custos de R$ 24,5 bilhões em 2015, sendo
R$ 10,84 bilhões com inativos. A receita do estado, porém, teve queda,
atingindo R$ 39 bilhões. Quando incluídos aí todo os gastos com
funcionalismo inativo, o Rio de Janeiro gastou R$ 31,6 bilhões no ano, um crescimento de 146% desde 2009. No
mesmo período a inflação medida pelo IPCA atingiu 57,29%.
Distribua
benefícios e socialize o prejuízo
R$ 138
bilhões.
O valor,
quase oito vezes o déficit que o governo estadual deve atingir em 2016,
representa aquilo que, de boa vontade, os governadores do estado abriram mão de
arrecadar em ICMS entre 2008 e 2013.
Para atrair
empresas da área de petróleo, infraestrutura, siderurgia e bebidas, o governo
do estado não se fez de rogado – botou a mão no bolso dos pagadores de impostos
e distribuiu as benesses. Ao mesmo tempo em que elevava a distribuição de
isenções fiscais, o governo fluminense aumentava também a sua já preocupante
dívida. Ao final de 2013, o Rio devia R$ 107 bilhões, quase o dobro dos R$
59,2 bilhões devidos em 2008.
A escolha de
quem receberia os benefícios ficou a cargo do governo estadual. No meio de tantos bilhões, casos como a indústria de jóias, que recebeu
isenções de R$ 230 milhões, chamam a atenção. Enquanto obrigava toda a
população a bancar uma máquina pública cada vez mais pesada, o governo concedeu
benefícios a uma indústria cuja base de consumidores é essencialmente a camada
mais rica dos moradores do estado.
Dentro deste
valor, há ainda casos mais curiosos, como o da montadora Nissan, que recebeu R$
353 milhões em isenções, além de ter tido sua fábrica no estado financiada pelo
próprio governo, ao custo de R$ 5,9 bilhões, com carência e prazo para
pagamento em 30 anos.
Outros R$
760 milhões via crédito de ICMS foram destinados a financiar a expansão da
AMBEV em Piraí, onde o governador Pezão foi prefeito por dois mandatos. Menos
de um ano antes, a empresa havia recebido R$ 850 milhões para financiar uma de
suas sedes. A montadora alemã Volkswagen foi outra das beneficiadas, recebendo R$
2,1 bilhões para se instalar no estado.
Para o
governo, a prática estimula a geração de empregos. No acordo com a AMBEV, por
exemplo, foram criadas 73 vagas de empregos. Somando os dois contratos, a
empresa recebeu nada menos do que R$ 7 milhões por emprego gerado.
Use o
cartão de crédito para bancar as festas
Reformado
para os jogos Panamericanos, para a Copa do Mundo e agora para as Olimpíadas, o
Maracanã já demandou sozinho R$ 1,2 bilhão do governo do Estado – quase 5 vezes o
valor investido em sua construção na década de 40 (com valores são
atualizados). Hoje sob concessão da empreiteira Odebrecht, o estádio é
apenas um dos exemplos da festa que foi o Rio de Janeiro na última década. A
expectativa das Olimpíadas, a final da Copa do Mundo e tudo que gira ao redor
disso, fizeram o estado entrar em uma onda de gastos que pode chegar a R$ 39,1 bilhões, ou mais de duas vezes o valor estimado para o
déficit deste ano.
O decreto emitido
pelo governo em exercício é parte do plano para impedir que os serviços
públicos no estado entrem em colapso antes das olimpíadas. Quase R$ 3 bilhões
devem ser liberados. Após a festa, a conta ainda deve perdurar por algumas
décadas.
Apenas a
dívida do governo do estado com a União atinge mais de R$ 75 bilhões, ao custo
de R$ 6,5 bilhões por ano – ou mais do que o valor gasto com a segurança no
estado. O serviço total da dívida, no entanto, atinge R$ 10 bilhões este ano, mais do que os valores de saúde e
educação somados. Como resultado, o estado investe menos da metade do que a lei
determina em saúde.
O resultado
da farra de gastos, porém, não deve se limitar ao próprio estado. Impedido por
lei de dar calote na União (caso deixe de repassar a parcela da dívida, a União
pode legalmente bloquear as contas do estado e impedir repasses), o governo do
estado já aplicou calotes em outras dívidas. A Agência Francesa de Fomento, por
exemplo, deixou de receber o que lhe era devido pelo estado ainda em junho
deste ano. Para compensar, a União teve de arcar com o prejuízo. Cerca de 90%
da divida já foi paga. Pagamentos futuros ainda são incertos.
O calote é
parte de uma tragédia anunciada. Em maio deste ano, a agência Fitch já havia rebaixado a nota de
crédito do Rio para BB-, ou “mau pagador”.
De fato, a
situação do Rio de Janeiro não é alheia aos demais estados e muito menos ao
próprio país. Ao longo das últimas duas décadas, governos estaduais têm se
convertido a cada dia que passa em pagadores de salários, relegando
investimentos. Enquanto o investimento público total no país saltou de 0,8%
para 1,1% nos últimos 20 anos, os gastos públicos totais saíram de 25%
para 36% – e ao que tudo indica, não deve haver nenhuma reversão deste cenário
em um futuro próximo.
Para
qualquer turista, o samba, o futebol, as praias, a caipirinha, o Corcovado e o
Cristo Redentor são a cara do Brasil. Um olhar mais atento, porém,
identificaria que a verdadeira coincidência entre o Brasil e o Rio nesse
momento são os seus problemas econômicos. Evitá-los é o grande desafio das
próximas décadas a qualquer liderança política que se preze.
Fonte:
spotniks.com
Gaspar Moura dos Santos