Entenda as operações que estão mexendo com as grandes
empresas
A operação Zelotes
voltou a ganhar os holofotes na terça-feira com a notícia de que a Polícia
Federal (PF) decidiu indiciar o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco
Cappi, e mais nove pessoas por suspeita de envolvimento em um esquema de
fraudes para sonegação de imposto
Quando
uma pessoa que está sendo investigada é indiciada isso significa que a PF
considera haver indícios suficientes para que o Ministério Público Federal
(MPF) apresente uma denúncia à Justiça. Cabe aos procuradores, no entanto,
avaliar o relatório da PF e decidir se pedem a abertura de um processo.
A
Zelotes - operação que tem sido ofuscada pela Lava Jato - investiga há pouco
mais de um ano a existência de quadrilhas que atuavam no Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) com objetivo de reverter a cobrança
pela Receita Federal de impostos atrasados e multas. A PF estima que esse
esquema teria causado perdas bilionárias de arrecadação à União.
A
informação sobre o indiciamento de Trabuco, divulgada pelos principais grupos
jornalísticos do país, não foi confirmada oficialmente pela PF. Em nota, o
Bradesco afirma "que não houve contratação dos serviços oferecido pelo
grupo investigado" e acrescenta que "(o banco) foi derrotado por seis
votos a zero no julgamento do Carf"
.
Há duas
semanas, já haviam sido indiciados o diretor-presidente do Grupo Gerdau, André
Gerdau, e mais 18 pessoas. No final de abril, o dono do grupo Safra, Joseph
Safra, virou réu em um processo acusado de pagar propina para reverter multas
da Receita.
Entenda
melhor abaixo o que é a Operação Zelotes.
Primeiro,
para que serve o Carf?
Apesar
de um tanto obscuro, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que está
submetido ao Ministério da Fazenda, é considerado essencial por especialistas
na área tributária.
Eles
ressaltam que estruturas com a mesma finalidade existem na maioria dos países.
São tribunais administrativos especializados em que os contribuintes (empresas
ou pessoas físicas) podem questionar cobranças da Receita Federal antes de
apelar diretamente à Justiça comum.
A importância destes órgãos está no
fato de que os magistrados da Justiça comum normalmente não têm qualificação
técnica aprofundada para julgar temas tributários. Quando a Receita Federal
perde o julgamento no Carf, a
União não pode recorrer à Justiça.
O Carf é
formado por conselheiros - metade deles são indicados pela Receita Federal e a
outra metade, em geral advogados, são escolhidos por confederações (de empresas
e trabalhadores) para representar os contribuintes.
Esses
advogados antes atuavam sem qualquer remuneração - após a deflagração da
Zelotes passaram a receber pelo trabalho, em regime de dedicação exclusiva.
Qual é o
esquema investigado pela PF?
A
operação teve início em março de 2015 para investigar o pagamento de propina
para conselheiros do Carf votarem em favor das empresas multadas pela Receita
nos julgamentos.
Segundo
o jornal Folha de S.Paulo, a operação Zelotes teve início a partir de
uma carta anônima de duas páginas entregue em um envelope pardo na
coordenação-geral de Polícia Fazendária, no edifício-sede da PF, em Brasília.
Essa
denúncia citou nomes de conselheiros e empresas relacionados ao que seria
"um impressionante esquema de tráfico de influência e corrupção em
Brasília, responsável pelo desvio de bilhões de reais nos últimos anos",
afirma o jornal.
Entre os
supostos envolvidos investigados já na etapa inicial estavam ao menos 70
empresas, 15 escritórios de advocacia ou consultoria e 24 pessoas, como
conselheiros e ex-conselheiros do Carf. As grandes companhias atingidas
incluiam as montadoras Ford e Mitsubishi, os bancos Bradesco, Santander e
Safra, a empreiteira Camargo Corrêa, o grupo siderúrgico Gerdau, a Petrobras, a
BR Foods (setor de alimentos), e o grupo de comunicação RBS.
Na
época, falou-se em prejuízo estimado de R$ 19 bilhões aos cofres públicos.
Em
outubro do ano passado, a Zelotes também passou a investigar indícios de venda
de Medidas Provisórias (MPs) que prorrogavam desonerações tributárias para o
setor automotivo.
Estão
sobre suspeitas três MPs editadas pela Presidência da República - duas no
governo Lula, em 2009 e 2010, e uma pelo governo Dilma, em 2013 e - depois
aprovadas pelo Congresso.
Entre os
investigados nesse caso está Luís Cláudio Lula da Silva, filho caçula do
ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. A PF suspeita que sua empresa, a LFT
Marketing Esportivo, recebeu pagamentos para interceder na publicação das MPs.
Já houve
condenações?
Operação
Zelotes voltou a ganhar os holofotes com a notícia do suposto indiciamento do
presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi
A
operação Zelotes já levou a algumas condenações em primeira instância - cabe
recurso a tribunais superiores.
No
início de maio, por exemplo, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara
Federal do Distrito Federal, condenou nove pessoas, sendo seis lobistas, dois
executivos da indústria automobilística e um servidor público.
Em sua
decisão, o juiz concluiu que uma associação criminosa agiu, por meio do
pagamento de propinas, para conseguir a aprovação de um texto de lei favorável
a seus interesses.
Durante
as investigações, foram citados os nomes do presidente do Senado, Renan
Calheiros (PMDB-AL) e do senador Romero Jucá (PMDB-RR) - um inquérito para
apurar o caso foi aberto após autorização do Supremo Tribunal Federal. Como
parlamentares têm foro privilegiado, só podem ser julgados pela mais alta corte
do país.
Também
no início do mês, o MPF apresentou denúncia contra 23 pessoas investigadas na
Zelotes pelos crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e
tráfico de influência. São advogados, conselheiros do carf e empresários ligados
a casos envolvendo três empresas - Banco Santander (antigo Bozano), Qualy
Marcas Comércio e Exportação de Cereais e Brazil Trading LTDA.
Já o
dono do grupo Safra, Joseph Safra, tornou-se réu em um processo há cerca de dez
dias após a Justiça Federal do Distrito Federal acolher denúncia contra ele.
Safra é acusado de pagar propina para obter decisões favoráveis no Carf.
Uma fraude de 19
bilhões?
As
primeiras informações divulgadas no ano passado eram de que a fraude detectada
pela Operação Zelotes poderia chegar a R$ 19 bilhões. Exatamente por causa da
complexidade de alguns temas tratados pelo Carf, esse valor pode não se
confirmar, na opinião de especialistas ouvidos na época pela BBC Brasil.
"Não
posso concluir se um auto (de infração) é procedente ou improcedente pela
existência de um ilícito ou não. As duas coisas são independentes",
avaliou o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel.
Sergio
André Rocha, advogado tributarista e professor da faculdade de Direito da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), deu opinião semelhante na
época. Ele avaliou que, se for provado que houve fraude no julgamento, quem
estiver envolvido (conselheiros, empresas ou seus funcionários) terá de ser
julgado criminalmente.
Mas,
afirmou ele, isso não significa que o valor cobrado é de fato devido. "A
ação terá que ser revista em novo julgamento do Carf", defendeu.
Esses
especialistas observaram que alguns temas não têm ainda jurisprudência
(decisões que pacificam uma polêmica jurídica e servem de referência para os
julgamentos seguintes). Ou seja, são questões em que as decisões do Carf e da
Justiça têm variado, dependendo do caso.
Um dos
assuntos mais complexos e polêmicos analisados pelo Carf refere-se aos casos em
que empresas abatem o ágio de operações de fusão e aquisição do Imposto de
Renda.
O ágio é
a parcela paga a mais na aquisição de uma empresa em relação a valor
patrimonial da companhia e que se baseia nas perspectivas de lucros futuros com
a operação.
Um
desses casos foi justamente alvo da Operação Zelotes. Entre os processos
investigados pela PF estão ações movidas pela Gerdau questionando autuações da
Receita Federal em que o órgão acusa o grupo de "planejamento tributário
abusivo" nas operações de reestruturações societárias envolvendo oito
empresas do grupo, realizadas entre 2005 e 2010.
A origem
da polêmica é que essas operações foram feitas internamente, entre empresas de
um mesmo grupo.
"São
matérias muito controversas, e isso não está pacificado na jurisprudência. Não
há de se falar em certo ou errado. Ágio interno pode? Metade diz que sim,
metade diz que não", afirmou Maciel.
Fonte:BBC Brasil
Gaspar Moura dos Santos